Lamarca: A “marca” de um traidor do Exército e da Pátria.

LAMARCA: A TRAJETÓRIA DE UM DESERTOR por F. Dumont

 

1.O FIM E O COMEÇO.

No meio da tarde de uma sexta-feira, sob o ardente calor de 40 graus da caatinga do sertão baiano, uma equipe de agentes, aproximando-se passo a passo, vislumbrou os dois homens que descansavam à sombra de uma baraúna, no lugarejo de Pintada, município de Oliveira dos Brejinhos.
À voz de prisão, tentaram sacar suas armas. Duas rajadas curtas mataram os dois homens.
Um deles era José Campos Barreto, o Zequinha, morador da região.
O outro, também conhecido por “Renato”, “Célio”, “Sylas”, “João”, “César”, “Paulista”, “Cláudio”,
“Cid” e “Cirilo”, era Carlos Lamarca, ex-Capitão do Exército, ex-dirigente da Vanguarda Popular Revolucionária (VPR) e da Vanguarda Armada Revolucionária – Palmares (VAR-P), naqueles tempos já militante do Movimento Revolucionário Oito de Outubro (MR-8) e escondido no interior da Bahia.
Foi o fim trágico de um desertor.
Filho de pais pobres, Lamarca nasceu em 27 de outubro de 1937 e viveu, até os 17 anos, no Morro de São Carlos, no Rio de Janeiro, com seus irmãos e uma irmã de criação, Maria Pavan, que viria a ser sua esposa.
Em meados da década de 50, como muitos, entusiasmou-se com a campanha do “O Petróleo é Nosso”, politizando-se com as idéias nacionalistas que o influenciaram a procurar a carreira militar.
Depois de reprovado por duas vezes nos exames, ingressou, em 1955, como aluno na Escola Preparatória de Cadetes de Porto Alegre. Três anos depois, estava matriculado na Academia Militar das Agulhas Negras (AMAN).
Já como cadete, Lamarca — clandestinamente e fora dos limites da AMAN — participou de grupos de estudo do marxismo-leninismo, tornando-se um simpatizante do Partido Comunista Brasileiro (PCB).
Declarado, em dezembro de 1960, aspirante-a-oficial da Arma de Infantaria, foi designado para servir no quartel do 4º Regimento de Infantaria (4ºRI), em Quitaúna/SP.
Como tenente, iniciou estudos sobre guerrilha e, em junho de 1962, vislumbrando a possibilidade de integrar a Força Brasileira, em Suez, conseguiu ser transferido para o 2º Regimento de Infantaria, na Vila Militar/RJ, e participou, durante 13 meses, da Força de Emergência da ONU, no Oriente Médio.
Retornando ao Brasil, foi designado, em outubro de 1963, para a então 6ª Companhia de Polícia do Exército (6ª Cia PE), em Porto Alegre/RS.
A Revolução de 31 de março de 1964 veio encontrar o Tenente Lamarca na 6ª Cia PE, admirando a tentativa de resistência de Brizola e condenando a atitude de Jango, por ele tachada como uma “fuga covarde”.
Nesse ano, já transitando com desenvoltura pelas esquerdas, chegou a pedir o seu ingresso no PCB, somente desistindo quando alguns companheiros afirmaram que esse partido, “reformista e traidor, o entregaria à polícia”.
Na noite de um sábado de dezembro de 1964, quando escalado de oficial-de-dia, Lamarca, deliberadamente, facilitou a fuga do Capitão da Aeronáutica Alfredo Ribeiro Daudt, que estava preso por subversão.
O inquérito, aberto para apurar o seu primeiro ato de traição ao Exército Brasileiro, não chegou a conclusões definitivas.
Entretanto, essa fuga inexplicável tornou o ambiente demasiadamente tenso para ele, na PE. Novamente movimentado, apresentou-se, em dezembro de 1965, no seu antigo quartel do 4º RI, em Quitaúna.
Nesse quartel paulista, reencontrou-se com seu amigo, o Sargento Darcy Rodrigues, com quem, novamente, passou a ter longas conversas sobre a situação brasileira e a realizar um estudo sistemático sobre o marxismo-leninismo.
Em 1968, várias organizações clandestinas, de linha foquista e militarista, sob o pretexto de livrar o Brasil da ditadura militar, ensangüentavam-no, desencadeando as açõs armadas e terroristas preconizadas por Cuba. Uma delas era a Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), criada, em março desse ano, pela fusão do grupo foquista dissidente da Política Operária (POLOP) com os remanescentes do núcleo de São Paulo do Movimento Nacionalista Revolucionário (MNR), de Brizola. Paradoxalmente, uniram-se os “políticos” teóricos com os “militares” práticos.
Depois de estabelecer conversações com a Ação Libertadora Nacional (ALN) e com o Partido Comunista do Brasil (PCdoB), Lamarca decidiu ingressar na VPR, seduzido pela facilidade com que poderia galgar os postos de comando, fazendo valer sua natural ascendência hierárquica sobre os inúmeros sargentos que integravam a organização.
Assim, em junho de 1968, ingressou na base militar da VPR, levado pelos irmãos de um de seus dirigentes, o ex-sargento Onofre Pinto. De imediato, criou uma célula clandestina da VPR no seu quartel, o 4º RI, composta pelo Sargento Darcy Rodrigues, pelo Cabo José Mariano Ferreira e pelo Soldado Carlos Roberto Zanirato.
Muito “convenientemente”, Lamarca era, na época, o instrutor de tiro da Unidade.
Com essa facilidade, cometeu a segunda traição ao Exército, conseguindo desviar 2 mil tiros para municiar os 9 FAL que haviam sido roubados pela VPR, em 22 de junho de 1968, no assalto ao Hospital Geral de São Paulo, no Cambuci.
Em dezembro desse ano, explodiu a crise latente na VPR, provocada pela contradição entre a prática e a teoria, entre os “militaristas”, oriundos do MNR, e os “políticos” ou “leninistas”, oriundos da POLOP. Numa conturbada reunião realizada no litoral paulista, que ficou conhecida como a “praianada”, os “militaristas”, agora fortalecidos pela adesão do Capitão Lamarca, assumiram a direção da VPR.
Nesse ínterim, Lamarca vinha ministrando instrução de tiro a funcionárias do Banco Bradesco, ironicamente, para que elas pudessem enfrentar os assaltos a bancos.
Na sua cabeça, entretanto, fervilhavam as idéias sobre futuras ações armadas, dentre as quais o assalto ao seu próprio quartel, ato que marcaria, publicamente, o seu ingresso na luta armada terrorista e a sua terceira traição ao Exército.
Apesar do comando militar da área já ter tido conhecimento, desde outubro de 1968, da existência de uma célula comunista no 4º RI e, inclusive, da participação do Capitão Lamarca, as medidas então tomadas — fruto do despreparo em combater ações desse tipo — revelaram-se inócuas e não impediram o assalto.
Foi intenso e meticuloso o planejamento da ação, prevista para ser realizada nos dias 25 e 26 de janeiro de 1969, um final de semana, inclusive com a especificação detalhada de quem deveria matar quem. Entretanto, a prisão de quatro militantes da VPR, na quinta-feira, e a descoberta, em Itapecerica da Serra, do caminhão que estava sendo pintado com as cores do Exército, a fim de facilitar o roubo do armamento, determinaram a antecipação do assalto.
Assim, no final da tarde de sexta-feira, 24 de janeiro de 1969, Lamarca entrou no 4º RI com sua própria Kombi e, no paiol, carregou-a com 63 FAL, 3 metralhadoras INA, uma pistola .45 e farta munição.
Dali, dirigiu-se para a casa de Onofre Pinto, a fim de despedir-se de sua esposa, Maria Pavan, e do casal de filhos que, naquela mesma noite, embarcariam para Cuba, via Roma, junto com a família de Darcy Rodrigues.
Com 31 anos, Carlos Lamarca desertava do Exército e ingressava na clandestinidade, com seu nome já aureolado pelo ato audacioso. Com a família em segurança, pôde livremente desfrutar da companhia de sua amante Iara Iavelberg, psicóloga casada com um médico, também militante da VPR, e que, desde sua antiga militância na POLOP, colecionava os codinomes de “Leila’, “Norma”, “Rita”, “Leda”, “Cláudia”, “Célia”, “Márcia” e “Mara”.
Alimentado pelo desejo de logo iniciar as ações violentas, foi planejá-las nos locais secretos da organização, os “aparelhos”. Em pouco tempo, cometeria o seu primeiro assassinato.

