Alguns vizinhos desceram dos apartamentos para ouvir os jovens gritando que, “sob a aparência de um senhor aposentado, se esconde um monstro que assassinou camaradas, trabalhadores e estudantes”. Relutante, o militar da reserva acabou recebendo a reportagem em seu apartamento. Negou os crimes de tortura e não escondeu que pode mentir no processo que sofre do Ministério Público Federal, que o acusa de cometer crimes contra 20 pessoas, entre eles três assassinatos. Lima conta que esteve com Dilma em três ocasiões e que a então guerrilheira era “durona”, mas não pegava em armas.
O GLOBO. O que o sr. acha da manifestação desses jovens?
MAURÍCIO LOPES LIMA: Acho um besteróide. O Partido Comunista do Brasil e o Partido Comunista Brasileiro em tempos passados tentaram revolucionar este país. Agora, pelo menos, eles estão levando a garotada para a bagunça. O PCdoB levou a garotada para a Guerrilha do Araguaia. Eles são os culpados, eles que fizeram a guerrilha. Nós cumprimos um papel de quem reage.
O sr. é processado pelo Ministério Público Federal pela morte de Virgílio Gomes da Silva (o “Jonas”, da Aliança Libertadora Nacional-ALN). Qual a sua defesa?
LIMA: Eu não estava lá. Foi no dia 29 de setembro e eu entrei na Oban (Operação Bandeirantes) em 5 de outubro de 1969.
Ele já estava desaparecido?
LIMA: Ele estava morto mesmo. Eu tive notícias, eu não sabia que era Virgílio, mas sabia que um terrorista tinha morrido ali.
O senhor é acusado de outros cinco desaparecimentos pelo MPF…
LIMA: Outros cinco? Vocês ainda acreditam no Ministério Público Federal? Ele mente.
E há denúncias de tortura (são 20 acusações)…
LIMA: Existe uma coisa que é o livro do Frei Betto, o “Diário de Fernando”. Ele demonstra a força do coletivo: tinha o coletivo da cela, o coletivo da ala. E o que o coletivo assumia passava a ser verdade. Quando chegava a parte do advogado, ele já fazia de comum acordo com o que estava previsto no coletivo. Sobre a morte do Virgílio? Eu não estava lá. Sobre a tortura da filha do Virgílio, eu não estava lá.
O senhor tem uma cópía da ficha da Dilma no Dops, aquela que dizem que é falsa. Ela é falsa?
LIMA: Pode ser. O Dops era uma organização que tinha vida própria. O Dops era uma coisa, a OB (Oban) era uma coisa. Inclusive havia um conflito imenso entre o Dops e a Oban. Motivo: (delegado) Fleury. Porque o Fleury queria fazer certas coisas que nós não concordávamos. Fleury escondia informações. Fleury fazia o que queria.
E disseram que ele ganhava um dinheiro também?
LIMA: O problema de ganhar dinheiro depende da… eu não ganhei nenhum tostão. O delegado eu não sei. Eu posso até ter certeza de que, ele era um homem que frequentava a noite, mas eu não tenho como acusar.
O sr. esteve em algum momento com a presidente Dilma?
LIMA: Eu tive três momentos. O primeiro quando ela foi presa. Nós tínhamos a suposição de que ela era a Dilma e não tínhamos certeza. Chegaram para mim e disseram “Maurício, você tem o dossiê da Dilma?”. E eu: “tenho.”
O que dizia esse dossiê?
LIMA: O nome, o nascimento, o nome do amante (risos), o que ela era na organização etc.
E o que ela era na organização?
LIMA: Ela era amante de um dos dirigentes (ele se refere a Carlos Araújo, o “Max”, da VAR-Palmares). Mas ela tinha ação. Ela fazia uma ligação entre a cúpula e as regionais. Disso eu não tenho dúvida.
Ela pegou em armas?
LIMA: Não. Chegou aqui um jornalista, me tentou de todas as maneiras dizer que a Dilma tinha pego em armas. Mas eu digo: como é que eu vou dizer se eu tenho certeza que ela não pegou.
Mas aí ela já estava presa e o sr. precisava identificar se era ela mesmo?
LIMA: Eu cheguei e falei: dona Dilma Vana Rousseff Linhares, a senhora nasceu em tanto, na cidade de tal, seu pai era tal, o seu marido. Quando eu falei no amante dela, ela falou: “É, eu sou a Dilma mesmo, você sabe mais do que eu”. Dois dias depois, ela foi designada para percorrer os locais que ela denunciou. O primeiro que ela denunciou era uma fábrica de bombas que já tinha explodido. E eu: “ih, essa daí…” A segunda foi um pé-de-chinelo que Deus me livre e a terceira foi um terrorista que morava com a mãe em um aparelho.
Ela não entregou ninguém importante (para a organização)?
LIMA: Importante ela não entregou.
O sr. achou que ela era “jogo duro”?
LIMA: Eu já sabia. Ninguém galga uma certa posição numa organização sem ter coragem. Vocês estão vendo a Dilma aí, o que ela faz. O Lula, com todo o endeusamento, nem pensou em fazer e ela está fazendo. Então, calma que ela não é, como eu digo, não é flor que se cheire. Ela é durona. Ela enfrentou o próprio Lamarca e o Lamarca era meio “tantã”, certo? Podia ter dado um tiro nela tranquilamente. E ela enfrentou e conseguiu dinheiro, conseguiu armas quando teve a separação da VAR-Palmares (de Dilma) com a VPR (de Lamarca). As duas organizações se uniram por um pequeno prazo, acho que uns três meses.
