Organização de debate sobre 33 anos da Lei de Anistia considera “desmotivador” mudança do evento da Poli para FFLCH sem motivo explícito
A Lei de Anistia, promulgada em 1979 pelo presidente João Figueiredo, completou 33 anos em agosto deste ano em meio a muitas contestações. O Fórum Aberto pela Democratização da USP organizou no final de agosto um Ato-debate para discutir a lei e como a impunidade dos responsáveis por graves violações dos direitos humanos pode estimular abusos de poder que ocorrem hoje, dentro e fora da USP.O evento integra o calendário da Campanha por uma Comissão da Verdade da USP e contou com a presença de quatro palestrantes: Aton Fon, advogado de processados da USP, Marcio Sotelo Felippe, membro do Comitê Paulista pela Memória, Verdade e Justiça, Angela Almeida, do Observatório de Violências Policiais da Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo, e a historiadora Heloísa Greco.
A promulgação da Lei esteve longe de ser um pacto com a sociedade, um consenso entre o governo da ditadura e aqueles que lutavam contra ele. “A Lei de Anistia foi um pacto forjado com a sociedade brasileira, não existe nada mais falso do que isso”, resumiu Heloísa.
Apesar disso, o movimento pela anistia foi fundamental para que o governo chegasse a considerar a ideia. Aton Fon reforçou o papel do movimento com um exemplo: no ano de 1979, durante um jogo entre Corinthians e Santos, uma faixa com os dizeres “Anistia geral e irrestrita” foi erguida no meio da torcida corintiana. “Isso mostrou o perigo da popularização do movimento de anistia e serviu para acelerar o processo. O governo militar fez a anistia antes que fossem obrigados”.
É perceptível o reflexo da Lei de Anistia na impunidade e nos abusos de poder presenciados atualmente em nossa sociedade. Para Ângela, essa ligação é direta: “Muito mais do que uma resposta aos familiares daquelas pessoas, a Comissão da Verdade é uma resposta à sociedade, pois a impunidade dos torturadores de ontem alimenta os torturadores de hoje”. Ela destacou ainda a influência que a Polícia Militar sofreu por conta da metodologia que imperou durante a ditadura. “A militarização e a ideia de combater o inimigo interno foi passada para a PM. E hoje o inimigo interno são os pobres e os negros”.
Por uma comissão da verdade da USP
A Comissão Nacional da Verdade, que começou a funcionar em maio deste ano, foi instaurada para investigar e punir aqueles que cometeram crimes de tortura e violação dos direitos humanos durante o período da ditadura e ficaram impunes graças à Lei de Anistia.
Marcio Sotelo Felippe criticou, no entanto, a estrutura da organização e defendeu a criação de comissões menores. “O problema não é com os integrantes dela, é com sua própria concepção, que é inadequada para esse trabalho imenso que ela tem que realizar.” Para ele, o jeito de consertar isso é criando uma Comissão da Verdade Municipal, uma Estadual e “no nosso caso específico, a Comissão da Verdade da USP.” Na lista dos 500 mortos e desaparecidos no período da ditadura, 39 são da USP.
Por isso, o Fórum Aberto pela Democratização da USP luta exatamente por essa comissão interna para a universidade, semelhante à que já foi instaurada em outras instituições como a Universidade de Brasília (UnB). O Fórum foi fundado em março deste ano e nasceu com a ideia de reunir diversas entidades para pleitear maior democracia na universidade. Entre as organizações reunidas no Fórum estão a Associação de professores da USP (ADUSP), o Sindicato dos funcionários (Sintusp), a Associação de Pós-Graduandos (APG-USP), o DCE e dezenas de Centros Acadêmicos. Segundo Renan Quinalha, estudante de pós-graduação da USP, diretor da Associação de Pós-Graduandos e membro do Fórum, o objetivo da união foi alcançado. “Até pessoas mais críticas do atual movimento estudantil, o pessoal da engenharia e do direito, por exemplo, começaram a participar mais ativamente dele através do Fórum”.
O Fórum está preparando um abaixo assinado, que vai ser apresentado no dia 9 de outubro, às 14 horas, em um ato em frente à Reitoria. O documento está disponível para assinaturas em todos os Centros Acadêmicos participantes do Fórum, além de também ser possível assinar pelo site http://verdadeusp.org. Já foram coletadas aproximadamente três mil assinaturas.
Mudança de local
O Ato-debate estava marcado para acontecer no auditório da Engenharia Elétrica da Escola Politécnica (Poli), mas faltando três dias para o evento o Fórum foi avisado que a atividade não poderia mais acontecer lá.
O motivo exposto é que ocorreria um evento da própria Poli naquele dia e horário e que este, mesmo aparecendo depois, teria prioridade. No entanto, no dia em que o evento estava programado, o auditório estava fechado. A secretaria da COD Elétrica informou ao JC que seria realizada uma palestra sobre algo relacionado à computação, mas não soube dizer se ela não havia ocorrido porque o palestrante não compareceu ou por falta de público.
Gabriel Pontes, estudante de engenharia mecânica e integrante do DCE, foi quem havia agendado o Ato com a secretaria da Elétrica. “As coisas tiveram que ser mudadas às pressas para a FFLCH. Nada com esse intuito (de debater algo relacionado à ditadura) rola na Poli. Estava tudo certo e pré-agendado. Isso é muito desmotivador”, resumiu.
Fonte – Jornal Campus