Estratégia 14-18: o legado e a ruína

Diante da perspectiva da reeleição da Presidenta Dilma, a estratégia midiático-oposicionista – que aglutina não somente os interesses mais conservadores da sociedade brasileira, mas também a velha reação política – já está trabalhando 2018, não somente 2014. Eles sabem que hoje não tem nenhum projeto convincente capaz de derrotar Lula e Dilma na próxima eleição, pois o Presidente FHC chamando Malan e Armínio Fraga para comporem o “novo” de Aécio, já declara esta impotência. O artigo é de Tarso Genro.

No final do seu conto-ensaio “Barcelona, la ciudad de Pepe Carvalho”, Vásquez Montalbán encerra o texto com a seguinte sentença de sabor arqueológico, que vai mais além da sua reclamação contra as obras faraônicas preparatórias às Olimpíadas, na histórica cidade mediterrânea: “Porque cada época constrói as suas ruínas.”

Cada época constrói o seu legado arquitetônico, cultural, político, que mais tarde será objeto de uma “arqueologia”, em busca de tentar desvendar no passado as condições do presente. Isso vale para séculos e milênios, como também para análises mais curtas, temporalmente, para propor tanto projeções políticas como expectativas existenciais.

Neste momento da história nacional estamos preparando o legado que vai ser objeto de uma contundente disputa nas eleições de 2018. Seu “centro” será a anatomia da era Lula (ali já a era Lula-Dilma) ou a anatomia do legado do PT nos então quatro governos anteriores. As forças políticas do país já se movem para encravar, nos dias de hoje, os pilares da sua sustentação para o fim da década.

A agenda já é meticulosamente trabalhada, através da mídia oposicionista: a oposição, midiática e partidária, já tem como objetivo central derrotar o PT e para isso é preciso ofuscar a visão popular sobre o que era o Brasil – antes e depois dos governos de centro-esquerda com hegemonia do PT -; alternativamente começa a buscar a “reversão por dentro”, ou seja, no limite, conseguir um governo de centro-direita, com tinturas de centro-esquerda (sem o PT).

Utilizo, neste primeiro momento, a sentença sobre as “ruínas” de Montalbán, no sentido de elementos políticos, que são fixados agora, para serem desvendados nas disputas de opinião, da informação e de conceituação política no futuro. Trata-se da construção do que já será “passado”, em 2018, com o esgotamento do atual ciclo de crescimento e distribuição de renda (baseado corretamente no par “salário- consumo”) para usar este passado como fundamento de uma proposta para os próximos vinte anos.

Talvez, ali, já sejam 50 milhões que saíram da pobreza e que passarão a querer mais, com mais qualidade, mais possibilidades de lazer e formação, mais moradias. Mais felicidade… Em 2018 a estrutura de classes da sociedade brasileira será outra, as demandas sociais terão outra qualidade e o jugo do capital financeiro sobre a economia mundial será ainda mais complexo e agressivo.

Faço este exercício, a partir da convicção que a Presidenta Dilma será reeleita e que a estratégia midiático-oposicionista – que aglutina não somente os interesses mais conservadores da sociedade brasileira, mas também a velha reação política – já está trabalhando 2018, não somente 2014. Eles sabem que hoje não tem nenhum projeto convincente capaz de derrotar Lula e Dilma na próxima eleição, pois o Presidente FHC chamando Malan e Armínio Fraga para comporem o “novo” de Aécio, já declara esta impotência.

O primeiro movimento da agenda neoliberal deste período foi tentar separar Lula de Dilma, dizendo que esta seria “técnica” e moderada, e Lula incompetente e tolerante com a corrupção. O segundo movimento foi a super-exploração da Ação Penal 470, contra Lula e o PT estabelecendo um nexo entre corrupção, estado e partido. Agora, a estratégia desdobra-se no ataque às políticas de desenvolvimento, mesmo depois da virada histórica na política de juros, que era uma demanda universal da sociedade brasileira, menos das agências financeiras privadas.

O resultado não foi bom: caiu o prestígio da mídia tradicional, Dilma tem uma popularidade grandiosa e o PT, mesmo ferido, aumentou seus vereadores, prefeitos e vice-prefeitos, nas eleições municipais. A esquerda, em geral, cresceu, mas esta derrota de curto prazo vai estimular que os esforços conservadores sejam redobrados.

Preocupa apenas um efeito, já constituído por este ambiente de disputa antecipada. Circula uma clara vertente fascista nas redes, com um ódio antipetista e antilula, que num certo momento pode atravessar as barreiras da racionalidade mínima e tornar-se ação violenta. A alta classe média já tentou esta política, cujo primeiro exercício fracassado foi o “cansei”.

Devemos manter a atenção no espectro político real do país. O Brasil tem um “centro” democrático e progressista, espalhado nos diversos partidos, que tem necessidade de compartilhar do poder. Este centro representa segmentos de classes, distribuídos regionalmente, que não podem ser deixados de lado, disponíveis para a cooptação da direita conservadora.

Estes setores centristas devem ser chamados a continuar conosco, no próximo período, a partir de um programa que – fazendo a transição entre 14 e 18 – possa mostrar-se renovado, viável, coerente: com capacidade de seduzir os milhões de brasileiros que saíram da invisibilidade e da irrelevância social para o espaço iluminado da política e da inclusão.

Alguém vai “ganhar” estas pessoas no próximo período, pois elas comporão os novos movimentos sociais e movimentarão, eleitoralmente, o transatlântico que, em 2018, já terá dado a volta completa. Os ataques aos políticos e aos partidos tradicionais que apoiam Lula não podem nos tirar a clareza de que é necessário ter alianças, embora reformatadas política e programaticamente.

O que o PT e a esquerda precisam constituir, agora, é uma clara agenda da esquerda, para ser implementada dentro da ordem constitucional, que integre dois movimentos distintos (em esferas de participação política diferentes) e configure um novo modo de fazer política: uma agenda de reformas institucionais de democratização do Estado, de eficientização das políticas públicas e de reforma política, combinada com uma agenda de promoção de participação cidadã, nas grandes decisões sobre as políticas sociais, trazendo os movimentos sociais para uma “co-gestão” das políticas sociais do Governo.

Quebrar as barreiras burocráticas que separam o cidadão comum das fontes de decisão estatal é uma forma de combinar a representação, derivada das eleições, com a democracia direta de participação voluntária.

Há um segundo bloco de políticas estratégicas de direita, em curso no país: a fraude informativa de que a “higienização” da política é de competência do Poder Judiciário. A desmoralização dos políticos em geral e especialmente dos espaços parlamentares de atuação política, é uma estratégia que tem o apoio ostensivo da chamada extrema-esquerda. Esta, não tendo um projeto viável para o país, dentro do Estado Democrático de Direito, faz a aposta suicida na desmoralização das instituições “burguesas” da democracia, como se tivéssemos alguma coisa nova para colocar no lugar delas, de forma imediata.

Estas construções políticas de hoje que visam aniquilar o espaço da política, sim, podem ser chamadas de “ruínas” no sentido literal. É o que a direita conservadora quer legar para o futuro para montar sua volta ao poder em 2018: desmoralizar a política e as instituições democráticas; desmontar as frestas que as revoluções do século passado legaram para democratizar a vida política; acabar com as políticas de combate à pobreza e reinaugurar a desesperança. Ceticismo e desesperança fazem a estrada que leva ao fascismo e ao autoritarismo. Esta é a “solução final” que hoje a direita brasileira cultiva.

Por Tarso Genro – Governador do Rio Grande do Sul

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