Condenação do Cel Ustra – Embargo de declaração, com efeitos modificativos e outro embargo

1. EXMO. SR. DR. RUI CASCALDI, DD. DESEMBARGADOR RELATOR DA APELAÇÃO Nº 0347718-08.2009.8.26.0000, DO EGRÉGIO TRIBGUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

 

“É nula a sentença em que não se aprecie um dos fundamentos da defesa e não se decide um dos pedidos formulados pelo autor.” (2º TACiv SP – 7ª C – Ap. c/ Ver. 256.104-1, rel. Guerrieri Rezende, v.u. – j.07.03.1989)

 

“Embargos declaratórios não se prestam a modificar capítulo decisório, salvo quando a modificação figure consequência inarredável da sanção de vício de omissão, obscuridade ou contradição do ato embargado.” (STF – 1ª T., AI 495.880-AgRg-EDcl, rel. Min. Cezar Peluso, j. 28.03.06, rejeitaram os embs., v.u., DJU 28.04.06, p. 21)

 

 

 

CARLOS ALBERTO BRILHANTE USTRA, nos autos da Ação Apelação, em que são apelados CÉSAR AUGUSTO TELLES e outros, vem, com fundamento no art. 535, do Código de Processo Civil, oferecer EMBARGOS DE DECLARAÇÃO, COM EFEITOS MODIFICATIVOS, contra o v. acórdão de fls., pelas razões de fato e de direito a seguir expostas:

 

I – EMBARGOS DE DECLARAÇÃO – OMISSÃO NO V. ACÓRDÃO.

 

 

 

O v. acórdão, ao negar provimento ao recurso do embargante, ratificou os fundamentos da r. sentença.

 

 

 

Ocorre que o embargante, em petição protocolada em 25/05/2012, esclareceu que a lei que instituiu a Comissão Nacional da Verdade (Le nº 12.528/2011) preencheu a pretensão dos apelados, de modo que a r. sentença não  aplicou o princípio norteador das leis mencionadas: A PACIFICAÇÃO, colhendo-se da r. petição:

 

 

 

“Apesar de rotular a ação como “meramente declaratória de ocorrência de danos morais”, os apelados requereram, ao final, o seguinte:

 

 

 

“A) A presente ação seja julgada totalmente procedente, reconhecendo-se a existência de relação jurídica entre os AUTORES e o RÉU para o fim de declara que o RÉU, por agir com dolo e cometer ato ilícito passível de reparação,  causou danos morais e danos à integridade física dos AUTORES Janaina de Almeida Telles; Edson Luis de Almeida Telles; César Augusto Telles e Maria Amélia de Almeida Telles…”

 

Como se vê, além de pretensão ao acertamento de relação jurídica, pleiteiam os apelados obter sentença constitutiva de direito, visando reconhecer que o apelante agiu com dolo, cometeu ato ilícito passível de reparação e causou danos morais e danos à integridade física.

 

Como já está exposto, os apelados pretendem aviventar chamas de um período negro da história, recordando a figura de Zeus, que tem os seus discípulos no mundo moderno, autorizando a lembrança do castigo imposto a Sísifo.

 

Sísifo foi condenado pelos deuses a realizar um trabalho por toda a eternidade: empurrar sem descanso uma enorme pedra até o alto de uma montanha de onde ela rolaria encosta abaixo até o sopé e empurrasse novamente o rochedo até o alto, e assim indefinidamente, numa repetição monótona e interminável através dos tempos. Uma pena perpétua.

 

Como constou da apelação, pretendem os apelados, de forma oblíqua, obter sentença civil com efeitos de condenação criminal pelos supostos crimes de tortura que hoje estão cobertos pela anistia, que pretendem rever.

 

No julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 153-DF, o Colendo Supremo Tribunal Federal, através de seu Tribunal Pleno, julgou improcedente a arguição, colhendo-se da ementa o seguinte:

 

“… A chamada Lei de anistia diz com uma conexão sui generis, própria ao momento histórico da transição para a democracia. Ignora, no contexto da Lei nº 6.683/79, o sentido ou os sentidos correntes, na doutrina, da chamada conexão criminal; refere o que “se procurou”, segundo a inicial, vale dizer, estender a anistia criminal de natureza política aos agentes do Estado encarregados da repressão.

