Jornalista que morreu na Argentina indicou à CNV existência de centro clandestino de tortura no Rio

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Jornalista que morreu na Argentina indicou à CNV existência de centro clandestino de tortura no Rio

Ottoni Fernandes atuou na resistência ao regime militar e foi preso e torturado pela equipe do delegado Fleury. Em depoimento à CNV, apontou a existência de uma casa de tortura na zona sul da cidade

O jornalista Ottoni Guimarães Fernandes Júnior, morto no último dia 28 na Argentina, prestou um importante serviço à Comissão Nacional da Verdade e à luta pela busca da memória e justiça. Militante de oposição à ditadura de 64, Fernandes se ofereceu para prestar depoimento à CNV, em outubro passado, onde contou detalhes da sua prisão e tortura, em 1970, pela equipe do delegado Sergio Paranhos Fleury.

Fernandes foi preso por integrar a Aliança Libertadora Nacional (ALN), grupo de resistência armada à ditadura, e levado a um centro de tortura clandestino localizado em São Conrado, bairro da zona sul carioca, junto com outros cinco prisioneiros, todos encapuzados.

A casa de tortura indicada por Ottoni já havia sido mencionada em depoimentos de outros torturados, mas nunca com a precisão que possibilitasse o reconhecimento do local. Ali, esteve preso com Eduardo Leite, o Bacuri. Ele contou que encontrou Eduardo muito machucado, “mas ainda vivo”. Bacuri foi encontrado morto em São Paulo, após mais de 100 dias de prisão e tortura no Rio de janeiro.

Apesar de a tortura ser ilegal, mesmo no regime militar, e, portanto, esses locais são clandestinos, casas como as mencionadas por Ottoni são chamadas de “centros clandestinos” de tortura, pois as sevícias ocorriam em imóveis privados, normalmente cedidos por colaboradores do regime e não em prédios públicos. Esse expediente geralmente acontecia quando a prisão ainda não era oficialmente documentada e comunicada às autoridades judiciais.

“Ottoni revelou nomes de companheiros desaparecidos que encontrou, ainda com vida, em vários presídios e casas de tortura por onde passou. Foi um colaborador valioso da CNV na questão dos mortos e desaparecidos e da estrutura da repressão da Ditadura. A mesma calma com que falou à Comissão deve tê-lo ajudado a enfrentar a violência a que foi submetido em vários lugares do Rio, sem entregar ninguém”, afirma a psicanalista Maria Rita Kehl, membro da CNV, que participou, com Paulo Sérgio Pinheiro e José Carlos Dias, da colheita do depoimento de Fernandes.

Ottoni Fernandes foi torturado diversas vezes e só conseguiu sair com vida da prisão porque entregou pistas de um “ponto” (como eram chamados os locais de reunião dos opositores ao regime miliar) falso, armado por ele próprio com antecedência para despistar os militares em caso de prisão.

Ao final do depoimento, Fernandes disse: “a tortura não termina quando param de te bater, nem quando você sai dos quartéis e delegacias e vai pro presídio. A tortura psicológica dos presos não termina nunca”.

HISTÓRIA E RESISTÊNCIA – Ottoni Fernandes foi um militante de esquerda que atuou na resistência à ditadura militar de 64. O primeiro contato com a militância veio através do movimento estudantil, em SP. Em seguida, entrou para na Aliança Libertadora Nacional (ALN), no Grupo Tático Armado, e em 1968 já vivia na clandestinidade.

Depois da morte do líder da ALN, Carlos Marighella, Fernandes foi viver clandestinamente no Rio de Janeiro. No bolso de Marighella foi encontrado o endereço de um irmão do depoente que não tinha ligação com a resistência, mas que abrigava alguns militantes em sua casa em Curitiba.

Em 1970, Fernandes foi preso pela equipe do delegado Fleury e por militares do Centro de Informações da Marinha (CENIMAR), no bairro da Tijuca. Foi torturado e depois levado ao Distrito Naval onde respondeu a um Inquérito Policial Militar (IPM). Quando o preso descrevia as torturas que havia sofrido, o delegado Fleury ordenava ao escrivão que omitisse as informações, segundo relatou.

Ottoni Fernandes também atuou como jornalista em jornais de circulação nacional como a Gazeta Mercantil, onde chegou a ser diretor-geral. Foi redator-chefe da revista Istoé e editor da Exame. Foi também diretor de Comunicação do Instituto Lula, secretário executivo da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República na gestão de 2007 a 2010 e atualmente ocupava a direção internacional da Empresa Brasil de Comunicação (EBC).

Ele sofreu um infarto fulminante dia 28 de dezembro, quando passava férias com a família na Patagônia Argentina. O corpo de Fernandes foi sepultado em São Paulo no último dia 4 de janeiro. As memórias do jornalista também podem ser lidas no livro “O Baú do Guerrilheiro”, publicado em 2004, pela editora Record.

Assessoria de Comunicação

Comissão Nacional da Verdade

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