“É nula a sentença em que não se aprecie um dos fundamentos da defesa e não se decide um dos pedidos formulados pelo autor.” (2º TACiv SP – 7ª C – Ap. c/ Ver. 256.104-1, rel. Guerrieri Rezende, v.u. – j.07.03.1989)
“Embargos declaratórios não se prestam a modificar capítulo decisório, salvo quando a modificação figure consequência inarredável da sanção de vício de omissão, obscuridade ou contradição do ato embargado.” (STF – 1ª T., AI 495.880-AgRg-EDcl, rel. Min. Cezar Peluso, j. 28.03.06, rejeitaram os embs., v.u., DJU 28.04.06, p. 21)
CARLOS ALBERTO BRILHANTE USTRA, nos autos da Ação Apelação, em que são apelados CÉSAR AUGUSTO TELLES e outros, vem, com fundamento no art. 535, do Código de Processo Civil, oferecer EMBARGOS DE DECLARAÇÃO, COM EFEITOS MODIFICATIVOS, contra o v. acórdão de fls., pelas razões de fato e de direito a seguir expostas:
I – EMBARGOS DE DECLARAÇÃO – OMISSÃO NO V. ACÓRDÃO.
O v. acórdão, ao negar provimento ao recurso do embargante, ratificou os fundamentos da r. sentença.
Ocorre que o embargante, em petição protocolada em 25/05/2012, esclareceu que a lei que instituiu a Comissão Nacional da Verdade (Le nº 12.528/2011) preencheu a pretensão dos apelados, de modo que a r. sentença não aplicou o princípio norteador das leis mencionadas: A PACIFICAÇÃO, colhendo-se da r. petição:
“Apesar de rotular a ação como “meramente declaratória de ocorrência de danos morais”, os apelados requereram, ao final, o seguinte:
“A) A presente ação seja julgada totalmente procedente, reconhecendo-se a existência de relação jurídica entre os AUTORES e o RÉU para o fim de declara que o RÉU, por agir com dolo e cometer ato ilícito passível de reparação, causou danos morais e danos à integridade física dos AUTORES Janaina de Almeida Telles; Edson Luis de Almeida Telles; César Augusto Telles e Maria Amélia de Almeida Telles…”
Como se vê, além de pretensão ao acertamento de relação jurídica, pleiteiam os apelados obter sentença constitutiva de direito, visando reconhecer que o apelante agiu com dolo, cometeu ato ilícito passível de reparação e causou danos morais e danos à integridade física.
Como já está exposto, os apelados pretendem aviventar chamas de um período negro da história, recordando a figura de Zeus, que tem os seus discípulos no mundo moderno, autorizando a lembrança do castigo imposto a Sísifo.
Sísifo foi condenado pelos deuses a realizar um trabalho por toda a eternidade: empurrar sem descanso uma enorme pedra até o alto de uma montanha de onde ela rolaria encosta abaixo até o sopé e empurrasse novamente o rochedo até o alto, e assim indefinidamente, numa repetição monótona e interminável através dos tempos. Uma pena perpétua.
Como constou da apelação, pretendem os apelados, de forma oblíqua, obter sentença civil com efeitos de condenação criminal pelos supostos crimes de tortura que hoje estão cobertos pela anistia, que pretendem rever.
No julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 153-DF, o Colendo Supremo Tribunal Federal, através de seu Tribunal Pleno, julgou improcedente a arguição, colhendo-se da ementa o seguinte:
“… A chamada Lei de anistia diz com uma conexão sui generis, própria ao momento histórico da transição para a democracia. Ignora, no contexto da Lei nº 6.683/79, o sentido ou os sentidos correntes, na doutrina, da chamada conexão criminal; refere o que “se procurou”, segundo a inicial, vale dizer, estender a anistia criminal de natureza política aos agentes do Estado encarregados da repressão.
4. A lei estendeu a conexão aos crimes praticados pelos agentes do Estado contra os que lutavam contra o Estado de exceção; daí o caráter bilateral da anistia, ampla e geral, que somente não foi irrestrita porque não abrangia os já condenados – e com sentença transitada em julgado, qual o Supremo assentou – pela prática de crimes de terrorismo, assalto, seqüestro e atentado pessoal.