 

4. A lei estendeu a conexão aos crimes praticados pelos agentes do Estado contra os que lutavam contra o Estado de exceção; daí o caráter bilateral da anistia, ampla e geral, que somente não foi irrestrita porque não abrangia os já condenados – e com sentença transitada em julgado, qual o Supremo assentou – pela prática de crimes de terrorismo, assalto, seqüestro e atentado pessoal.

 

 

A nova ordem compreende não apenas o texto da

Constituição nova, mas também a norma-origem. No bojo dessa totalidade –

totalidade que o novo sistema normativo é – tem-se que “(é) concedida,

igualmente, anistia aos autores de crimes políticos ou conexos” praticados

no período compreendido entre 02 de setembro de

1961 e 15 de agosto de 1979. Não se pode divisar antinomia de qualquer

grandeza entre o preceito veiculado pelo § 1º do artigo 4º da EC 26/85 e a

Constituição de 1988.”

 

 

 

Em síntese, decidiu-se que a Lei de Anistia está

integrada na nova ordem constitucional e estendeu a conexão aos crimes

praticados pelos agentes do Estado, de modo que os fatos deduzidos na ação

declaratória foram objeto de anistia ampla e geral, afastando, também, a

responsabilidade civil, ou seja, se não há crime, não há como declarar que o

apelante praticou algum crime naquele período, como pretendem os apelados.

 

 

 

O apelante respondeu ação civil pública perante a 8ª

Vara Cível da Seção Judiciária de São Paulo (Proc. nº

0011414-28.2008.403.6100) ajuizada pelo Ministério Público Federal em que,

além de outros pedidos, pleiteava a declaração da existência de

responsabilidade pessoal do ora apelante perante a sociedade brasileira pela

perpetração das violações aos direitos humanos, especialmente prisão ilegal,

tortura, homicídio e desaparecimento forçado de cidadãos, sob seu comando,

no extinto DOI/CODI do II Exército, bem como a existência de relação

jurídica entre o ora apelante e os familiares das vítimas.

 

 

 

A r. sentença julgou improcedente a ação,

colhendo-se:

 

 

 

“A apuração desses fatos cabe aos órgãos de imprensa,

ao Poder Legislativo, aos historiadores, às vítimas da ditadura e aos seus

familiares etc. O acesso à informação deve ser o mais amplo possível. Mas a

sede adequada para essa investigação não é o processo judicial, que não pode

ser transformado em uma espécie de inquérito civil interminável, em que não

se visa obter a declaração jurídica, mas sim à apuração de fatos políticos e

de responsabilidades histórica e social de agentes do Estado.”

(disponibilizada no DJF em

06.10.2010) (grifou-se)

 

 

 

Apesar da r. sentença mencionada ter sido proferida

antes da promulgação da Lei nº 12.528, de 18 de novembro de

2011 (que criou a Comissão Nacional da Verdade), aquele MM. Juízo já aplicou

o espírito dessa lei, ao entender que “O processo judicial não é a sede

adequada para a apuração da verdade histórica, a promoção da reconciliação

nacional e a atribuição de responsabilidades políticas.”

 

 

 

Estabelece a Lei nº 12.528/2011:

 

 

 

“Art. 1º. É criada, no âmbito da Casa Civil da

Presidência da República, a Comissão Nacional da Verdade, com a finalidade

de examinar e esclarecer as graves violações de direitos humanos praticadas

no período fixado no art. 8º do Ato das Disposições Constitucionais

Transitórias, a fim de efetivar o direito à memória e à verdade histórica e

promover a reconciliação nacional.

 

 

Art. 4º…

 

 

§4º As atividades da Comissão Nacional da Verdade não

terão caráter jurisdicional ou persecutório.”

 

 

 

Como se vê, a recente lei que instituiu a Comissão

Nacional da Verdade (Lei nº 12.528/2011) preenche a pretensão dos apelados,

pois é seu objetivo:

 

 

 

“Art. 3º. São objetivos da Comissão Nacional de

Verdade:

 

I – esclarecer os fatos e as circunstâncias dos casos

de graves violações de direitos humanos mencionados no caput do art. 1º;”

 

 

 

Ao justificar o projeto de lei ao Congresso Nacional,

a Casa Civil esclareceu:

 

 

 

“A criação da Comissão Nacional da Verdade assegurará

o resgate da memória e da verdade sobre as graves violações de direitos

humanos ocorridas no período anteriormente mencionado, contribuindo para o

preenchimento das lacunas existentes na história de nosso país em relação a

esse período e, ao mesmo tempo, para o fortalecimento dos valores

democráticos.”

