No presente texto pretendo fazer considerações profundas sobre o trabalho da Comissão Estadual da Memória e da Verdade de Pernambuco que leva o nome de Dom Helder Câmara. É melhor levantar algumas questões agora no início dos trabalhos da Comissão ao invés de deixar isso só para o final dela.Primeiro porque tratamos de duas questões importantíssimas: a memória do País e o uso de recursos públicos do País.
Ontem (20 de setembro de 2012) o nome mais importante para o esclarecimento de diversos crimes de agentes públicos ou pessoas comuns num aparato repressivo esteve presente para ser ouvido pela Comissão, mas seus membros não tiveram capacidade de conduzir bem a coleta do depoimento, embora é importante frisarmos que todos estavam diante de uma pessoa fria, que calculava bem cada palavra que pronunciava e não se mostrava arrependida de nada do que se envolveu.
O ex-Major da Polícia Militar de Pernambuco José Ferreira dos Anjos disse o que quis e da forma que lhe foi mais conveniente, pois faltou preparo e esforço do conjunto da Comissão em tornar aquele momento um marco no início efetivo do resgate histórico da repressão em Pernambuco.
Antes de passar adiante cabe uma análise da análise do que ocorreu ontem pela imprensa e pelos próprios membros da comissão.
O JC na sua capa de hoje (21 de setembro de 2012) estampou oseguinte manchete: “Ex-Major Ferreira abre o verbo sobre a ditadura na Comissão da Verdade”. Na matéria o jornalista diz que é inédita a inserção do nome do empresário Roberto Souza Leão à lista dos apoiadores da repressão em Pernambuco. Ainda errou o nome da viúva de Candido Melo, que é Joana Melo. Mas teve o diferencial de ouvir alguém ligado à família do citado empresário, que teve pelo menos a oportunidade de dar outra versão dos fatos. Alguns membros da Comissão consideraram o depoimento dele evasivo, como é o caso de Nadja Brayner e Roberto Franca, segundo a matéria citada do JC.
A matéria da Folha de Pernambuco intitulada “Ex-major Ferreira aponta nomes que foram do CCC” foi mais representativa porque trouxe a percepção dos presentes de que o depoimento do ex-Major Ferreira frustrou a todos, inclusive tendo como ponto alto a fala da viúva de Cândido sobre o desconhecimento do militar sobre o atentado a Cândido: “ele tinha a missão de vigiar o meu marido e disse que não soube do atentado. Isso é impossível, como é que ele não soube quem tentou matar meu marido?”.
No Diário de Pernambuco a matéria “As poucas explicações de Ferreira”, além de trazer a visão dos que foram perseguidos quanto ao depoimento de Ferreira, ainda teve o bom senso de trazer o tom “decepcionante” do depoimento.
O JC foi o único dos grandes jornais a dar capa para o depoimento do ex-major. Nem Folha de Pernambuco e nem o Diário de Pernambuco deram tanta atenção a isso no principal espaço de visibilidade.
Mais agora entro com as minhas percepções da sessão de ontem. A começar pela disposição dos membros da comissão e do depoente no local escolhido, diria que posição do depoente de frente para os membros seria a mais adequada, porque é preciso ter o face a face na conversa e não lado a lado. A maioria dos membros da comissão fez as perguntas sentados numa cadeira ao lado e iam se revezando nisso. Mas o principal nome – a relatora do caso de Cândido Pinto Nadja Brayner – o fez distante do depoente e sem possibilidade alguma do face a face.
Como ela militou com Cândido Pinto na época que ele sofreu o atentado e certamente o ex-major Ferreira a “monitorou” naquele período, ou a membro teve medo de se aproximar ou o ódio a ele foi tamanho que não permitiu o “olho no olho”. Ou ainda faltou melhor organização para a sessão.
As perguntas promovidas pelos membros da Comissão até que não foram tão ruins, mas faltou sintonia, concatenação, articulação e mais firmeza na argumentação. Era preciso mesclar questões mais objetivas e diretas com questões mais conceituais. No único momento que ele começou a se abrir para explicar o surgimento do DOI-CODI foi interrompido.
Ele estava disposto a contar como era o ambiente dos aparelhos repressivos e do clima na época, mas além de ser interrompido pela relatora Nadja Brayner, também foi interpelado com mais uma piadinha do membro Pedro Eurico que dizia que na demorada fala sobre Cuba só faltava ele concluir que foi Cuba que possibilitou criar o DOI-CODI. Isso foi um desrespeito com o depoente e também com o público. Ali não era ambiente para isso e nem precisava disso. Não é brincando que se vai arrancar informações preciosas.
Também foram vários momentos mecânicos com o pergunta/resposta sem a promoção de um cenário favorável para que o depoente se sentisse disposto a colaborar. As piadinhas e as ironias de diversos membros assombraram da mesma forma que o “silêncio” do depoente.
O ex-Major não convence que em abril de 1969 estava somente cumprindo ordens do Exército para prender os estudantes que haviam sido presos anteriormente em Ibiúna. O caso de Ibiúna é de outubro de 1968. Esse álibi mascara a realidade daquele momento preciso. Dava para explorar do ex-major que em abril de 1969 foi aberta a temporada de “caças aos comunistas”, tendo ele com um dos nomes fortes para isso. O assunto não era simplesmente prender estudantes, mas ir além.
É muita coincidência que o único que ele não conseguiu prender ali no “bolo” foi o primeiro a levar bala no corpo. Inclusive o que ele procurava “sem localizar” estava na lista do Comando de Caças aos Comunistas (CCC) como o primeiro da “lista” para morrer. O que deixa transparecer que o ex-Major não entrou no caso para simplesmente prender Cândido, e sim promover algo mais.
O que me chamou bem a atenção foi a falta de menção à “Carta aos Professores”, que foi escrita por Cândido Pinto semanas antes de ser baleado.