…
A nova ordem compreende não apenas o texto da
Constituição nova, mas também a norma-origem. No bojo dessa totalidade –
totalidade que o novo sistema normativo é – tem-se que “(é) concedida,
igualmente, anistia aos autores de crimes políticos ou conexos” praticados
no período compreendido entre 02 de setembro de
1961 e 15 de agosto de 1979. Não se pode divisar antinomia de qualquer
grandeza entre o preceito veiculado pelo § 1º do artigo 4º da EC 26/85 e a
Constituição de 1988.”
Em síntese, decidiu-se que a Lei de Anistia está
integrada na nova ordem constitucional e estendeu a conexão aos crimes
praticados pelos agentes do Estado, de modo que os fatos deduzidos na ação
declaratória foram objeto de anistia ampla e geral, afastando, também, a
responsabilidade civil, ou seja, se não há crime, não há como declarar que o
apelante praticou algum crime naquele período, como pretendem os apelados.
O apelante respondeu ação civil pública perante a 8ª
Vara Cível da Seção Judiciária de São Paulo (Proc. nº
0011414-28.2008.403.6100) ajuizada pelo Ministério Público Federal em que,
além de outros pedidos, pleiteava a declaração da existência de
responsabilidade pessoal do ora apelante perante a sociedade brasileira pela
perpetração das violações aos direitos humanos, especialmente prisão ilegal,
tortura, homicídio e desaparecimento forçado de cidadãos, sob seu comando,
no extinto DOI/CODI do II Exército, bem como a existência de relação
jurídica entre o ora apelante e os familiares das vítimas.
A r. sentença julgou improcedente a ação,
colhendo-se:
“A apuração desses fatos cabe aos órgãos de imprensa,
ao Poder Legislativo, aos historiadores, às vítimas da ditadura e aos seus
familiares etc. O acesso à informação deve ser o mais amplo possível. Mas a
sede adequada para essa investigação não é o processo judicial, que não pode
ser transformado em uma espécie de inquérito civil interminável, em que não
se visa obter a declaração jurídica, mas sim à apuração de fatos políticos e
de responsabilidades histórica e social de agentes do Estado.”
(disponibilizada no DJF em
06.10.2010) (grifou-se)
Apesar da r. sentença mencionada ter sido proferida
antes da promulgação da Lei nº 12.528, de 18 de novembro de
2011 (que criou a Comissão Nacional da Verdade), aquele MM. Juízo já aplicou
o espírito dessa lei, ao entender que “O processo judicial não é a sede
adequada para a apuração da verdade histórica, a promoção da reconciliação
nacional e a atribuição de responsabilidades políticas.”
Estabelece a Lei nº 12.528/2011:
“Art. 1º. É criada, no âmbito da Casa Civil da
Presidência da República, a Comissão Nacional da Verdade, com a finalidade
de examinar e esclarecer as graves violações de direitos humanos praticadas
no período fixado no art. 8º do Ato das Disposições Constitucionais
Transitórias, a fim de efetivar o direito à memória e à verdade histórica e
promover a reconciliação nacional.
…
Art. 4º…
…
§4º As atividades da Comissão Nacional da Verdade não
terão caráter jurisdicional ou persecutório.”
Como se vê, a recente lei que instituiu a Comissão
Nacional da Verdade (Lei nº 12.528/2011) preenche a pretensão dos apelados,
pois é seu objetivo:
“Art. 3º. São objetivos da Comissão Nacional de
Verdade:
I – esclarecer os fatos e as circunstâncias dos casos
de graves violações de direitos humanos mencionados no caput do art. 1º;”
Ao justificar o projeto de lei ao Congresso Nacional,
a Casa Civil esclareceu:
“A criação da Comissão Nacional da Verdade assegurará
o resgate da memória e da verdade sobre as graves violações de direitos
humanos ocorridas no período anteriormente mencionado, contribuindo para o
preenchimento das lacunas existentes na história de nosso país em relação a
esse período e, ao mesmo tempo, para o fortalecimento dos valores
democráticos.”