 

 

 

A legislação se interpenetra e permite que princípios

constitucionais fundamentais, tais como os de razoabilidade e

proporcionalidade, tenham aplicação imediata.

 

 

 

Estamos frente à hipótese em que o princípio

constitucional da razoabilidade, de aplicação imediata, e a analogia

permitem a lembrança dos princípios da especialidade, subsidiariedade,

alternatividade e absorção (consunção):

 

 

 

“quando o fato previsto por uma lei está previsto em

outra de maior amplitude, aplica-se somente esta última (Lex consumens

derogat legi consumptae).” (Guilherme de Souza Nucci, in “Código Penal

Comentado”, 10ª ed., RT, p. 118)

 

 

 

Diante do exposto, vem reiterar os termos de sua

apelação, extinguindo-se o processo sem resolução do mérito, nos termos do

art. 267, VI, do CPC, em razão da falta de interesse de agir dos apelados e

violação de competência da Comissão Nacional da Verdade, cuja finalidade é

“art. 3º, I – esclarecer os fatos e as circunstâncias dos casos de graves

violações de direitos humanos…” e apurar e promover a reconciliação

nacional.”

 

 

 

 

 

Porém, a matéria não foi apreciada por

ocasião do julgamento da apelação.

 

 

 

Ao justificar o projeto de lei ao

Congresso Nacional (criação da Comissão Nacional da Verdade), a Casa Civil

esclareceu:

 

 

 

“A criação da Comissão Nacional da Verdade assegurará

o resgate da memória e da verdade sobre as graves violações de direitos

humanos ocorridas no período anteriormente mencionado, contribuindo para o

preenchimento das lacunas existentes na história de nosso país em relação a

esse período e, ao mesmo tempo, para o fortalecimento dos valores

democráticos.”

 

 

 

 

 

 

 

O ora embargante respondeu ação civil

pública perante a 8ª Vara Cível da Seção Judiciária de São Paulo (Proc. nº

0011414-28.2008.403.6100) ajuizada pelo Ministério Público Federal em que

este, além de outros pedidos, pleiteava a declaração da existência de

responsabilidade pessoal perante a sociedade brasileira pela perpetração das

violações aos direitos humanos, especialmente prisão ilegal, tortura,

homicídio e desaparecimento forçado de cidadãos, sob seu comando, no extinto

DOI/CODI do II Exército, bem como a existência de relação jurídica entre o

requerente e os familiares das vítimas.

 

 

 

A r. sentença julgou improcedente a ação,

colhendo-se:

 

 

 

“A apuração desses fatos cabe aos órgãos de imprensa,

ao Poder Legislativo, aos historiadores, às vítimas da ditadura e aos seus

familiares etc. O acesso à informação deve ser o mais amplo possível. Mas a

sede adequada para essa investigação não é o processo judicial, que não pode

ser transformado em uma espécie de inquérito civil interminável, em que não

se visa obter a declaração jurídica, mas sim à apuração de fatos políticos e

de responsabilidades histórica e social de agentes do Estado.”

(disponibilizada no DJF em

06.10.2010) (g. n.)

 

 

 

A r. sentença mencionada foi proferida

antes da promulgação da Lei nº 12.528, de 18 de novembro de

2011 (que criou a Comissão Nacional da Verdade) e aquele MM. Juízo já

aplicou o espírito dessa lei, ao entender que “O processo judicial não é a

sede adequada para a apuração da verdade histórica, a promoção da

reconciliação nacional e a atribuição de responsabilidades políticas.”

 

 

 

Estabelece a Lei nº 12.528/2011:

 

 

 

“Art. 1º. É criada, no âmbito da Casa Civil da

Presidência da República, a Comissão Nacional da Verdade, com a finalidade

de examinar e esclarecer as graves violações de direitos humanos praticadas

no período fixado no art. 8º do Ato das Disposições Constitucionais

Transitórias, a fim de efetivar o direito à memória e à verdade histórica e

promover a reconciliação nacional.

 

 

Art. 4º…

 

 

§4º As atividades da Comissão Nacional da Verdade não

terão caráter jurisdicional ou persecutório.”

