Comissão aponta que, apesar de avanços, país precisa reforçar leis sobre direitos humanos
Vinte e dois anos após o fim da ditadura Pinochet (1973-2000), o Chile ainda não apagou a herança do autoritarismo em suas leis, o que representa um perigo e precisa ser consertado, afirma uma comissão de investigadores sobre direitos humanos enviada ao país pela ONU (Organização das Nações Unidas). Segundo o grupo, os problemas principais residem na vigência da Lei de Anistia e na omissão, no Código Penal chileno, à figura jurídica dos desaparecimentos forçados durante aquela época.Liderados pela bósnia Jasminka Dzumhur e pelo argentino Ariel Dulitzki, o GTFDI (Grupo Trabalho das Nações Unidas Sobre Desaparições Forçadas ou Involuntárias) iniciou sua visita ao Chile na semana passada, a convite do governo, para avaliar os avanços realizados pelo país com temas relacionados aos direitos humanos.
Durante oito dias, o grupo se reuniu com o presidente da República, Sebastián Piñera, autoridades dos três poderes e das Forças Armadas, visitas ao Museu da Memória e diligências a locais usados como centros de tortura durante a ditadura. Eles foram acompanhados por representantes da AFDD (Agrupação de Familiares de Detidos e Desaparecidos Políticos) e do IML (Instituto Médio Legal).
Segundo Dulitzki, o Chile é um dos países que mais tem combatido e punido crimes a direitos humanos, porém, ele lamenta que todos os casos de reparação da verdade histórica observados até agora tenham partido de iniciativas da sociedade civil, e não dos governos democráticos. “Desde o retorno da democracia, nenhum governo chileno adotou uma política clara de defesa da verdade em casos de desaparições forçadas. Uma das nossas recomendações é que, daqui por diante, haja um esforço nesse sentido”, disse.
Dulitzki afirmou também que os entraves para maiores avanços do país na matéria estão na legislação penal, que omite completamente o tema dos desaparecimentos forçados ou involuntários. “Aqueles que foram condenados no Chile por desaparecimentos políticos foram enquadrados na figura jurídica do ‘sequestro qualificado’, que é insuficiente, pois abrem precedentes para alguns problemas, como penas menores do que o devido, prescrições, excessivos benefícios carcerários e a diminuição das penas por supostas razões humanitárias, o que não deveria ser aplicado em crimes contra a humanidade como esses”, explicou.
Outra recomendação importante do grupo foi com respeito à Lei de Anistia, vigente no país desde 1978. Embora esta não tenha impedido a condenação de diversos protagonistas da ditadura chilena, a própria existência da lei já é em si mesmo um risco que precisa ser eliminado, “para que não abra precedentes perigosos com respeito aos crimes investigados hoje, e também para que não fomente a reincidência de práticas abusivas no futuro”.
No encerramento da visita, na terça-feira (21), em uma coletiva realizada no Pátio 29, setor emblemático do Cemitério Geral de Santiago onde foram encontrados os restos de centenas de desaparecidos, no ano de 1998), Jasminka Dzumhur agradeceu o inédito convite do governo e a disposição de todas as autoridades políticas para colaborar.
As exceções, segundo Jasminka, ficaram par as Forças Armadas e os Carabineros (polícia militar chilena). “E eles não deveriam ser um obstáculo, pois é importante para a própria instituição que sua imagem seja reivindicada com o exemplo da punição às práticas de abuso”. Uma das principais recomendações do GTDFI, segundo Dzumhur, é que a formação de novos policiais e militares chilenos inclua um conteúdo histórico que ensine aos futuros oficiais sobre as violações aos direitos humanos cometidos pela instituição durante a ditadura, “para que as próximas gerações não cometam os mesmos erros do passado”.
Brasil
Embora o GTDFI não participe das investigações da Comissão da Verdade no Brasil, Ariel Dulitzki diz que a entidade está acompanhando os casos, “sempre valorizando todo e qualquer esforço em restabelecer a verdade, não importa o quão tardio seja”. Ele se refere ao fato de que o Brasil é um dos últimos países do continente a realizar uma comissão para investigar os crimes contra os direitos humanos ocorridos em seu território durante governos ditatoriais.
Por outro lado, Dulitzki destacou o fato de a Comissão da Verdade contar com apoio do governo brasileiro e espera que “isso seja parte de uma política de estado específica e duradoura em defesa da verdade histórica”. O observador explicou que o GTDFI jamais enviou uma missão especial no Brasil porque seria preciso um convite oficial de um governo legitimamente eleito para tanto, o que não ocorreu de 1990 até hoje.
Fonte – Rede Brasil Atual