A legislação se interpenetra e permite que princípios
constitucionais fundamentais, tais como os de razoabilidade e
proporcionalidade, tenham aplicação imediata.
Estamos frente à hipótese em que o princípio
constitucional da razoabilidade, de aplicação imediata, e a analogia
permitem a lembrança dos princípios da especialidade, subsidiariedade,
alternatividade e absorção (consunção):
“quando o fato previsto por uma lei está previsto em
outra de maior amplitude, aplica-se somente esta última (Lex consumens
derogat legi consumptae).” (Guilherme de Souza Nucci, in “Código Penal
Comentado”, 10ª ed., RT, p. 118)
Diante do exposto, vem reiterar os termos de sua
apelação, extinguindo-se o processo sem resolução do mérito, nos termos do
art. 267, VI, do CPC, em razão da falta de interesse de agir dos apelados e
violação de competência da Comissão Nacional da Verdade, cuja finalidade é
“art. 3º, I – esclarecer os fatos e as circunstâncias dos casos de graves
violações de direitos humanos…” e apurar e promover a reconciliação
nacional.”
Porém, a matéria não foi apreciada por
ocasião do julgamento da apelação.
Ao justificar o projeto de lei ao
Congresso Nacional (criação da Comissão Nacional da Verdade), a Casa Civil
esclareceu:
“A criação da Comissão Nacional da Verdade assegurará
o resgate da memória e da verdade sobre as graves violações de direitos
humanos ocorridas no período anteriormente mencionado, contribuindo para o
preenchimento das lacunas existentes na história de nosso país em relação a
esse período e, ao mesmo tempo, para o fortalecimento dos valores
democráticos.”
O ora embargante respondeu ação civil
pública perante a 8ª Vara Cível da Seção Judiciária de São Paulo (Proc. nº
0011414-28.2008.403.6100) ajuizada pelo Ministério Público Federal em que
este, além de outros pedidos, pleiteava a declaração da existência de
responsabilidade pessoal perante a sociedade brasileira pela perpetração das
violações aos direitos humanos, especialmente prisão ilegal, tortura,
homicídio e desaparecimento forçado de cidadãos, sob seu comando, no extinto
DOI/CODI do II Exército, bem como a existência de relação jurídica entre o
requerente e os familiares das vítimas.
A r. sentença julgou improcedente a ação,
colhendo-se:
“A apuração desses fatos cabe aos órgãos de imprensa,
ao Poder Legislativo, aos historiadores, às vítimas da ditadura e aos seus
familiares etc. O acesso à informação deve ser o mais amplo possível. Mas a
sede adequada para essa investigação não é o processo judicial, que não pode
ser transformado em uma espécie de inquérito civil interminável, em que não
se visa obter a declaração jurídica, mas sim à apuração de fatos políticos e
de responsabilidades histórica e social de agentes do Estado.”
(disponibilizada no DJF em
06.10.2010) (g. n.)
A r. sentença mencionada foi proferida
antes da promulgação da Lei nº 12.528, de 18 de novembro de
2011 (que criou a Comissão Nacional da Verdade) e aquele MM. Juízo já
aplicou o espírito dessa lei, ao entender que “O processo judicial não é a
sede adequada para a apuração da verdade histórica, a promoção da
reconciliação nacional e a atribuição de responsabilidades políticas.”
Estabelece a Lei nº 12.528/2011:
“Art. 1º. É criada, no âmbito da Casa Civil da
Presidência da República, a Comissão Nacional da Verdade, com a finalidade
de examinar e esclarecer as graves violações de direitos humanos praticadas
no período fixado no art. 8º do Ato das Disposições Constitucionais
Transitórias, a fim de efetivar o direito à memória e à verdade histórica e
promover a reconciliação nacional.
…
Art. 4º…
…
§4º As atividades da Comissão Nacional da Verdade não
terão caráter jurisdicional ou persecutório.”
A omissão acarreta modificação da parte
decisória do v. acórdão, na medida em que a instituição da Comissão Nacional
da Verdade (Lei nº 12.528/2011) preenche a pretensão dos apelados, situação
que justifica o oferecimento dos presentes embargos, com efeitos
modificativos, na medida em que houve violação de competência da Comissão
Nacional da Verdade, cuja finalidade é “art. 3º, I – esclarecer os fatos e
as circunstâncias dos casos de graves violações de direitos humanos…” e
apurar e promover a reconciliação nacional.