 

 

 

A omissão acarreta modificação da parte

decisória do v. acórdão, na medida em que a instituição da Comissão Nacional

da Verdade (Lei nº 12.528/2011) preenche a pretensão dos apelados, situação

que justifica o oferecimento dos presentes embargos, com efeitos

modificativos, na medida em que houve violação de competência da Comissão

Nacional da Verdade, cuja finalidade é “art. 3º, I – esclarecer os fatos e

as circunstâncias dos casos de graves violações de direitos humanos…” e

apurar e promover a reconciliação nacional.

 

 

 

II – EMBARGOS DE DECLARAÇÃO – OBSCURIDADE DO V. ACÓRDÃO.

 

 

 

Diz o v. acórdão:

 

 

 

“Desnecessário, portanto, qualquer acréscimo aos

sólidos fundamentos deduzidos pelo magistrado de primeiro grau, que ora

ficam ratificados.”

 

 

 

Diz a r. sentença:

 

 

 

“3. Em síntese: a) tortura, mesmo em período de

exceção constitucional e de atentados contra a segurança do Estado, era

inadmissível, à luz do direito internacional, vinculante para o país (itens

2.1 e 2.2); b) na época dos fatos, o ordenamento jurídico nacional, pela Lei

nº 4.898/65, previa responsabilidade pessoal, não afastada pelo artigo 107

da Constituição Federal então em vigor, de quem exercia cargo, emprego ou

função pública, inclusive de natureza militar, por atos que implicassem

atentado à incolumidade física do indivíduo e a submissão de pessoa sob sua

guarda u custódia a vexame ou a constrangimento não autorizado em lei (item

1.1.; item 2.2., três últimos parágrafos”;… d) tortura, que é ato ilícito

absoluto, faz nascer, entre seu autor e a vítima, uma relação jurídica de

responsabilidade civil pela incidência da Carta das Nações Unidas de 1945,

do artigo 5º da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948…”

 

 

 

Apesar das alusões feitas na r.

sentença e ratificadas pelo v. acórdão, referentes à existência de prática

de tortura e abuso de poder, a demanda foi acolhida única e exclusivamente

por culpa, na modalidade de omissão, nos seguintes

termos:

 

 

 

“Do que disseram as testemunhas, extrai-se que o

local era realmente uma “casa de horrores”, razão pela qual o réu não

poderia ignorar o que ali se passava. Ainda que as testemunhas não tenham

visto todos esses três autores serem torturados especificamente pelo réu,

este não tinha como ignorar os atos ilícitos absolutos que ali se

praticavam, pois o comando do DOI-CODI e a direção da OBAN estavam a seu

cargo. Não é crível que os presos ouvissem os gritos dos torturados, mas não

o réu. Se não o dolo, por condescendência criminosa, ficou caracterizada

pelo menos a culpa, por omissão.”

 

 

 

Como a r. sentença fez diversas

digressões doutrinárias e jurisprudenciais a respeito do conceito de tortura

e de abuso de autoridade que ao final não serviram de fundamento como razão

de decidir para acolhimento da demanda, criou-se séria obscuridade na

interpretação da decisão, surgindo a noção, principalmente à imprensa, de

que o embargante foi condenado por ter praticado tortura e abuso de

autoridade, a justificar os presentes embargos para que seja esclarecida a

r. sentença e afastada qualquer dúvida a respeito.

 

 

 

E efetivamente não poderia ser

reconhecido que o embargante teria praticado crime de tortura ou abuso de

autoridade.

 

 

 

No campo do direito penal, o crime de

tortura somente foi introduzido com a Constituição Federal de 1988, no seu

art. 5º, XLIII, e foi regulamentado pela Lei nº 9.455, de 07 de abril de

1997, que entrou em vigor na data de sua publicação.

 

 

 

Como os fatos narrados na inicial

ocorreram entre 1972 e 1973, não poderia ser reconhecido crime de tortura

dada a inexistência de lei anterior que definia a conduta como criminosa, a

teor do art. 1º do Código Penal e art. 5º, XXXIX, da Constituição Federal.

