A falência da esperança e a total ausência de perspectivas davam o tom de nossos sentimentos, diante do Golpe Militar, que imaginávamos pudesse durar mais de duas décadas. E não estávamos equivocados, como a história encarregou-se de demonstrar. Muitos já estavam presos no Quartel do Exército em São Jorge e a angústia nos fazia indagar sobre a próxima vítima? O clima era de velório e a escuridão agora caía pesada sobre todos nós e sobre o Brasil, que um dia esperávamos ver livre e desenvolvido.
Como não poderia deixar de ser, alguém trouxe à baila a situação do governador Plínio Coelho, que deveria ser cassado a qualquer momento. “Ele bem que merece e nada o livrará da punição, ainda que venha fazendo tudo para escapar do cutelo. Tornou-se subserviente aos interesses dos militares, ao promover inclusive a reforma de seu secretariado, cumprindo determinação dos golpistas”, disse Alterício. “Plínio me decepcionou quando por puro ressentimento começou a implicar com Almino Affonso, ícone maior de nossa geração, que elegemos e reelegemos deputado federal, tribuno brilhante e insuperável. Como se não bastasse, pra mim, a gota d’água deu-se com a invasão da polícia do governador ao quarto do velho Jocelyn Brasil no Líder Hotel”, concluiu AA.
O cearense Jocelyn, brigadeiro da reserva da Força Aérea Brasileira e aplaudido escritor de esquerda, estivera meses antes em Manaus a convite da União dos Estudantes do Amazonas – UEA, a fim de proferir conferência em seminário promovido pela entidade dos universitários. Ao ter seu apartamento arrombado por policiais armados, do qual foram roubados livros e outros documentos, denunciou o fato ao ministro da Justiça Abelardo Jurema, que cobrou explicações em telegrama enviado ao governador. Plínio mandou a Brasília a seguinte resposta: “Acusando o telegrama de Vossência a respeito da denúncia partida de um Jocelyn Brasil qualquer informo que, tudo ignorando, consultei a Polícia que esclareceu só ter tido ciência da presença em Manaus do dito indivíduo por certa a gitação comunista na União dos Estudantes e por haver aumentado o número de roubos, inclusive de galinhas, na cidade. Felizmente com a saída do dito indivíduo a população voltou à tranquilidade normal. Atenciosas saudações. a) Plínio Ramos Coelho, Governador do Estado do Amazonas (sic)”.
Um escárnio, uma enorme falta de respeito aos estudantes amazonenses, uma agressão intolerável. Não apenas contra o famoso jornalista e escritor, mas sobremodo contra a liberdade de reunião e expressão, lembrou alguém, com referências ao memorável discurso de Almino Affonso pronunciado no mesmo seminário da UEA. Quem não recordaria da bela imagem criada pelo amazonense de Humaitá sobre a liberdade, com a eloquência poética que Deus lhe deu. Usou o modelo do pássaro preso durante longo tempo, que, mesmo depois de solto, teria bastante dificuldade de alçar novo voo, uma vez que havia perdido a capacidade de voar para a qual fora treinado desde o nascimento. Era preciso caminhar, e caminhar muito, dizia o então ministro do Trabalho, pois as vicissitudes que no caminho ce rtamente seriam encontradas faziam parte do longo e muitas vezes penoso processo de adestramento.
Alterício, ainda sonolento, saiu de casa e comprou a edição do dia de O Jornal. Aproveitou o horário e foi almoçar no Restaurante Guanabara, altos do Pavilhão Ajuricaba, ao lado da Igreja Matriz. Numa de suas mesas, ao abrir o jornal deu com a informação oficial sobre a cassação de Plínio, feita pelo general Bizarria Mamede, por delegação do presidente Castelo Branco. Logo, dividiu a notícia com Wilson, exemplo de figura humana, proprietário do estabelecimento e antiplinista visceral. Com ‘Cerveja Amazonense’, azeda como o próprio momento se revelara para o governador, brindaram a queda do líder trabalhista, que agora só teria o caminho negro do ostracismo.
O ato finalmente estava consumado e sem nenhuma surpresa para AA. Nunca acreditou na disposição confessada de Plínio de resistir à bala em defesa do mandato, estampada antes em manchete de primeira página do O Jornal, em letras garrafais e no estilo da época. Nada, não deu em nada. Plínio transferiu o governo a Anfremom Monteiro, presidente da Assembleia, e saiu de mansinho do Palácio Rio Negro. Na assistência, quase ninguém, apenas alguns auxiliares próximos do ex-governador e o seu pai, Francisco Coelho, presidente licenciado da Câmara de Vereadores de Manaus. Bem feito: aqui se faz, aqui se paga, pensou Alterício, com um sorriso maroto. Quem diria?
Fonte – D24am