II – EMBARGOS DE DECLARAÇÃO – OBSCURIDADE DO V. ACÓRDÃO.
Diz o v. acórdão:
“Desnecessário, portanto, qualquer acréscimo aos
sólidos fundamentos deduzidos pelo magistrado de primeiro grau, que ora
ficam ratificados.”
Diz a r. sentença:
“3. Em síntese: a) tortura, mesmo em período de
exceção constitucional e de atentados contra a segurança do Estado, era
inadmissível, à luz do direito internacional, vinculante para o país (itens
2.1 e 2.2); b) na época dos fatos, o ordenamento jurídico nacional, pela Lei
nº 4.898/65, previa responsabilidade pessoal, não afastada pelo artigo 107
da Constituição Federal então em vigor, de quem exercia cargo, emprego ou
função pública, inclusive de natureza militar, por atos que implicassem
atentado à incolumidade física do indivíduo e a submissão de pessoa sob sua
guarda u custódia a vexame ou a constrangimento não autorizado em lei (item
1.1.; item 2.2., três últimos parágrafos”;… d) tortura, que é ato ilícito
absoluto, faz nascer, entre seu autor e a vítima, uma relação jurídica de
responsabilidade civil pela incidência da Carta das Nações Unidas de 1945,
do artigo 5º da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948…”
Apesar das alusões feitas na r.
sentença e ratificadas pelo v. acórdão, referentes à existência de prática
de tortura e abuso de poder, a demanda foi acolhida única e exclusivamente
por culpa, na modalidade de omissão, nos seguintes
termos:
“Do que disseram as testemunhas, extrai-se que o
local era realmente uma “casa de horrores”, razão pela qual o réu não
poderia ignorar o que ali se passava. Ainda que as testemunhas não tenham
visto todos esses três autores serem torturados especificamente pelo réu,
este não tinha como ignorar os atos ilícitos absolutos que ali se
praticavam, pois o comando do DOI-CODI e a direção da OBAN estavam a seu
cargo. Não é crível que os presos ouvissem os gritos dos torturados, mas não
o réu. Se não o dolo, por condescendência criminosa, ficou caracterizada
pelo menos a culpa, por omissão.”
Como a r. sentença fez diversas
digressões doutrinárias e jurisprudenciais a respeito do conceito de tortura
e de abuso de autoridade que ao final não serviram de fundamento como razão
de decidir para acolhimento da demanda, criou-se séria obscuridade na
interpretação da decisão, surgindo a noção, principalmente à imprensa, de
que o embargante foi condenado por ter praticado tortura e abuso de
autoridade, a justificar os presentes embargos para que seja esclarecida a
r. sentença e afastada qualquer dúvida a respeito.
E efetivamente não poderia ser
reconhecido que o embargante teria praticado crime de tortura ou abuso de
autoridade.
No campo do direito penal, o crime de
tortura somente foi introduzido com a Constituição Federal de 1988, no seu
art. 5º, XLIII, e foi regulamentado pela Lei nº 9.455, de 07 de abril de
1997, que entrou em vigor na data de sua publicação.
Como os fatos narrados na inicial
ocorreram entre 1972 e 1973, não poderia ser reconhecido crime de tortura
dada a inexistência de lei anterior que definia a conduta como criminosa, a
teor do art. 1º do Código Penal e art. 5º, XXXIX, da Constituição Federal.
E mesmo os tratados internacionais de
proteção dos direitos humanos somente foram incorporados pelo direito
brasileiro em 1989, como observa Flávia Piovesan, em “Tratados
Internacionais de proteção dos direitos humanos: jurisprudência do
STF”:
“No que se refere à posição do Brasil em relação ao
sistema internacional de proteção dos direitos humanos, observa-se que
somente a partir do processo de democratização do país, deflagrado em 1985,
é que o Estado brasileiro passou a ratificar relevantes tratados
internacionais de direitos humanos.