 

 

 

E mesmo os tratados internacionais de

proteção dos direitos humanos somente foram incorporados pelo direito

brasileiro em 1989, como observa Flávia Piovesan, em “Tratados

Internacionais de proteção dos direitos humanos: jurisprudência do

STF”:

 

 

 

“No que se refere à posição do Brasil em relação ao

sistema internacional de proteção dos direitos humanos, observa-se que

somente a partir do processo de democratização do país, deflagrado em 1985,

é que o Estado brasileiro passou a ratificar relevantes tratados

internacionais de direitos humanos.

 

O marco inicial do processo de incorporação de

tratados internacionais de direitos humanos pelo Direito brasileiro foi a

ratificação, em 1989, da Convenção contra a Tortura e Outros Tratamentos

Cruéis, Desumanos ou Degradantes. A partir dessa ratificação, inúmeros

outros importantes instrumentos internacionais de proteção dos direitos

humanos foram também incorporados pelo Direito Brasileiro, sob a égide da

Constituição Federal de 1988.”

 

 

 

 

 

Como os fatos ocorreram nos anos de

1972 e 1973, não poderia mesmo ser reconhecido o crime de tortura que não

estava incorporado à legislação brasileira, nem sequer através de tratados

internacionais.

 

 

 

Na época, vigia a Lei federal nº 4.898,

de 09/12/1965, que definiu os crimes de abuso de autoridade, somente

apenados a título de dolo.

 

 

 

Nesse sentido, o ensinamento de Guilherme

de Souza Nucci, em “Leis penais e processuais penais comentadas”, 3ª edição,

RT, p. 49:

 

 

 

“Elemento subjetivo: é o dolo. Exige-se o elemento

subjetivo específico tácito, consistente na vontade de abusar do poder que o

agente detém em nome do Estado. Não existe a forma culposa.”

 

 

 

O v. acórdão ratificou a  r.

sentença, acolhendo a demanda para reconhecer conduta culposa do embargante,

motivo pelo qual não há que se falar em prática de ato de abuso de

autoridade.

 

 

 

Diante do exposto, são oferecidos os

presentes embargos para que sejam sanadas a omissão e obscuridade contidas

no v. acórdão.

 

 

 

São Paulo, 03 de setembro de

2012.

 

 

 

PAULO ESTEVES                             SÉRGIO TOLEDO

SALO KIBRIT

 

OAB.15.193-SP                                 OAB.12.316-SP

OAB.69.747-SP

 

 

2. DJF – 3ª Região

Disponibilização: quinta-feira, 13 de setembro de 2012.

Arquivo: 87Publicação: 10

SEÇÃO JUDICIÁRIA DO ESTADO DE SÃO PAULO PUBLICAÇÕES JUDICIAIS I – CAPITAL SP

SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE SAO PAULO 10ª VARA CRIMINAL REPRESENTACAO CRIMINAL

0004204-32.2012.403.6181 – JUSTICA PUBLICA X CARLOS ALBERTO BRILHANTE USTRA

X DIRCEU GRAVINA(SP015193 – PAULO ALVES ESTEVES E SP012316 – SERGIO LUIZ

VILELLA DE TOLEDO E SP069747 – SALO KIBRIT E SP123639 – RITA DE CASSIA K F

DE A RIBEIRO E SP142420 – PATRICIA CRUZ GARCIA NUNES) Em que pese o teor das

razões do recurso em sentido estrito apresentadas pelo Ministério Público

Federal (fls.

727/745), mantenho a sentença rejeitando a denúncia por seus próprios

fundamentos, acrescidos, ainda, dos argumentos de convicção que ora passo a

expor.O pressuposto lógico para o recebimento de denúncia por crime de

seqüestro é que a vítima esteja viva. Há, todavia, lei que a declarou morta.

Embora lei em sentido formal tal dispositivo possui efeitos concretos e

substituiu a necessidade de sentença judicial com o mesmo teor. Destarte,

não há que se falar em negativa de vigência do artigo 7º do Código Civil.

Não é o Ministério Público Federal que diz para quais efeitos a lei irá se

prestar, mas o legislador, e ele foi claro ao determinar que a vítima foi

reconhecida como morta para todos os efeitos legais, sejam eles civis ou

penais. Não há que se falar, portanto, também, em negativa de vigência do

artigo 158 do Código de Processo Penal.Ora, se para todos os efeitos legais

a vítima é considerada morta, eventual denúncia por seqüestro deveria vir

acompanhada de indícios mínimos de comprovação da tese, o que não foi feito.

