Ex-presos discutem com delegado em visita a prédio usado pela ditadura

 

Centro de tortura da ditadura funcionava atrás do 36º Distrito Policial em SP. Para ex-presos, delegacia serviu de fachada para crimes cometidos.

Delegado Márcio de Castro ouve Antonio Carlos Fon (Foto: Roney Domingos/ G1 )

 

Uma visita ao prédio que foi a sede da extinta Operação Bandeirantes e do DOI-Codi (Destacamento de Operações de Informações – Centro de Operações de Defesa Interna) foi marcado por uma discussão, nesta terça-feira (29), entre ex-presos políticos e militantes de movimentos de defesa dos direitos humanos e o delegado de polícia Márcio de Castro, responsável pelo 36º Distrito Policial, da Vila Mariana.

O imóvel da delegacia, na Rua Tutoia, fica à frente dos prédios que serviram à Operação Bandeirantes e ao Doi-Codi que os ex-presos identificaram como centros de tortura durante a ditadura militar. O delegado recebeu o grupo amistosamente em sua sala no início da tarde e  a conversa seguia tranquila, mas os ex-presos não aceitaram a afirmação do delegado de que a delegacia não fazia parte do sistema de tortura.

 

 

Ox ex-presos políticos Darci Miyaki e Antonio Carlos Fon em frente ao prédio do extinto DOI-CODI (Foto: Roney Domingos/ G1)

 

“Aqui era a fachada legal dessa masmorra cruel que tinha aqui atrás”, disse o deputado estadual e presidente da Comissão da verdade Estadual, Adriano Diogo (PT). “Estava intimamente ligada uma coisa com outra. Eram três equipes, militares, delegados e agentes federais do país todo. Era o maior centro de tortura do país”, afirmou.

O delegado rebateu o parlamentar. “Veementemente eu contesto. Sempre foi uma dependência da Polícia Civil que nada tinha a ver com o Dops”, respondeu o delegado.

O deputado rebateu o delegado.”O senhor imagina se no campo de concentração de Auschwitz funcionasse uma dependência policial do regime alemão”, retrucou Diogo. “Se fosse na frente, a mesma coisa”, respondeu o delegado.

“Estou dizendo que o 36º Distrito Policial nunca pertenceu às instalações da Opban e nem do Doi-Codi. Não estou dizendo que a Polícia Civil ou a Polícia Militar não fizeram parte da chamada repressão naqueles tempos. Eu tinha 22 anos e era investigador do Dops. Eu fiz parte, sim, da repressão e eu inclusive estava na Divisão de Ordem Política. Outros investigadores que aqui trabalhavam pertenciam à divisão de informações e Divisão de Ordem Social do Dops. Não estou negando a história jamais. Jamais vou negar isso”, afirmou.

O delegado afirmou que nenhum dos policiais hoje atuantes no 36º Distrito Policial trabalharam naquela época. “Somente alguem que passou por aquele período pode dizer. Eu não tenho funcionários hoje que tenham trabalhado naquela época. Eu nunca vi aqui como investigador do Dops”, afirmou.

Visita de ex-presos
Apesar do incidente, a visita seguiu sem interrupção. O grupo reivindica o tombamento do prédio, em análise pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico (Condephaat) da Secretaria de Estado da Cultura de São Paulo. O acesso às celas identificadas pelos presos políticos continuava fechado por grades.

Esta foi a primeira vez em 41 anos que a advogada Darci Miyaki, de 67 anos, ex-militante da Ação Libertadora Nacional (ALN) visitou a sede do DOI-CODI onde ficou presa durante sete meses em 1972. “Pensei muito. Aliás eu não gostava nem de passar aqui perto. Ontem  fez 41 anos. Depois de 41 anos e um dia é a primeira vez que eu retorno. É dificílimo. Porque as lembranças não só são sobre as suas torturas. As lembranças são sobre as torturas que os companheiros sofreram. Os assassinatos ocorreram aqui dentro. E depos simulavam tiroteios”, afirmou.

Darci lembra que as torturas eram diárias, realizadas por três grupos, que se revezavam. “Fui duas vezes para o hospital com hemorragia oral e vaginal. Eu sou estéril. Não consigo manter um relacionamento. São os traumas que você leva para o resto da vida”, afirmou.

A modificação da estrutura dos prédios provocou confusão sobre a localização exata dos locais de prisão e tortura. Mas as recordações chegaram com clareza ao jornalista Antonio Carlos Fon, de 67 anos, assim que ele pisou o pavimento onde ficou preso durante 17 dias em 1969.

Ele identificou a sala onde sofreu torturas em mecanismos de choque como a Cadeira de Dragão, objeto com assento e encosto metálicos onde o preso tinha as mãos algemadas. “Onde estou agora foi morto o Jonas, Virgílio Gomes da Silva”, afirmou, apontando para o chão, em uma sala do segundo pavimento do prédio anexo à delegacia.

“Aqui era a sucursal do inferno”, disse o ex-preso político Clóvis de Castro, também ex-integrante da ALN, que ficou sob poder do DOi-Codi durante 30 dias, em dezembro de 1969, antes de ir para o Dops e para o Presídio Tiradentes.  Para ele o prédio do DOi Codi deve ser transformado em museu da resistência.

 

Fone – G1

 

 

 

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