O marco inicial do processo de incorporação de
tratados internacionais de direitos humanos pelo Direito brasileiro foi a
ratificação, em 1989, da Convenção contra a Tortura e Outros Tratamentos
Cruéis, Desumanos ou Degradantes. A partir dessa ratificação, inúmeros
outros importantes instrumentos internacionais de proteção dos direitos
humanos foram também incorporados pelo Direito Brasileiro, sob a égide da
Constituição Federal de 1988.”
Como os fatos ocorreram nos anos de
1972 e 1973, não poderia mesmo ser reconhecido o crime de tortura que não
estava incorporado à legislação brasileira, nem sequer através de tratados
internacionais.
Na época, vigia a Lei federal nº 4.898,
de 09/12/1965, que definiu os crimes de abuso de autoridade, somente
apenados a título de dolo.
Nesse sentido, o ensinamento de Guilherme
de Souza Nucci, em “Leis penais e processuais penais comentadas”, 3ª edição,
RT, p. 49:
“Elemento subjetivo: é o dolo. Exige-se o elemento
subjetivo específico tácito, consistente na vontade de abusar do poder que o
agente detém em nome do Estado. Não existe a forma culposa.”
O v. acórdão ratificou a r.
sentença, acolhendo a demanda para reconhecer conduta culposa do embargante,
motivo pelo qual não há que se falar em prática de ato de abuso de
autoridade.
Diante do exposto, são oferecidos os
presentes embargos para que sejam sanadas a omissão e obscuridade contidas
no v. acórdão.
São Paulo, 03 de setembro de
2012.
PAULO ESTEVES SÉRGIO TOLEDO
SALO KIBRIT
OAB.15.193-SP OAB.12.316-SP
OAB.69.747-SP
2. DJF – 3ª Região
Disponibilização: quinta-feira, 13 de setembro de 2012.
Arquivo: 87Publicação: 10
SEÇÃO JUDICIÁRIA DO ESTADO DE SÃO PAULO PUBLICAÇÕES JUDICIAIS I – CAPITAL SP
SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE SAO PAULO 10ª VARA CRIMINAL REPRESENTACAO CRIMINAL
0004204-32.2012.403.6181 – JUSTICA PUBLICA X CARLOS ALBERTO BRILHANTE USTRA
X DIRCEU GRAVINA(SP015193 – PAULO ALVES ESTEVES E SP012316 – SERGIO LUIZ
VILELLA DE TOLEDO E SP069747 – SALO KIBRIT E SP123639 – RITA DE CASSIA K F
DE A RIBEIRO E SP142420 – PATRICIA CRUZ GARCIA NUNES) Em que pese o teor das
razões do recurso em sentido estrito apresentadas pelo Ministério Público
Federal (fls.
727/745), mantenho a sentença rejeitando a denúncia por seus próprios
fundamentos, acrescidos, ainda, dos argumentos de convicção que ora passo a
expor.O pressuposto lógico para o recebimento de denúncia por crime de
seqüestro é que a vítima esteja viva. Há, todavia, lei que a declarou morta.
Embora lei em sentido formal tal dispositivo possui efeitos concretos e
substituiu a necessidade de sentença judicial com o mesmo teor. Destarte,
não há que se falar em negativa de vigência do artigo 7º do Código Civil.
Não é o Ministério Público Federal que diz para quais efeitos a lei irá se
prestar, mas o legislador, e ele foi claro ao determinar que a vítima foi
reconhecida como morta para todos os efeitos legais, sejam eles civis ou
penais. Não há que se falar, portanto, também, em negativa de vigência do
artigo 158 do Código de Processo Penal.Ora, se para todos os efeitos legais
a vítima é considerada morta, eventual denúncia por seqüestro deveria vir
acompanhada de indícios mínimos de comprovação da tese, o que não foi feito.
Em outras palavras, caberia ao Ministério Público Federal, uma vez que a Lei
atestou que a vítima está morta, provar o contrário. O Ministério Público
Federal parece só admitir, para a comprovação da morte, sentença judicial
nos termos do disposto no Código Civil.
