Comissão da Verdade, não da vingança

Cabe à versão paranaense da Comissão da Verdade investigar a história, abrir os armários, revelar os fatos em toda a sua dimensão, isenta de visões ou preconceitos unilaterais. Seu objetivo não pode ser o de reabrir feridas, muito menos de cobrar retaliações

Ao tempo do regime militar que dominou o país por 21 anos a partir de 1964, o Paraná não foi uma ilha fora do alcance das mãos dos agentes da repressão política. Também aqui houve resistência à ditadura. Jovens estudantes se organizaram, promoveram protestos, pegaram em armas. Professores, religiosos, jornalistas, profissionais liberais e políticos afinados com as esquerdas ou simplesmente defensores das liberdades também tentaram fazer sua parte visando a restaurar a democracia.

Do outro lado, tendo como códigos absolutos e insubstituíveis a autoritária Lei de Segurança Nacional, os atos institucionais e até mesmo “decretos secretos” que enquadravam a todos sob mínimos pretextos como subversivos e criminosos inimigos da pátria, multiplicaram-se os Inquéritos Policiais Militares (IPMs), funcionaram tribunais militares e Delegacias de Ordem Política e Social, a Polícia do Exército, a censura. Porões de tortura não foram raros, ao mesmo tempo em que presídios passaram a abrigar os acusados de subversão. Houve mortes e desaparecimentos.

Grande parte dessa história de caráter nacional que incluiu o Paraná entre os campos de cruenta batalha não é ainda suficientemente conhecida. Por isso, vemos como importante e benfazeja a presença no estado de um apêndice da Comissão Nacional da Verdade, ente criado pelo Congresso e que ganhou sensato apoio da presidente Dilma Rousseff – que na juventude também pagou o preço da tortura e da prisão por sua participação na luta armada contra o regime ditatorial.

Também vítima da repressão, Dilma, ao instalar a Comissão da Verdade em maio deste ano, deu demonstração de grandeza pessoal e, ao mesmo tempo, estabeleceu os civilizados preceitos para nortear seus atos. Disse ela: “A comissão não abriga ressentimento, ódio nem perdão. Ela só é o contrário do esquecimento”, lembrando, ao mesmo tempo, que não revogará a Lei da Anistia (1979), que, sendo “ampla, geral e irrestrita”, perdoou crimes cometidos por agentes do Estado e por ativistas dos movimentos de resistência.

É desse mesmo modo que vemos a instalação da Comissão também no Paraná. Cabe-lhe investigar a história, abrir os armários, revelar a verdade em toda a sua dimensão, isenta de visões ou preconceitos unilaterais. Seu objetivo não pode ser o de reabrir feridas, muito menos de cobrar vinganças. O que deve prevalecer não é o desejo de reescrever a história, mas o objetivo de conhecê-la e, particularmente, o respeito ao direito à verdade que têm aqueles que sofrem até hoje por parentes e amigos desaparecidos e com o paradeiro ignorado.

Nunca, repetimos, questionando os efeitos da Lei da Anistia – instrumento que contribuiu decisivamente para a formação de um pacto tácito da sociedade brasileira que permitiu ao país reencontrar, em clima de paz e harmonia, o caminho da democracia. Não esquecendo, por fim, que, se hoje temos na Presidência uma ex-militante da luta armada, devemos tal fato histórico justamente ao caráter “amplo, geral e irrestrito” da anistia – inegável e exemplar contribuição que o Brasil ofereceu ao mundo e a muitas outras nações que viveram períodos igualmente tão tristes.

 

Fonte – Gazeta do Povo

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