E a separação maior foi pelo dinheiro do cofre do Adhemar de Barros?
LIMA: O dinheiro e o armamento. A Dilma exigiu a divisão do dinheiro e do armamento.
Brigar com os líderes do Congresso hoje é “fichinha” para ela?
LIMA: Sim. Eu não tenho nada contra ela. Acho que foi uma boa guerrilheira. Agora, dizer que era boazinha, não, não. Mas não pegou em arma. Isso eu garanto. Eu não encontrei a mais leve. Para mim, seria ótimo dizer que ela era terrorista. Não é. Ela pertencia a uma organização subversiva e acabou. Na auditora, ela declara que não pode aceitar o capitão Maurício Lopes Lima como testemunha porque ele é um dos torturadores da Oban. Ela declarou isso e mais dois ou três declararam a mesma coisa. Por favor, foram depoimentos arrumados. Ela disse várias vezes (em entrevistas posteriores) que eu não a torturei. O direito de qualquer réu é não criar provas contra si. Isso quer dizer: pode mentir que não tem problema.
O sr. está dizendo que Dilma mentiu?
LIMA: Não. Ela exerceu um direito. É diferente de chamar apenas de mentirosa. Como agora no julgamento, se for necessário, eu posso exercer esse direito também. Isso é inerente à Justiça brasileira.
Por que a presidente disse, em entrevista, que o sr. não “batia bem da bola”?
LIMA: Porque eu entrava nos aparelhos, aquele negócio, eu não tinha medo. Se me dessem tiro, eu dava tiro também.
O sr. matou muita gente?
LIMA: Não, não matei ninguém.
Nem em confronto?
LIMA: Em confronto morreram dois comigo, que são justamente dois casos que estou sendo acusado pelo Ministério Público, que foram Antonio dos Três Reis e Alceni (Maria Gomes da Silva). Me disseram que em um aparelho, dentro de um alçapão, poderia ter um terrorista. Abri o alçapão, saiu um terrorista e me deu seis tiros. Eu saltei para trás, rolei e saí da linha de tiro.
O sr. tem as marcas de bala?
LIMA: Nenhuma. Não acertou nenhuma. Um blog comunista disse que era muito engraçado não ter acertado nenhuma. É que o “lá de cima” não é comunista. Se fosse, tinha acertado. Não tenho culpa. Tenho sorte. Virei quase uma lenda de “corpo fechado” por causa dessas porcarias. Ele descarregou a arma, deu uma paradinha de uns três segundos, deu mais um tiro e aí o acertaram.
O sr. estava com colete? Já se usava naquela época?
LIMA: Não se usava nem colete nem mulher. Se precisasse de uma mulher tinha uma peruca. Ficavam lindos, de peruca na campana.
O sr. imagina que vá ser convocado para a Comissão da Verdade?
LIMA: Que verdade? Tem um livro chamado Direito à Memória e à Verdade feito pela Presidência da República. Ali só contém mentira. Ali foram coletadas as declarações à auditora (militar).
E as declarações feitas sob tortura? Não são mentira?
LIMA: A defesa de todos é que tinham sido torturados.
E não foram?
LIMA: Tenho certeza que muitos não foram. Não vou dizer nomes.
A presidente Dilma não foi torturada?
LIMA. Não sei, não sei, não sei.
Não tinha a cadeira do dragão lá, o senhor nunca viu?
LIMA: Vi, opa! Mas a cadeira do dragão tem várias coisas. Ela tem por exemplo o intuito de deixar a pessoa… Uma das defesas da pessoa são os gestos. Estou me defendendo aqui, estou fazendo os gestos. Quando você prende mãos, a pessoa fica sem (defesa).
Ah, coronel, por favor, o senhor acha que era isso que faziam na cadeira do dragão? Amarrar a pessoa?
LIMA: Muitos nem se amarravam. Por exemplo, tinha os cubanos, os que fizeram curso em Cuba. Esses daí não precisava torturar em nada. Com a prisão eles contavam tudo. Motivo: o curso em Cuba colocava tal medo nas pessoas que, quando o “cubano” caía aqui, ele dizia: não precisa fazer nada comigo que eu conto tudo.
Mas existem laudos médicos que mostram que as pessoas foram torturadas.
LIMA: Sim, mas quantos? Em 30 mil, quantos?
O sr. acha admissível a tortura como método de investigação?
LIMA: Eu não, mas tem várias pessoas que aceitam. Existem várias correntes que dizem que a tortura para se conseguir as informações é melhor do que deixar de capturar o terrorista.
Mas mesmo assim o senhor nunca torturou?
LIMA: Não, eu não precisava.
O sr. é acusado também também de ter torturado o Frei Tito.
LIMA: Absolutamente. Fui ver o Frei Tito ele já com os braços cortados e o levei ao Hospital das Clínicas. Ele havia tentado se suicidar.
O sr. se arrependeu de alguma coisa?
LIMA: Não. O que eu quero que você saiba é que eu não acuso ninguém de mentira. Esse combate todo é uma mentira.