2. O 1º ASSASSINATO

Depois de um Congresso realizado em abril de 1969, numa casa em Mongaguá, cidade do litoral paulista, entre Praia Grande e Itanhaém, no qual Lamarca foi eleito um dos cinco membros do Comando Nacional (CN), a VPR reiniciou as ações armadas.
Na tarde de 09 de maio, Lamarca comandou o assalto simultâneo aos bancos Federal Itaú Sul-Americano e Mercantil de São Paulo, na Rua Piratininga, bairro da Moóca, cujo gerente, Norberto Draconetti, foi esfaqueado e o guarda-civil, Orlando Pinto Saraiva, morto com dois tiros, um na nuca e outro na testa, disparados por Lamarca, que se encontrava escondido atrás de uma banca de jornais. No final da ação, disparou uma rajada de metralhadora para o ar, como a marcar, ruidosa e pomposamente, o seu primeiro assalto a banco e o seu primeiro assassinato.
Os primeiros meses de 1969, entretanto, foram marcados pelas prisões de dezenas de militantes da VPR e do Comando de Libertação Nacional (COLINA), organização criada em junho do ano anterior por dissidentes da Política Operária (POLOP) em Minas Gerais e no Rio de Janeiro. Debilitadas, ambas buscaram, na fusão, um modo de rearticularem-se, formando uma única organização, mais poderosa e de âmbito quase nacional. Dessa forma, no início de julho de 1969, surgiu a Vanguarda Armada Revolucionária Palmares (VAR-P), com Lamarca integrando, com mais cinco membros, o seu Comando Nacional (CN).
Nessa época, Lamarca já era um dos comunistas mais procurados. O roubo das armas, a deserção e o primeiro assassinato levaram os órgãos de segurança a efetuarem esforços especiais para a sua captura. O Exército, particularmente, sentindo-se traído, colocara como ponto de honra o fim dos seus atos terroristas. No entanto, ele não era mais um subversivo desconhecido, que necessitava ser identificado. Sua fama e sua origem o qualificavam como extremamente perigoso e sua fotografia atualizada era guardada no bolso de muitos agentes. Sua aparência física e, principalmente, seu rosto cadavérico, tornavam-no um alvo fácil de ser reconhecido. Lamarca sabia disso e resolveu mudar.
Em julho de 1969, dois médicos militantes da Base Médica da VPR, Almir Dutton Ferreira (“Augusto”, “Cesar”, “Ivo”, “João”) e Germana Figueiredo (“Júlia”), incumbiram-se da tarefa.
Almir convocou seu amigo de infância, o dentista Rogério Iório, que, em quatro consultas em seu consultório na Avenida Nelson Cardoso, em Jacarepaguá, trocou todos os dentes superiores de Lamarca.
Quinze dias depois, já em agosto, Almir procurou um outro amigo, o médico Milton Nahon, que conseguiu os serviços do também militante comunista Afrânio Marciliano Freitas Azevedo, cirurgião mineiro do Hospital Gaffrée Guinle, que, com o auxílio do médico cearense Amauri Luzardo Santiago de Almeida e do anestesista Luiz Alves, realizou a operação plástica na Clínica São João de Deus, na Rua Almirante Alexandrino, em Santa Tereza.
Lamarca foi internado com o nome de “Paulo Cesar de Castro” e chegou na clínica estranhamente vestido de mulher, com trejeitos para se passar por cabelereiro e homossexual. Durante as 24 horas da cirurgia, dois militantes da VPR, Sonia Eliane Lafoz e Wellington Moreira Diniz – este escondido no armário, permaneceram no seu quarto, como seguranças armados.
Logo depois, já com o nariz reduzido e sem os marcantes sulcos da testa e da face, Lamarca tirou fotografias para a nova identidade e viajou para São Paulo, numa caravana composta por seguranças e pelo médico da VPR Luiz Roberto Tenório, que a capitaneava num Gordini.
Entretanto, se a cirurgia deu certo e tínhamos um novo Lamarca, o mesmo não ocorria com a fusão que dera origem à VAR-PALMARES. Se, por um lado, os “marxistas” oriundos do COLINA, melhor preparados politicamente, criticavam os “militaristas” da VPR pelo “imediatismo revolucionário”, por outro, os oriundos da VPR sentiam-se moralmente fortalecidos pelo que levavam para a nova organização: 55 milhões de cruzeiros e um grande arsenal de armas, munições e explosivos.
Nem a “Grande Ação” — assalto ao cofre de Anna Benchimol Capriglione, amante de Adhemar de Barros, ex-Governador de São Paulo, e que proporcionou à VAR-P cerca de 2 milhões e 800 mil dólares — conseguiu acalmar os conflitos entre os dirigentes.
Entre agosto e setembro de 1969, uma casa em Teresópolis abrigou 33 militantes que, depois de 20 dias, transformaram aquilo que seria o I Congresso Nacional da VAR-P num festival de bebedeiras, drogas e sexo, recheado por acirradas discussões político-ideológicas que, por pouco, não degringolaram em agressões físicas e tiros.
Ao final, concretizou-se um “racha” na VAR-P, surgindo o “Grupo dos 7” — dentre os quais, Lamarca — que foi reestruturar a VPR.
No início de outubro, no bar do Hotel das Paineiras, na Floresta da Tijuca, representou a VPR num encontro com dirigentes da VAR-P para a partilha dos bens das duas organizações.
Apesar de ser membro do CN, ele delegou aos demais a burocrática tarefa de organizar o Congresso da nova VPR, realizada na Barra da Tijuca, e foi orientar seus militantes que se exercitavam no tiro e em marchas tipo guerrilha, num sítio em Jacupiranga, próximo ao Km 234 da BR-116. Observou, no entanto, que esse local, demasiado próximo de uma rodovia e de regiões urbanas, não oferecia boas condições de segurança.
Assim, já como Comandante-em-Chefe da VPR, Lamarca determinou a desmobilização dessa área e a ativação de uma outra, em Registro, no Vale do Ribeira/SP.