Em outras palavras, caberia ao Ministério Público Federal, uma vez que a Lei

atestou que a vítima está morta, provar o contrário. O Ministério Público

Federal parece só admitir, para a comprovação da morte, sentença judicial

nos termos do disposto no Código Civil.

Ocorre que tal sentença não existe e nunca existirá por falta de interesse

dos legitimados. De fato, o Ministério Público Federal deixou patente que

(fls. 734) não tem interesse em tal sentença, assim como também os

familiares, pois a Lei nº 9.140, de 4 de dezembro de

1995 lhes supre esta ausência. Não há, assim, a mais remota possibilidade de

obtenção desta sentença. Segue que o Ministério Público Federal, que teria

legitimidade para propor ação cível para declaração de morte da vítima,

instrumento que entende imprescindível para tal finalidade, não o faz. Ao

mesmo tempo, por não existir tal sentença, ofereceu denúncia pelo delito de

seqüestro, pois não há provas de que a vítima está morta. É paradoxal.O

Ministério Público Federal afirma que não existe meio mais idôneo para se

esgotar as buscas e averiguações, como exige o Código Civil, que a ação

penal pública (fls. 734). Afirma, ainda, que enquanto não houver certeza da

morte, mediante identificação dos restos mortais ou por outro meio

suficientemente capaz de determinar com precisão as circunstâncias destes

eventos, descabe presumir que a vítima está morta.A ação penal pública,

entretanto, não tem por objetivo realizar tais buscas e averiguações como

sugere o Ministério Público Federal. Para isto existe o inquérito. A ação

deve ser proposta apenas quando ultrapassada esta fase, e não como meio para

a colheita de provas que já deveriam ter sido produzidas. E mais, a ação que

declara a morte presumida é a cível e não a penal. Ingenuidade seria

acreditar ser a ação penal instrumento hábil para desvendar fatos ocorridos

há mais de quarenta anos que, não obstante todos os esforços até hoje

empreendidos, não foram esclarecidos. Observe-se, ademais, que os réus

podem, se assim o desejarem, permanecer em silêncio ao passo que as

testemunhas arroladas evidentemente nada sabem sobre o paradeiro da vítima,

pois do contrário já o teriam dito. Assim, é evidente que esta ação penal

nada esclarecerá acerca do paradeiro da vítima. Tais observações foram

feitas apenas ad argumentandum, pois, repise-se, há lei declarando que a

vítima está morta!Diz o Ministério Público Federal que não se pode abortar a

persecução penal lançando-se mão desta odiosa presunção de morte. Na verdade

odioso é, não obstante todas as evidências dizerem que a vítima está morta,

não obstante haver lei com tal teor, fechar os olhos para a realidade e com

fundamento em uma tese que não se sustenta, tentar reabrir, via transversa,

assunto já decidido pelo Supremo Tribunal Federal. Odioso é achar que os

fins justificam os meios e tentar por meio de subterfúgios, sem enfrentar a

questão de maneira direta, desconsiderar decisão proferida pela Corte

Constitucional em processo concentrado de controle de constitucionalidade.

Continua o Ministério Público Federal argumentado que querer que se prove

que o desaparecido ALUIZIO está vivo como condição para processar os seus

seqüestradores e algozes é mais uma afirmação de ingenuidade cruel do MM.

Juiz para com as vítimas e familiares de mortos e desaparecidos

políticos.Não se trata de uma cruzada do bem contra o mal. Este juízo

abomina, tanto ou mais do que os membros do Ministério Público Federal, os

agentes do regime de exceção que tantos sofrimentos impuseram às suas

vítimas. Não é isto que está em discussão. O argumento do Parquet não

convence e não se aplica ao caso. A questão que se coloca é se há ou não

fundamentos para o recebimento de denúncia que afirma que a vítima,

desaparecida há mais de 40 anos, permanece em poder dos denunciados e

supostos seqüestradores. Apenas isto.Este juízo não afirmou, ao contrário do

que foi alegado pelo Ministério Público Federal, que a vítima morreu em

1995, apenas considerou esta uma das hipóteses, a menos provável, após a

edição da Lei nº 9.140/95. Repise-se, quem afirmou a morte da vítima não foi

este juízo, mas a Lei. Ademais, os crimes imprescritíveis a que se refere o

inciso XLIV do artigo 5º da Constituição, são os cometidos contra a ordem

constitucional e não os para sua manutenção.Não é o juiz obrigado, ao

rejeitar a denúncia por determinado crime, recebê-la por outro, quando este

não está descrito nos autos e, ainda, é totalmente incompatível com o delito

originariamente denunciado. O crime de ocultação de cadáver pressupõe a

morte do indivíduo, ao passo que o de seqüestro supõe que ele esteja vivo.

