A memória do que vivemos não vem a nós formatada em sequencias de cinema. Ainda assim, alguns dizem se lembrar de um acontecimento como se ele passasse como um filme em sua cabeça. Deve haver aí um exagero, porque os registros individuais do passado costumam nos atingir sob a forma de flashes, sensações difusas, fragmentos de situações, frases soltas – ou seja, um repertório fragmentado de imagens e informações, entre as quais as dores e o sofrimento tendem a se esmaecer, ou ganhar a moldura compensatória das racionalizações. Isto é, por mais coerente e organizado que possa parecer, um conjunto de recordações e um roteiro de filme histórico constituem duas coisas absolutamente diversas.
Ao assistirmos um filme como “Cara ou Coroa”, por exemplo, é possível experimentar uma enganosa sensação de que aquela narrativa tivesse baixado por inteiro, como um download, na mente do roteirista. O cineasta paulista Ugo Giorgetti tinha 29 anos quando atravessou a época abordada no longa. O ano era precisamente 1971, quando o grupo teatral americano The Living Theatre foi preso em Ouro Preto pela ditadura militar. Este é o fato histórico que serve de baliza cronológica para a o filme e, em torno do qual, se elabora um quadro social e dramático capaz de representar aquele período.
Construídos com matéria prima historicamente verdadeira, uma série de personagens dará corpo à trama: um grupo teatral financiado pelo PCB prepara uma peça politicamente engajada. O diretor do espetáculo (Emílio de Mello) e seu irmão (Geraldo Rodrigues) são convencidos pelo dirigente do partido a conseguir um esconderijo para dois companheiros que agiam na clandestinidade. Namorada de um deles, uma estudante (Julia Ianina) resolve escondê-los no porão da casa onde vive com o avô, um general da reserva (Walmor Chagas). Como anteparo cômico e afetivo dessa quase talvez desgraça, há um chofer de praça (Otávio Augusto), tio dos rapazes, e a sua abnegada esposa (Thaia Perez).
Nenhum dos que aparecem no filme teve seu rosto estampado nos cartazes pelos quais o regime divulgava os seus “procurados” e nem foi trocado por embaixadores sequestrados. Eles apenas davam uma força para quem “pegara em armas” e assistiam apavorados à escalada da tortura e da violência por parte da repressão. E por isso, representam a maioria dos jovens que, assim como eu e o diretor e roteirista do filme, testemunhamos o que se passou. É impossível esquecer tudo aquilo. E, mais ainda, que todos se lembrem do mesmo modo.
CARA OU COROA TRAILER OFICIAL
Fonte – Pipoca Moderna