3. A ÁREA DE REGISTRO

No feriado da Proclamação da República, Lamarca e Iara Iavelberg foram apanhados de carro por Joaquim dos Santos, num “ponto” junto ao Forte de Copacabana, na então Guanabara, e levados para São Paulo. No dia seguinte, chegavam na nova área de treinamento, localizada no Sítio Palmital, com 40 alqueires de terra, na região de Barra do Azeite, na altura do Km 254 da BR-116, antiga BR-2, rodovia que liga São Paulo a Curitiba, 30 Km ao Sul do município de Jacupiranga.
O ex-Capitão – agora utilizando o codinome de “Cid” – e mais quatro militantes permaneceram no sítio, realizando exercícios de tiro, marchas e reconhecimento das áreas adjacentes. Observaram que a área também não era a ideal: além de ser pequena, a excessiva proximidade da rodovia e a constante presença de caçadores aumentavam a sua vulnerabilidade, inviabilizando-a como área de treinamento apta a receber mais “guerrilheiros”.
No início de dezembro, a VPR adquiriu um outro sítio, de 80 alqueires, situado um pouco mais ao Norte, distante 4 quilômetros da BR-116. A primeira área foi desmobilizada e seu material transferido para a nova, denominada de Área 2, considerada pronta antes do Natal.
A partir de janeiro de 1970, os militantes foram chegando para o treinamento e, em março, a Área 2 contava com um total de 18 “guerrilheiros”, dentre os quais Lamarca e duas mulheres, uma delas, sua companheira Iara.
Mas as coisas começaram a se complicar.
Em 27 de fevereiro, foi preso Chizuo Ozawa, o “Mário Japa”, que sabia a localização da área. Se falasse, tudo estaria perdido. Preocupado em libertá-lo, Lamarca exigiu, em caráter de urgência, o seqüestro de um diplomata.
Em 11 de março de 1970, foi seqüestrado o Cônsul do Japão, Nobuo Okuchi, posteriormente trocado por cinco presos, dentre os quais “Mário Japa”. A localização da Área 2 permanecia secreta.
Mas as dezenas de prisões de dirigentes e militantes da VPR, ocorridas no início de abril, viriam, novamente, comprometer a segurança da área de treinamento. Os depoimentos dos presos confirmaram que Lamarca havia feito, no ano anterior, uma operação plástica e Maria do Carmo Brito, membro do CN, presa no Rio de Janeiro, apontara a localização da área.
Em meados de abril de 1970, sentindo-se seguro, Lamarca convocou uma reunião ampliada do CN/VPR, numa casa da Rua Estância, em Peruíbe, cidade do litoral sul paulista. Aventurou-se a deixar a área de treinamento – relativamente próxima ao local – e encontrou-se com Ladislas Dowbor, membro do CN e Cmt da Unidade de Combate (UC) de São Paulo, e com Maria do Carmo Brito, membro do CN, além dos dois Cmt/UC da Guanabara, Juarez Guimarães de Brito e José Ronaldo Tavares de Lira e Silva. O Cmt da UC/RS, Felix Silveira Rosa Neto, também previsto para comparecer à reunião, não foi encontrado por Joaquim dos Santos, que o fora buscar de carro em Porto Alegre (ninguém sabia que Félix já havia sido preso em 12 de abril). Ainda na casa, estavam presentes Iara Iavelberg, Maria Barreto Leite Valdez, que iria cumprir missão no Sul, e Tercina Dias de Oliveira, a “Tia”, retirada da área de treinamento no início de março. As informações ainda obscuras sobre as quedas dos militantes da VPR não permitiram que essa reunião do CN decidisse ações de importância.
Entretanto, na noite de 18 de abril de 1970, já alertado sobre as prisões, Lamarca decidiu desmobilizar a área e evacuar os militantes em três grupos. Dois dias depois, quando chegaram as primeiras tropas da “Operação Registro”, 8 militantes já haviam fugido.