Não haveria, assim, a possibilidade de recebimento da denúncia pelo crime de

ocultação de cadáver por falta de descrição da conduta e por ser tal crime

incompatível com o de seqüestro.O Ministério Público Federal afirma que não

está questionando a constitucionalidade da Lei nº 6.683/79 (fls. 740).

Ocorre que, na página seguinte, afirma que a persecução penal é obrigatória

tendo em vista a inoponibilidade da prescrição e da anistia por força da

decisão da Corte Interamericana no caso Gomes Lund.Afirma que a decisão da

Corte Interamericana de Direitos Humanos é posterior à decisão do Supremo na

ADPF nº 153, e que este juízo, ao desprezar a força normativa e impositiva

da decisão da Corte Interamericana de Direitos, deixou de respeitar os seus

efeitos no sistema jurídico brasileiro. Não se trata aqui, aduz o Ministério

Público Federal, de uma escolha possível. O juiz errou gravemente ao

recusar-se a cumprir a decisão de um Tribunal Internacional ao qual

soberanamente o Brasil se vinculou. Não foi um mero erro de fato, mas

verdadeiro error in judicando.Com a devida vênia, a posição do Parquet não

encontra respaldo na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. Error in

judicando haveria se não houvesse respeito à decisão do Supremo Tribunal

Federal. Nesse sentido manifestou-se o Ministro Cezar Peluso , dias após o

julgamento da

CIDH: a punição do Brasil na Corte Interamericana dos Direitos Humanos

(CIDH) não revoga, não anula, não caça a decisão do Supremo em sentido

contrário. O ministro negou a possibilidade de rever a decisão do Supremo e

afirmou que o que pode ocorrer é o país ficar sujeito a sanções previstas na

convenção ratificada pelo Brasil para integrar a Organização dos Estados

Americanos (OEA). Peluso ainda afirmou que caso alguém entre com um processo

contra eventuais responsáveis, a pessoa que se sentir prejudicada vai entrar

com Habeas corpus e o Supremo vai conceder na hora.No mesmo sentido o

entendimento do Ministro Marco Aurélio: o Direito interno, pautado pela

Constituição Federal, deve se sobrepor ao Direito internacional. Nosso

compromisso é observar a convenção, mas sem menosprezo à Carta da República,

que é a Constituição Federal. Ele ainda afirmou que a decisão da CIDH tem

eficácia apenas política e que não tem concretude como título judicial. Na

prática, o efeito será nenhum, é apenas uma sinalização.Além da

jurisprudência do Supremo, firme no entendimento de que é sua a última

palavra em matéria constitucional, observo que a Corte Interamericana

extrapolou os termos do acordo. Se, de fato, é verdade que o Brasil

voluntariamente se vinculou às decisões da referida Corte, não é menos

verdade que o fez para fatos ocorridos após 1998, conforme dispõe o artigo

1º do Decreto nº 4.463/2002: Art.

1º – É reconhecida como obrigatória, de pleno direito e por prazo

indeterminado, a competência da Corte Interamericana de Direitos Humanos em

todos os casos relativos à interpretação ou aplicação da Convenção Americana

de Direitos Humanos (Pacto de São José), de 22 de novembro de 1969, de

acordo com art. 62 da citada Convenção, sob reserva de reciprocidade e para

fatos posteriores a 10 de dezembro de 1998.Como restou claro, os fundamentos

pelos quais a denúncia foi rejeitada foram exclusivamente jurídicos. Os

argumentos políticos, utilizados ao final, o foram tão-somente para

demonstrar que a tese do Ministério Público Federal não encontra respaldo

quer no campo jurídico quer no político.Pelas razões acima manifestadas

mantenho a decisão proferida às fls. 707/724.Nos termos do artigo 583, II,

do Código de Processo Penal, remetam-se os autos ao Egrégio Tribunal

Regional Federal da Terceira Região, para processar e julgar referido

recurso, observadas as cautelas de praxe.Dê-se ciência às partes.

Cumpra-se.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *