Comissão da Verdade deve concluir relatório final ainda neste ano

Lei fixou maio de 2014 como prazo final para entrega do documento. Grupo faz primeira reunião geral de 2013 nesta segunda-feira.

O coordenador da Comissão Nacional da Verdade (CNV), Cláudio Fonteles, no Arquivo Nacional (Foto: Priscilla Mendes / G1)

O coordenador da Comissão Nacional da Verdade (CNV), Cláudio Fonteles, faz nestas segunda (28) e terça (29) as primeiras reuniões de 2013 para “estreitar mais” o trabalho dos conselheiros a fim de que o relatório final da comissão seja concluído ainda neste ano.

Pela legislação, o documento deve ser entregue até maio de 2014. “2013 é o deadline [para concluir as investigações]”, afirmou Fonteles em entrevista ao G1. A expectativa é entregar o relatório dentro do prazo previsto porque ficará para 2014 apenas “um detalhe ou outro”, como editoração e publicação.

“Nossa intenção é estar no final do ano já com tudo pronto. Vamos ter que fazer um relatório específico, circunstanciado, que é uma coisa seriíssima”, disse Fonteles.

A lei que criou a comissão determina que os sete membros têm dois anos para apresentar um “relatório circunstanciado contendo as atividades realizadas, os fatos examinados, as conclusões e recomendações”.

A Comissão da Verdade foi instalada pela presidente Dilma Rousseff em 2012 e tem por objetivo apurar as violações aos direitos humanos cometidos entre 1946 e 1988, período que inclui a ditadura militar.

Desde sua instalação, em 17 de maio do ano passado, a comissão fez 11 audiências públicas em oito estados, participou da criação de oito comissões estaduais da verdade e da instalação de pelo menos 40 comitês da sociedade civil, que servem de ponte entre a população e a CNV.

Fonteles, que está na coordenação do grupo desde setembro – dois meses interinamente em substituição a Gilson Dipp, que está de licença médica -, concedeu entrevista ao G1 no Arquivo Nacional de Brasília, onde o ex-procurador-geral da República passa suas tardes de terças e quintas em busca de documentos que ajudem a elucidar os crimes contra os diretos humanos cometidos pelo Estado especialmente durante a ditadura.

“Essa comissão não é dona da verdade”, destacou ele. A comissão conta com a colaboração da sociedade para escrever uma das partes do relatório, o de recomendações ao Estado. “Recomendações práticas, objetivas, concretas para que o governo e a sociedade civil no dia seguinte já as cumpram e não blá, blá, blá, não abstração, não teorização”, disse Fonteles.

O grupo deve recomendar, por exemplo, que os edifícios que se notabilizaram como locais de tortura sejam transformados em centros de cultura e de preservação da memória.

Fonteles estuda ainda sugerir alterações no currículo aplicado nas escolas militares. Falta formação em diretos humanos?, perguntamos. “Não sei, nisso que a gente vai se debruçar”, disse.

Claudio Fonteles entre as estantes de documentos do Arquivo Nacional (Foto: Priscilla Mendes / G1)


“Ninguém da comissão é contra Exército, Marinha, Aeronáutica e polícia” disse o coordenador ao esclarecer que eventuais sugestões relacionadas à formação dos militares ainda estão em estudo.

“O que aconteceu foi que maus servidores dessas instituições denegriram o nome delas cometendo atos bárbaros de violação do Estado democrático, portanto criando um Estado brutal, assassino, violento”, afirmou Fonteles.

A comissão teve de pedir uma reunião com o ministro da Defesa, Celso Amorim, e os comandantes da Marinha e do Exército para negociar acesso aos acervos desses órgãos, que ainda retêm documentos secretos. “O processo está em andamento”, disse Fonteles.

Embora apenas a Aeronáutica tenha disponibilizado seus documentos secretos da época ditatorial no Brasil, Fonteles afirmou que não sente resistência por parte dos militares. “Da geração atual, não. Eu vejo hoje as Forças Armadas muito mais voltadas para sua verdadeira missão constitucional, que é a de serem profissionais da aviação, da navegação, do exército”, afirmou.

Orçamento
A CNV terá um orçamento de R$ 10 milhões para administrar em 2013, segundo informou a assessoria. Atualmente, 50 funcionários, entre membros, colaboradores, assessores, estagiários e servidores, fazem parte do quadro da comissão, que tem sede no Centro Cultural Banco do Brasil, em Brasília, local que abriga outras secretarias vinculadas à Presidência da República.

“Nada é negado”, afirmou Fonteles sobre a assistência dada pelo governo à comissão. Embora bancado pela Presidência, o grupo, afirmou Fonteles, é independente. “Somos totalmente autônomos. Agora, realmente, do governo, o instrumento que se pede, vem”, declarou.

Dilma
A comissão terá uma reunião com a presidente Dilma Rousseff em data ainda a ser definida, entre o final de fevereiro e o início de março, segundo Fonteles. Em oito meses de atuação, a CNV já foi recebida por dez ministros, entre eles José Eduardo Cardozo (Justiça) e Antonio Patriota (Relações Exteriores).

Questionado se gostaria que a Dilma testemunhasse na condição de presa política, Fonteles afirmou que não se pode “forçar” as pessoas. “Para mim, em primeiro lugar o ser humano, a pessoa humana. Não devo forçar os seres humanos, devo respeitá-los”, respondeu.

Dilma foi presa por quase três anos quando era dirigente da Vanguarda Armada Revolucionária Palmares (VAR-Palmares), uma organização de guerrilha política brasileira.

A presidente já relatou em entrevistas e depoimentos que, durante sua prisão, foi torturada com choques, palmatórias, socos e pau de arara no DOI-Codi do Rio de Janeiro e no Departamento de Ordem Política e Social (Dops).

Juscelino Kubitschek
Cláudio Fonteles disse que deverá entregar a narrativa sobre a morte do ex-presidente Juscelino Kubitschek (1956-1961) e seu motorista, Geraldo Ribeiro, até o final de março.

O coordenador da comissão analisa uma documentação fornecida pela Ordem dos Advogados do Brasil de Minas Gerais (OAB-MG), que aponta que JK “foi morto e vítima do regime de 64″, segundo documento.

De acordo com a versão oficial da polícia na época, o ex-presidente e seu motorista morreram em um acidente de carro na via Dutra, entre São Paulo e o Rio de Janeiro, em 1976.

Os documentos da OAB, porém, indicam que Geraldo Ribeiro teria sido atingido por um projétil das Forças Armadas enquanto dirigia, o que teria feito o motorista perder a direção do veículo e causar o acidente.

Desde setembro de 2012, Fonteles e mais três colaboradores, entre eles dois peritos, analisam o caso. “É um caso que exige prova pericial. Perícia de várias coisas, local, acidente, quem bateu em quem, velocidade, manobra, mecânica de acidente, para saber se é acidente ou se não é acidente”, disse.

Para além dos casos pontuais, Fonteles afirmou que o objetivo da comissão é “criar uma grande rede de permanente proteção da democracia”. “A Comissão Nacional da verdade não é ponto final”, afirmou.

“A comissão em si, por si, não vai a lugar nenhum. Precisamos envolver todos, jornalistas, padeiros, açougueiros, comerciantes, deputados, ministros, empresários, todos, para que não se esqueça, para que nunca mais aconteça”, disse.

 

Fonte -G1

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