4. O ASSASSINATO DO TENENTE MENDES

Na noite do Dia das Mães, 08 de maio, depois de mais de duas semanas ainda cercados na área, Lamarca e mais 6 militantes emboscaram cerca de 20 homens da Polícia Militar de São Paulo, chefiados pelo Tenente Alberto Mendes Júnior – o “Berto”, como era chamado por sua família, que decidiu se entregar como refém, desde que seus subordinados, feridos, pudessem receber auxílio médico.
Na noite seguinte, os 7 guerrilheiros ficaram reduzidos a 5, pois 2 haviam se extraviado na refrega da noite anterior.
Conduzindo o Ten Mendes como refém, prosseguiram na rota de fuga.
Depois de andarem um dia e meio, os 5 guerrilheiros pararam para um descanso, no início da tarde de 10 de maio de 1970.
Lamarca disse que o Ten Mendes os havia traído, causando a morte de dois companheiros (não sabia que eles estavam, apenas, desgarrados) e, por isso, teria que ser executado.
Nesse momento, enquanto Ariston Oliveira Lucena e Gilberto Faria Lima vigiavam o prisioneiro, Carlos Lamarca, Yoshitane Fujimore e Diógenes Sobrosa de Souza afastaram-se e, articulando-se em um “tribunal revolucionário”, condenaram o Ten Mendes à morte.
Poucos minutos depois, Yoshitane Fujimore, acercando-se por trás do Tenente, desferiu-lhe, com a coronha do fuzil, violentos golpes na cabeça. Caído e com a base do crânio partida, o Ten Mendes gemia e contorcia-se em dores. Diógenes Sobrosa de Souza desferiu-lhe outros golpes na cabeça, esfacelando-a.
Lamarca, perante os 4 terroristas, responsabilizou-se pelo assassinato.
Ali mesmo, numa pequena vala e com seus coturnos ao lado da cabeça ensangüentada, o Ten Mendes foi enterrado.
Alguns meses mais tarde, em 08 de setembro de 1970, Ariston Oliveira Lucena, que havia sido preso, apontou o local onde o Tenente Mendes estava enterrado. As fotografias tiradas de seu crânio atestam o horrendo crime cometido. Sua mãe entrou em estado de choque e ficou paralítica por quase três anos.
Ainda nesse mês de setembro, descoberto o crime, a VPR emitiu um comunicado “Ao Povo Brasileiro”, onde tenta justificar o frio assassinato, no qual aparece o seguinte trecho:
“A sentença de morte de um Tribunal Revolucionário deve ser cumprida por fuzilamento. No entanto, nos encontrávamos próximos ao inimigo, dentro de um cerco que pôde ser executado em virtude da existência de muitas estradas na região. O Tenente Mendes foi condenado e morreu a coronhadas de fuzil, e assim o foi, sendo depois enterrado.”
Os dirigentes da VPR não só eram os donos da verdade, como arvoravam-se em senhores da vida e da morte!
Na tarde de 31 de maio de 1970, Lamarca e os 4 militantes seqüestram uma viatura do 2º Regimento de Obuses 105 e conseguem romper o cerco, largando o veículo já na cidade de São Paulo, na marginal do rio Tietê, perto do bairro da Vila Maria, com os militares amarrados à carroceria, sem roupas.
O segundo assassinato cometido por Lamarca e a fuga bem sucedida, ludibriando e humilhando os militares, serviu para aumentar a lenda e o mito.

5. O SEQÜESTRO DO EMBAIXADOR DA SUÍÇA

Lamarca encontrou a VPR em situação caótica, em face das numerosas “quedas” de abril e de maio de 1970. Em 03 de junho, cobriu um ponto com Ariston Oliveira Lucena na Avenida Ipiranga e reassumiu a sua função de Comandante-em-Chefe, rearticulando o Comando Nacional (CN) com Inês Etienne Romeu e com o homossexual ainda não assumido Herbert Eustáquio de Carvalho, o “Daniel”, que com ele estivera na área de Registro. Ao mesmo tempo, foi morar com Iara num “aparelho” do Movimento Revolucionário Tiradentes (MRT).
Em meados de junho, Lamarca, em reunião com Joaquim Câmara Ferreira (“Toledo”), da ALN, e Devanir José de Carvalho (“Henrique”), do MRT, estabeleceu a lista dos 40 prisioneiros que seriam trocados pelo Embaixador alemão, seqüestrado em 11 de junho de 1970.
Reestruturada e com o moral fortalecido pelo sucesso alcançado no seqüestro, a VPR ingressou no 2º semestre de 1970 disposta a incrementar as ações violentas.
Contudo, o seu Comandante-em-Chefe continuava enclausurado em “aparelhos” de outra organização, o diminuto mas violento MRT, por falta de uma conveniente infra-estrutura em São Paulo, até que, no início de outubro, os três membros do CN foram transferidos para o Rio de Janeiro, sendo que o casal Lamarca e Iara foi descansar, durante dois meses, numa casa alugada pelo militante Walter Ribeiro Novaes – nomeado “infra” do Comando – em Rio D’Ouro, pequeno lugarejo situado entre Piabetá e Santo Aleixo, na entrada de Imbariê, estrada Rio-Teresópolis.
Com tranqüilidade, Lamarca pôde, nesses dias, escrever vários documentos teóricos de orientação à VPR e, à revelia da “frente” composta com a ALN, o PCBR, o MR-8 e o MRT, decidiu executar o seqüestro do Embaixador suíço Giovanni Enrico Bucher.
A ação desencadeou-se na manhã de 07 de dezembro de 1970, na Rua Conde de Baependi, uma rua estreita, de mão única, que liga o bairro de Laranjeiras ao Flamengo.
Depois de bloqueado o Buick azul do Embaixador, Lamarca, de cavanhaque, terno e gravata, bateu no vidro da janela onde estava o segurança, o Agente da Polícia Federal Hélio Carvalho de Araújo. Abriu a porta e disparou dois tiros com um revólver “Smith & Wesson” calibre .38, cano longo, a uma distância de um metro: o 1º tiro atingiu o teto do carro e o 2º, as costas do Agente que, por instinto, se virara. Com a medula totalmente seccionada pelo projetil, o Agente viria a falecer três dias depois, no Hospital Miguel Couto.
Consumado o seqüestro e o seu 3º assassinato, Lamarca levou o Embaixador para uma casa da Rua Tacaratu, uma ladeira que começava em Rocha Miranda e terminava em Honório Gurgel.
Nessa casa, durante os 40 dias de cativeiro, junto com quatro outros militantes, Herbert Eustáquio de Carvalho, Gerson Theodoro de Oliveira, Tereza Ângelo e Alfredo Hélio Sirkis, Lamarca viu, por diversas vezes, ameaçada a sua autoridade, na polêmica sobre se matavam ou não o suíço.
Num rompante de democracia, Lamarca determinou que os militantes da VPR enviassem, por escrito, as respectivas posições.
No documento de Adair Gonçalves Reis, datado de 24 de dezembro, aparece:
“Propomos a marcação imediata da data e horário para o justiçamento, com comunicado à ditadura. Prazo mínimo de 48 horas e máximo de 72 horas, tomando as 18 horas da tarde como horário básico.”
Dois dias depois, Zenaide Machado afirma:
“A saída é pagar o preço alto e carregar um defunto que irá muito nos incomodar.”
Ubajara Silveira Roriz (“Otávio”, “Nando”, “Paulo”, “Salomão”), militante que já defendera a idéia de sabotar as indústrias siderúrgicas soltando milhares de ratos nas cidades próximas, propugnava:
“… fazer a ditadura levar o cadáver do embaixador atravessado na garganta, nas suas andanças pelo mundo.”
Nas respostas, somente Alfredo Hélio Sirkis e José Roberto Gonçalves de Rezende não viram dividendos políticos na morte do Embaixador. Dentre os 5 militantes confinados no “aparelho” da Tacaratu, inicialmente, Sirkis ficou isolado, numa posição absolutamente minoritária.
Com as respostas e o passar dos dias, Lamarca mudou a sua posição. Mesmo assim, eram cerca de 15 votos contra 3, esmagadora maioria a favor da execução. Lamarca, como comandante-em-chefe da VPR, exerceu o seu poder de veto e a sustou.
Sem o saber, Bucher nunca estivera tão perto da morte como naqueles dias de Natal.
À meia-noite de 13 de janeiro de 1971, 70 presos, escoltados por 3 agentes da Polícia Federal, decolavam do Galeão num Boeing da Varig, com destino a Santiago do Chile.
No dia 15, um dia antes do Embaixador ser libertado, Lamarca abandonou o “aparelho” e foi matar as saudades de Iara, que viera de São Paulo.