Ocorre que tal sentença não existe e nunca existirá por falta de interesse
dos legitimados. De fato, o Ministério Público Federal deixou patente que
(fls. 734) não tem interesse em tal sentença, assim como também os
familiares, pois a Lei nº 9.140, de 4 de dezembro de
1995 lhes supre esta ausência. Não há, assim, a mais remota possibilidade de
obtenção desta sentença. Segue que o Ministério Público Federal, que teria
legitimidade para propor ação cível para declaração de morte da vítima,
instrumento que entende imprescindível para tal finalidade, não o faz. Ao
mesmo tempo, por não existir tal sentença, ofereceu denúncia pelo delito de
seqüestro, pois não há provas de que a vítima está morta. É paradoxal.O
Ministério Público Federal afirma que não existe meio mais idôneo para se
esgotar as buscas e averiguações, como exige o Código Civil, que a ação
penal pública (fls. 734). Afirma, ainda, que enquanto não houver certeza da
morte, mediante identificação dos restos mortais ou por outro meio
suficientemente capaz de determinar com precisão as circunstâncias destes
eventos, descabe presumir que a vítima está morta.A ação penal pública,
entretanto, não tem por objetivo realizar tais buscas e averiguações como
sugere o Ministério Público Federal. Para isto existe o inquérito. A ação
deve ser proposta apenas quando ultrapassada esta fase, e não como meio para
a colheita de provas que já deveriam ter sido produzidas. E mais, a ação que
declara a morte presumida é a cível e não a penal. Ingenuidade seria
acreditar ser a ação penal instrumento hábil para desvendar fatos ocorridos
há mais de quarenta anos que, não obstante todos os esforços até hoje
empreendidos, não foram esclarecidos. Observe-se, ademais, que os réus
podem, se assim o desejarem, permanecer em silêncio ao passo que as
testemunhas arroladas evidentemente nada sabem sobre o paradeiro da vítima,
pois do contrário já o teriam dito. Assim, é evidente que esta ação penal
nada esclarecerá acerca do paradeiro da vítima. Tais observações foram
feitas apenas ad argumentandum, pois, repise-se, há lei declarando que a
vítima está morta!Diz o Ministério Público Federal que não se pode abortar a
persecução penal lançando-se mão desta odiosa presunção de morte. Na verdade
odioso é, não obstante todas as evidências dizerem que a vítima está morta,
não obstante haver lei com tal teor, fechar os olhos para a realidade e com
fundamento em uma tese que não se sustenta, tentar reabrir, via transversa,
assunto já decidido pelo Supremo Tribunal Federal. Odioso é achar que os
fins justificam os meios e tentar por meio de subterfúgios, sem enfrentar a
questão de maneira direta, desconsiderar decisão proferida pela Corte
Constitucional em processo concentrado de controle de constitucionalidade.
Continua o Ministério Público Federal argumentado que querer que se prove
que o desaparecido ALUIZIO está vivo como condição para processar os seus
seqüestradores e algozes é mais uma afirmação de ingenuidade cruel do MM.
Juiz para com as vítimas e familiares de mortos e desaparecidos
políticos.Não se trata de uma cruzada do bem contra o mal. Este juízo
abomina, tanto ou mais do que os membros do Ministério Público Federal, os
agentes do regime de exceção que tantos sofrimentos impuseram às suas
vítimas. Não é isto que está em discussão. O argumento do Parquet não
convence e não se aplica ao caso. A questão que se coloca é se há ou não
fundamentos para o recebimento de denúncia que afirma que a vítima,
desaparecida há mais de 40 anos, permanece em poder dos denunciados e
supostos seqüestradores. Apenas isto.Este juízo não afirmou, ao contrário do
que foi alegado pelo Ministério Público Federal, que a vítima morreu em
1995, apenas considerou esta uma das hipóteses, a menos provável, após a
edição da Lei nº 9.140/95. Repise-se, quem afirmou a morte da vítima não foi
este juízo, mas a Lei. Ademais, os crimes imprescritíveis a que se refere o
inciso XLIV do artigo 5º da Constituição, são os cometidos contra a ordem
constitucional e não os para sua manutenção.Não é o juiz obrigado, ao
rejeitar a denúncia por determinado crime, recebê-la por outro, quando este
não está descrito nos autos e, ainda, é totalmente incompatível com o delito
originariamente denunciado. O crime de ocultação de cadáver pressupõe a
morte do indivíduo, ao passo que o de seqüestro supõe que ele esteja vivo.
