Ustra continua com “torturador” carimbado na testa

 

A 1ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo negou na 3ª feira (14/8), por unanimidade, o recurso do torturador Carlos Alberto Brilhante Ustra, que esperneava contra a sentença na qual foi reconhecida sua responsabilidade pela prática de torturas durante a ditadura militar. Tendo a defesa de Ustra recorrido, o relator da apelação, desembargador Rui Cascaldi, foi incisivo:

“A tortura praticada no cárcere fere a dignidade humana. Observe que a própria Lei de Anistia reconhece que houve crime e concedeu anistia.”

Cascaldi não aceitou as alegações de que os crimes estariam prescritos e de que Ustra teria sofrido cerceamento de defesa. Segundo ele, ações meramente declaratórias não prescrevem jamais e a defesa teve várias oportunidades para se manifestar, daí ter decidido manter a sentença condenatória. Seu voto foi seguido pelos desembargadores Carlos Augusto De Santi Ribeiro e Hamilton Elliot Akel.

O veterano jurista Fábio Konder Comparato, lenda viva do Direito brasileiro, representou os autores da ação (a família Teles), tendo solicitado à Corte que desse uma resposta incisiva aos “atos bestiais de tortura” pelos quais o antigo comandante do DOI-Codi/SP foi responsável.

Direitos humanos

Como é do conhecimento público, Brilhante Ustra comandou o DOI-Codi entre setembro de 1970 e janeiro de 1974; foram nada menos que 502 as denúncias de torturas apresentadas referentes a tal período, durante o qual estiveram no inferno da rua Tutóia cerca de 2 mil cidadãos presos por suspeita de subversão ou terrorismo.

No total dos seus seis anos de operações, o DOI-Codi paulista prendeu (pelo menos) 2.372 opositores do regime militar e assassinou (no mínimo) 50 deles, inclusive o jornalista Vladimir Herzog. Em outubro de 2008, o juiz Gustavo Santini Teodoro, da 23ª Vara Cível Central, julgou procedente o pedido do casal Maria Amélia e César Teles, de seus filhos Janaína e Édson e de Criméia Alice de Almeida (irmã de Maria Amélia), tendo sentenciado que Carlos Alberto Brilhante Ustra foi autor de ato ilícito, gerador de danos morais. E justificou: “O agente do Estado não deve torturar, pois qualquer autorização nesse sentido só pode ser clandestina ou meramente ilegal.”

A ação se deveu a acontecimentos de 1972, quando César, Maria Amélia e Criméia foram presos. Janaína e Édson, então com cinco e quatro anos, chegaram a ser levados de camburão ao DOI-Codi, como uma forma de tortura psicológica contra os pais e tia. Eis como Édson lembra o ocorrido:

“Nas dependências deste então órgão público/estatal pude ver minha mãe e meu pai em tortura. (…) Fui levado a um lugar onde, através de uma janelinha, a voz materna, que meus ouvidos estavam acostumados a escutar, me chamava. Porém, quando eu olhava, não podia reconhecer aquele rosto verde/arroxeado/ensanguentado pelas torturas que o oficial do Exército brasileiro, Carlos Alberto Brilhante Ustra, havia infligido à minha mãe. Era ela, mas eu não a reconhecia.”

A sentença do juiz Teodoro assinalou, ainda, que o DOI-Codi era “uma casa dos horrores, razão pela qual o réu não poderia ignorar o que ali se passava”. Segundo o depoimento das testemunhas, o torturador Brilhante Ustra comandava as sessões de tortura com espancamento, choques elétricos e tortura psicológica. Os gritos e choros dos presos eram ouvidos até nas celas. Daí a conclusão do magistrado:

“Não é crível que os presos ouvissem os gritos dos torturados, mas não o réu. Se não o dolo, por condescendência criminosa, ficou caracterizada pelo menos a culpa, por omissão quanto à grave violação dos direitos humanos fundamentais dos autores.”

Simulacro de anistia

O Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil cogita entrar com uma nova ação no Supremo Tribunal Federal para obrigar o Brasil a cumprir os tratados e as convenções de direitos humanos dos quais é signatário. Viria somar-se a outra da OAB no mesmo sentido, que ainda não foi julgada pelo STF.

Vale lembrar que, no final de 2010, a Corte Interamericana de Direitos Humanos da OEA determinou que o Estado brasileiro submetesse à Justiça comum os responsáveis pelas execuções em massa de guerrilheiros no Araguaia, declarando enfaticamente que “as disposições da Lei de Anistia que impedem a investigação e sanção de graves violações de direitos humanos são incompatíveis com a Convenção Americana e carecem de efeitos jurídicos”.

O governo Dilma Rousseff, a exemplo dos seus antecessores, não ousa propor a revogação desse simulacro de anistia que os verdugos concederam a si próprios, como uma espécie de habeas corpus preventivo, no ano de 1979 – em plena vigência do regime ditatorial, com o aval de um Congresso intimidado e emasculado (o governo indicava um terço dos senadores, os chamados biônicos).

 

 

Fonte – Observatório da Imprensa

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