6. A SAÍDA DA VPR E O INGRESSO NO MR-8

Se o seqüestro do Embaixador suíço proporcionou, por um lado, a libertação de 70 militantes, por outro, demonstrou ser uma “vitória de Pirro”, abalando a liderança de Lamarca e iniciando o que viria a ser a desestruturação da VPR.
Em 10 de janeiro de 1971, ainda no “aparelho” da Tacaratu, Lamarca redigiu o documento “Os Mesmos Problemas da Propaganda Armada”, no qual, num desabafo, revela as incertezas que lhe corroíam o espírito:
“Estamos nos esvaziando, não conseguimos recuperar o terreno perdido, os companheiros no exterior estão sendo transformados em tábuas de salvação enquanto aqui não conseguimos criar condições para recebê-los, não admitimos fazer trabalho político e ficamos impossibilitados de penetrar no campo, aprofundamos o nosso isolamento político, afundando cada vez mais na marginalidade, ignoramos a história, preocupamo-nos mais com o que o MR-8 vai dizer do que significam as nossas ações, transformamos as nossas discussões em afirmação pessoal (encenações de marxismo), deturpamos tudo para demonstrar que a nossa linha é a correta quando estamos num impasse histórico, esquecemos as discussões, a maioria silencia aguardando não sabemos o que, desgastamo-nos no cri-cri-cra-cra da política burguesa, não criamos nada. A discussão é decisiva.”
Dez dias depois de escrever uma “Carta Aberta a Toda a ORG”, Zenaide Machado escreveu em 25 de janeiro, em parceria com Adair Gonçalves Reis, um documento no qual analisa os fenômenos existentes na esquerda, dentre os quais o voluntarismo, o espontaneísmo, o individualismo, o personalismo e a autoafirmação, concluindo:
“Toda a esquerda sofre na carne a presença destes fenômenos que têm atravancado o seu desenvolvimento. Se não vencermos o desafio que esta realidade nos impõe, se não tivermos a combatividade necessária para fazermos uma profunda autocrítica e revolução interna não passaremos do que somos hoje: um tumor dentro da realidade política brasileira.”
O ponto alto das discussões, entretanto, pelo caricato que se revestiu, foi a polêmica entre Lamarca e o estranho militante de codinome “Otávio”, Ubajara Silveira Roriz, o mesmo dos “ratos” e do cadáver “atravessado na garganta”. Depois de escrever, em 27 de outubro de 1970, um documento sobre a moral revolucionária, Ubajara, em 19 de dezembro, redigiu o “Libelo contra os Apóstolos do Laissez-Faire ou Abaixo o Positivismo Anti-Revolucionário”, usando termos nunca sonhados no hermético discurso marxista-leninista, tais como “pitecantropus erectus”, “primatas”, “português do bar da esquina”, etc.
Foi, no entanto, a crítica aos que estavam no Comando que provocou a irritação em seus companheiros, agravada por dois novos documentos datados de 02 e 05 de janeiro, respectivamente, uma “Carta Aberta ao Comando Nacional” e um “Balanço da Situação”, nos quais reputa o seqüestro do embaixador suíço como uma derrota política e disserta sobre a “volúpia do poder” e a “completa ausência de companheirismo revolucionário” que havia, no seu entender, na VPR.
Até aquele momento, o ex-Capitão não havia recebido nenhum desses documentos, pois os comandantes das Unidades de Combate (UC) e das bases estavam considerando que era melhor preservar o comandante-em-chefe da leitura das diatribes de Ubajara. O último documento, entretanto, foi recebido por Lamarca em 14 de janeiro e, dois dias depois, enviava uma “Resposta Sintética ao Companheiro Otávio”, afirmando que seu balanço havia sido superficial e incompleto, caindo num “desvio ideológico”. Ao final, uma advertência: “Nós devemos é ser mais sérios em nossas análises.”
Em 23 de janeiro, Ubajara responde com o documento que mexeu com toda a organização, o “Quem é Carlos Lamarca ?”, no qual levanta dúvidas sobre a lealdade revolucionária do “ex-capitão do Exército” e afirma estranhar o mito que se havia criado em torno do seu nome.
Quase uma dezena de documentos sobre a polêmica Lamarca x “Otávio” circularam entre os militantes da VPR nesses dois primeiros meses de 1971, demonstrando a fragilidade do Comando, tendo em vista, particularmente, que tudo acabou em nada.
O mês de março de 1971 ficou marcado pelas ásperas discussões travadas entre Lamarca e Inês Etienne Romeu, que redundaram no desligamento desses dois membros do triunvirato que compunha o Comando Nacional da VPR.
Em 22 de março de 1971, Lamarca, através do documento “Ao Comando da VPR”, apresentou o seu “pedido de desligamento em caráter irrevogável”, fundamentado por:
“1) divergir da linha política da VPR, conforme coloquei em diversos documentos internos;
2) ter constatado os desvios ideológicos da VPR e a deformação que acarreta em muitos dos seus quadros;
3) não ter conseguido levar a luta interna que iniciei há um ano com a devida serenidade;
4) não conseguir romper com o culto ao sectarismo existente na VPR;
5) discordar do método de direção (apesar de ser Cmt-em-Chefe); a Org impede a liberação de potencial, não forma quadros, aliena militantes, deforma dirigentes, elimina a criatividade, impede a prática leninista — tudo como já coloquei em documentos internos.”
Em 27 de março, logo depois de escrever o documento “Congresso: Salvação Política e Não de Honra”, Lamarca, conduzido por Alex Polari de Alverga num Volks bege, foi passado para o MR-8 num “ponto” na Rua Vilela Tavares, no Méier, onde o aguardavam Carlos Alberto Vieira Muniz e Stuart Edgard Angel Jones, num Volks vermelho. Ao mesmo tempo, Iara era trazida a esse ponto por Alfredo Hélio Sirkis. Nesse final de março, Lamarca e Iara iniciavam a trajetória que os levaria à morte na Bahia.
No dia 11 de abril, um recém-formado Comando Nacional Provisório (CNP) emitiu o documento “Sobre o Problema do Desligamento do Companheiro Cláudio”, no qual o tachava de “personalismo”, “oportunismo” e possuidor de um “idealismo ingênuo” e afirmava que essa atitude havia sido de “fuga à responsabilidade”, “a partir de um profundo emocionalismo”, denotando uma “fraqueza ideológica”. A propósito dos numerosos documentos escritos por Lamarca, o CNP não esqueceu-se de criticá-los, afirmando que eram “somente algumas frases feitas (e ainda por cima mal feitas)” e não passavam de “mero exercício de caligrafia”, referindo-se à sua escrita perfeita, redondinha, estranhamente feminina.
Ao final, o CNP concluía que não aceitava o seu desligamento enquanto que não ficassem claras as divergências e que ele não poderia “assumir militância em outra organização até a decisão final da questão”.
Mero exercício de retórica. Lamarca já estava no MR-8.

07. A MORTE NO SERTÃO DA BAHIA

À primeira vista, parecia que o MR-8 se fortalecia com a vinda do “Cid” ou “Cláudio”, aumentando o seu prestígio junto às esquerdas. Na realidade, a organização recebia, mais do que um militante, um verdadeiro “elefante branco” e a responsabilidade de mantê-lo na absoluta clandestinidade. Para Lamarca, o ingresso no MR-8 representou, nada menos, que o início do seu fim.
Carlos Lamarca e Iara Iavelberg passaram os meses de abril, maio e junho de 1971 escondidos de “aparelho” em “aparelho”, dentre os quais o de Renato Perrault de Laforet (“Zé”), em Botafogo, e o de José Gomes Teixeira (“P1”).
A prisão deste último, em 11 de junho, que veio a se somar a uma série de prisões de militantes e dirigentes do MR-8, precipitou a decisão de levar o casal para o sertão da Bahia, junto ao trabalho de campo na região do Médio São Francisco. Para o transporte, conseguiu-se um Volks e uma Kombi, cujos proprietários e também motoristas eram, respectivamente, Rui Berford Dias (“Aguiar”) e Waldir Fiock da Silva (“Dirceu”, “Pantera”, “Gota Serena”, “Roberto”).
No início da noite de 25 de junho, os quatro encontraram-se, junto ao BOB’S da Avenida Brasil, com José Carlos de Souza, que viera especialmente para buscá-los. No Volks, seguiram Lamarca, Iara e José Carlos. Um pouco mais à frente, para verificar as barreiras policiais, a Kombi com Waldir e Rui.
No dia seguinte, ao chegarem em Vitória da Conquista, Rui retornou com seu Volks e os outros quatro seguiram com a Kombi até Jequié. Depois de pernoitarem, o casal se separou: Iara e Waldir foram de ônibus para Salvador, enquanto Lamarca e José Carlos dirigiram-se para Itaberaba e Ibotirama. Ao chegarem na ponte da BR-242 sobre o Rio Paramirim, encontraram-se, no fim da tarde de 27, com José Campos Barreto, o “Zequinha”. Depois de dormirem numa pensão no início da estrada que demanda a Brotas de Macaúbas, chegaram nessa cidade na tarde de 28 e, no dia seguinte, Lamarca e Zequinha foram a Buriti Cristalino, enquanto José Carlos seguia com a Kombi para Salvador, a fim de encontrar-se com Iara e Waldir. Sem o saber, Lamarca, acobertando-se como o “geólogo Cirilo”, chegara em sua penúltima morada.
Na tarde de 06 de agosto, encontraram-se, no centro de Salvador, César de Queiroz Benjamin (“Menininho”) e José Carlos de Souza. Como assunto principal, estabeleceram que Iara seguiria para Feira de Santana, onde havia melhores condições de segurança, e ele, José Carlos, incorporar-se-ia ao trabalho de campo, em Brotas. Há algum tempo na vigilância, policiais deram voz de prisão aos dois militantes. O “Menininho” atracou-se com os agentes, chegou a atirar e conseguiu fugir (pela 2ª vez) ao cerco, dirigindo-se para a então Guanabara. Menos feliz, José Carlos foi preso e começou a denunciar diversos companheiros.
A partir de 17 de agosto, Iara Iavelberg, agora com os novos codinomes de “Gil”, “Liana” e “Leila”, passou a residir no apartamento 201, do Edifício Santa Terezinha, na Rua Minas Gerais, 125, na Pituba, com Jaileno Sampaio da Silva e sua companheira Nilda Carvalho Cunha, além da irmã desta, Lúcia Bernardeth Cunha.
No dia 20 de agosto de 1971, através das declarações de José Carlos, a polícia cercou o Edifício Santa Terezinha e exigiu a rendição dos ocupantes do apartamento 201. Após terem sido presos Lúcia, Jaileno e Nilda, Iara Iavelberg foi encontrada no apartamento vizinho, o 202, onde se escondera no início do cerco. Não vendo possibilidades de fuga e assolada por bombas de gás lacrimogênio, a amante de Lamarca suicidou-se com um tiro no coração.
No dia seguinte, um sábado, às 19:00 horas, logo depois de passar um telegrama do Rio de Janeiro para Iara (sem saber que ela já estava morta), o “Menininho”, num Volks com Ney Roitman, Alberto Jak Schprejer (“Souza”, “Beto”) e sua amante Teresa Cristina de Moura Peixoto (“Tetê”), é detido por uma “Operação Pára-Pedro”, na Avenida Vieira Souto, na altura do Jardim de Alá. Ao serem solicitados os documentos, o “Menininho” saiu rapidamente do carro, fugindo correndo entre os transeuntes. Pela 3ª vez, conseguia escapar de um cerco policial. No veículo, ficaram o diário de Lamarca e cartas para Iara, escritas de 29 de junho a 16 de agosto, que forneceram, aos órgãos de segurança, a certeza de onde deveriam procurar e concentrar esforços a fim de capturá-lo.
Enquanto isso, as declarações de José Carlos de Souza ajudavam a colocar mais dirigentes do MR-8 na cadeia. Em 27 de agosto, foi a vez de Diogo Assunção de Santana e Milton Mendes Filho.
No dia seguinte, a polícia chegou em Buriti Cristalino, dando voz de prisão aos ocupantes da casa dos irmãos Campos Barreto, que reagiram com intenso tiroteio. Ao final, Olderico foi preso, ferido no rosto e na mão direita, enquanto Otoniel foi morto, quando tentava a fuga. Dentro da casa, o cadáver de Luiz Antônio Santa Bárbara, que se matara com um tiro na cabeça. Era o 3º suicídio de militantes do MR-8 para não denunciarem Lamarca que, acampado a poucos quilômetros do lugarejo de Buriti Cristalino, ouvira os tiros e fugira, internando-se com Zequinha mata a dentro.
Sem saber do acontecido e sentindo-se “queimado” no Rio de Janeiro, César de Queiroz Benjamin retornou a Salvador, sendo preso em 30 de agosto, num “ponto” delatado por Jaileno, no Rio Vermelho. Após longa série de assaltos e ter escapado de três choques com a polícia, o “terrível Menininho”, com apenas 17 anos, mostrou-se extremamente dócil nos interrogatórios. Suas extensas declarações, todas de próprio punho, desvendaram a linha política e as ações do MR-8. Muitos militantes foram, então, identificados. Chegou, inclusive, a fazer uma análise dos métodos de interrogatório aplicados, declarando-se surpreso com o bom tratamento recebido e com o nível de seus interlocutores.
Com essa nova e importante fonte, os órgãos de segurança, que já haviam retirado boa parte de seus efetivos da região de Brotas de Macaúbas, retornaram ao local, iniciando-se nova caçada a Lamarca e a Zequinha.
No meio da tarde de 17 de setembro de 1971, uma equipe de agentes, integrantes da Operação Pajussara, localizou os dois militantes, que descansavam à sombra de uma árvore, perto do arruado de Pintada, município de Oliveira dos Brejinhos. À voz de prisão, tentaram sacar de suas armas. Uma série de tiros pôs fim ao ex-Capitão comunista – que deixara um rastro de sangue atrás de si – e a José Campos Barreto.


08. TRAIDOR DO EXÉRCITO BRASILEIRO

Essa é a verdadeira história de Carlos Lamarca, a qual poucos conhecem, pois sempre foi contada por só um dos lados.
Mais de 28 anos após sua morte, os tempos mudaram.
Os militantes comunistas que ensangüentaram o País em nome de uma revolução — hoje, por eles mesmos vista como equivocada –, não mais matam, seqüestram ou roubam e nem mais descansam nas enxêrgas dos “aparelhos” ou da selva. Beneficiados pela anistia, seus crimes foram esquecidos. Seus atos ensandecidos foram transformados em heróicos e seus passados são avaliados pelas maiores ou menores “perseguições políticas” que, supostamente, teriam sofrido.
Em contrapartida, aqueles que lutaram contra a luta armada, ao lado da Lei e a Ordem, são tachados de torturadores, de opressores e de reacionários. Listados nos livros vermelhos elaborados por esquerdistas, são marcados durante toda a vida, ao arrepio da Justiça, pelos intolerantes derrotados.
Enquanto uns ganham homenagens, monumentos, nomes em logradouros públicos e filmes patrocinados pelo dinheiro público, outros são acusados, perseguidos, destituídos de suas funções e convocados a pseudas “comissões de inquérito”.
Para os primeiros, os derrotados na luta armada, a anistia de 1979 não serviu para sepultar as idéias exacerbadas e conduzir a Nação para o caminho do entendimento mas, apenas, para conceder-lhes a liberdade de atacar seus antigos inimigos e de praticar o revanchismo.
Para os segundos, a vitória na luta armada foi o estopim da derrota política e amargam um compulsivo silêncio, patrulhados pela mídia ideológica.
Assim é com Carlos Lamarca.
Há mais de 16 anos, em 25 de agosto de 1983, um desses ex-terroristas, Liszt Benjamim Vieira, então Deputado Estadual pelo PT do Rio de Janeiro, pronunciou um discurso na Assembléia Legislativa, no qual fez a seguinte assertiva sobre o ex-Capitão:
“Senhor Presidente, Senhores Deputados, hoje, 25 de agosto, Dia do Soldado, queremos homenagear um herói brasileiro. (…) Cursou a Escola Militar, onde foi o primeiro aluno. Seguiu brilhante carreira militar.”
Por ser “herói”, sua viúva, desde 1984, recebe pensão do Exército. Por ser “herói”, sua família também recebeu, por decisão da Comissão dos Desaparecidos, em 11 de Setembro de 1996, a quantia de R$ 100 mil de indenização.

Na realidade, em torno de Lamarca construíram-se muitas lendas.
À lenda de que foi primeiro aluno da AMAN, opõe-se a realidade de que saiu Aspirante-a-Oficial classificado em 46º lugar numa turma de 57 cadetes.
À lenda de que era brilhante atirador, opõe-se a realidade de que nunca conseguiu, com revólver calibre .38, média maior do que 78 no tiro de precisão e, apenas, usava a sua condição de “atirador” para roubar munição e entregá-la para as organizações comunistas.
À lenda de que era um exemplar marido e chefe de família, opõe-se a realidade de que foi obrigado a se casar, ainda como cadete, por ter engravidado sua própria irmã de criação, Maria Pavan, e que a enviou para Cuba com um casal de filhos — o menino viria a ser tenente do exército cubano — não por temer por sua segurança, mas para desfrutar do convívio com sua já amante, Iara Iavelberg.
À lenda de que era um Oficial com brilhante carreira militar, opõe-se a realidade de que desertou do Exército Brasileiro. Ao divergir, não pediu sua saída conforme os princípios de ética e de moral que lhe foram ensinados na caserna. Usando a própria farda, roubou e traiu seu sagrado juramento de Oficial do Exército, demonstrando não possuir a lealdade que caracteriza o soldado.
À lenda de que era um herói, “libertador da Pátria”, opõe-se a realidade de suas ações terroristas: assaltos a bancos, seqüestros de embaixadores, assassinatos, incentivador de guerrilhas urbana e rural, roubo de armamento e aliciador de outros militares para a causa comunista.
Insuspeitas são as opiniões de Ariston Oliveira Lucena sobre Lamarca – que com ele participou do assassinato do Tenente Mendes em Registro, publicadas em entrevista no “Jornal do Brasil” de 22 de setembro de 1988: “… era teoricamente despreparado e politicamente sem experiência … tinha frieza e intuição … era autoritário e não gostava de ser contrariado …”
Também insuspeitas são as declarações de José Araújo da Nóbrega, ex-sargento do Exército e militante da VPR, que, em maio de 1970, escreveu de próprio punho:
“O Cap Lamarca não possui um QI satisfatório, à altura de ser um líder revolucionário.

É um elemento de caráter volúvel, não tem posição definida, suas decisões são tomadas seguindo suas tendências emocionais.

Suas qualidades militares são limitadas, tem limites de aproveitamento prático do conhecimento técnico que possui.

É pouco engenhoso. O valor político que possui para ser um líder de esquerda lhe foi dado pela imprensa (interessada ou não).

As suas façanhas são limitadas e são raras, todavia é elemento audacioso.”

Na realidade, apesar da audácia, da lenda e do mito, Lamarca foi um desertor e um traidor do Exército Brasileiro.

E é assim que deverá passar à História.

FONTE – TRAIDOR

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