Não haveria, assim, a possibilidade de recebimento da denúncia pelo crime de
ocultação de cadáver por falta de descrição da conduta e por ser tal crime
incompatível com o de seqüestro.O Ministério Público Federal afirma que não
está questionando a constitucionalidade da Lei nº 6.683/79 (fls. 740).
Ocorre que, na página seguinte, afirma que a persecução penal é obrigatória
tendo em vista a inoponibilidade da prescrição e da anistia por força da
decisão da Corte Interamericana no caso Gomes Lund.Afirma que a decisão da
Corte Interamericana de Direitos Humanos é posterior à decisão do Supremo na
ADPF nº 153, e que este juízo, ao desprezar a força normativa e impositiva
da decisão da Corte Interamericana de Direitos, deixou de respeitar os seus
efeitos no sistema jurídico brasileiro. Não se trata aqui, aduz o Ministério
Público Federal, de uma escolha possível. O juiz errou gravemente ao
recusar-se a cumprir a decisão de um Tribunal Internacional ao qual
soberanamente o Brasil se vinculou. Não foi um mero erro de fato, mas
verdadeiro error in judicando.Com a devida vênia, a posição do Parquet não
encontra respaldo na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. Error in
judicando haveria se não houvesse respeito à decisão do Supremo Tribunal
Federal. Nesse sentido manifestou-se o Ministro Cezar Peluso , dias após o
julgamento da
CIDH: a punição do Brasil na Corte Interamericana dos Direitos Humanos
(CIDH) não revoga, não anula, não caça a decisão do Supremo em sentido
contrário. O ministro negou a possibilidade de rever a decisão do Supremo e
afirmou que o que pode ocorrer é o país ficar sujeito a sanções previstas na
convenção ratificada pelo Brasil para integrar a Organização dos Estados
Americanos (OEA). Peluso ainda afirmou que caso alguém entre com um processo
contra eventuais responsáveis, a pessoa que se sentir prejudicada vai entrar
com Habeas corpus e o Supremo vai conceder na hora.No mesmo sentido o
entendimento do Ministro Marco Aurélio: o Direito interno, pautado pela
Constituição Federal, deve se sobrepor ao Direito internacional. Nosso
compromisso é observar a convenção, mas sem menosprezo à Carta da República,
que é a Constituição Federal. Ele ainda afirmou que a decisão da CIDH tem
eficácia apenas política e que não tem concretude como título judicial. Na
prática, o efeito será nenhum, é apenas uma sinalização.Além da
jurisprudência do Supremo, firme no entendimento de que é sua a última
palavra em matéria constitucional, observo que a Corte Interamericana
extrapolou os termos do acordo. Se, de fato, é verdade que o Brasil
voluntariamente se vinculou às decisões da referida Corte, não é menos
verdade que o fez para fatos ocorridos após 1998, conforme dispõe o artigo
1º do Decreto nº 4.463/2002: Art.
1º – É reconhecida como obrigatória, de pleno direito e por prazo
indeterminado, a competência da Corte Interamericana de Direitos Humanos em
todos os casos relativos à interpretação ou aplicação da Convenção Americana
de Direitos Humanos (Pacto de São José), de 22 de novembro de 1969, de
acordo com art. 62 da citada Convenção, sob reserva de reciprocidade e para
fatos posteriores a 10 de dezembro de 1998.Como restou claro, os fundamentos
pelos quais a denúncia foi rejeitada foram exclusivamente jurídicos. Os
argumentos políticos, utilizados ao final, o foram tão-somente para
demonstrar que a tese do Ministério Público Federal não encontra respaldo
quer no campo jurídico quer no político.Pelas razões acima manifestadas
mantenho a decisão proferida às fls. 707/724.Nos termos do artigo 583, II,
do Código de Processo Penal, remetam-se os autos ao Egrégio Tribunal
Regional Federal da Terceira Região, para processar e julgar referido
recurso, observadas as cautelas de praxe.Dê-se ciência às partes.
Cumpra-se.