Estamos propondo a formação de uma Comissão da Verdade da Sociedade, constituída por membros dos grupos de resgate da memória da ditadura, dos grupos contra a tortura e dos familiares dos mortos e desaparecidos, para acompanhar os trabalhos da Comissão Nacional da Verdade e realizar o seu próprio trabalho, reforçando e contribuindo com as comissões estaduais, sindicais e a com a Comissão Parlamentar
Finalmente nomeada a Comissão Nacional da Verdade, seus membros (baixe a biografia dos integrantes) serão empossados na próxima quarta-feira, 16 de maio, pela presidenta Dilma Rousseff em Brasília e já realizarão sua primeira reunião de trabalho. Resguardadas todas as opiniões sobre a qualificação de cada um dos sete membros escolhidos e da ausência de representantes dos movimentos sociais, entidades dos DDHH e trabalhadores, é preciso fazer algumas observações a partir da declaração de um de seus membros, o advogado e ex-ministro da Justiça, José Carlos Dias, que declarou na Folha de São Paulo que a Comissão da Verdade deverá investigar “os dois lados”. Seguem as observações:
– A Comissão Nacional da Verdade nasceu sob uma forte pressão internacional. Vários setores dentro do próprio governo reconhecem e já houve várias manifestações a respeito;
– Ela remonta o acordão que selou a “conciliação nacional” à época da ditadura, o que foi mantido por FHC, Lula e repaginado por Dilma. Ou seja, sem “revanchismo”, o que significa “não queremos que ninguém seja punido”, “vamos manter a anistia”, “vamos reconciliar”;
– No dia da sanção da lei, Vera Paiva foi impedida de manifestar-se representando as associações de familiares e vítimas da ditadura. “O discurso que não foi lido”, lembram? Silêncio;
– No texto da lei que criou a Comissão Nacional da Verdade, sequer consta a expressão “Ditadura Militar”. Sintomático. Ela recebeu emendas do DEM, PSDB e PPS, no entanto, todas as alterações propostas pelos movimentos sociais, entidades dos Direitos Humanos, comitês pela Memória, Verdade e Justiça foram sumariamente rejeitadas, sem apelação;
– A Lei da Comissão Nacional da Verdade tem limitações brutais. São apenas sete integrantes e 14 auxiliares, para investigar 42 anos em dois anos, sem autonomia e sujeita ao sigilo;
– A lei também não aponta para a possibilidade de remeter suas conclusões à Justiça, para que os criminosos da ditadura sejam devidamente julgados e processados;
– Só para lembrar, a Corte Interamericana de Direitos Humanos, ao julgar o caso da Guerrilha do Araguaia, decretou que “as disposições da Lei de Anistia brasileira que impedem a investigação e sanção de graves violações de direitos humanos são incompatíveis com a Convenção Americana, carecem de efeitos jurídicos” e que “são inadmissíveis as disposições de anistias, as disposições de prescrição e o estabelecimento de excludentes de responsabilidade, que pretendam impedir a investigação e punição dos responsáveis por graves violações dos direitos humanos, como tortura, as execuções sumárias, extrajudiciárias ou arbitrárias e os desaparecimentos forçados”;
Além dessas pontuais observações, o jornalista Paulo Moreira Leite respondeu a José Carlos Dias dizendo:
A Comissão não foi criada como um seminário genérico sobre desrespeito aos direitos humanos – onde caberia avaliar erros e desvios de conduta de qualquer pessoa, autoridade ou não, de direita ou de esquerda, em qualquer tempo e espaço do território brasileiro. Caberia, nessa situação, discutir o papel dos “dois lados”. Ou três “lados,” quatro, ou cinco…
Criou-se a Comissão da Verdade com uma finalidade específica, que é examinar os crimes da ditadura, porque esta foi a lacuna deixada pela história. Estamos falando de crimes cometidos por representantes do Estado, em nome dele, e não por qualquer pessoa.
E queremos a verdade – não uma guerra de versões nem uma história declaratória.
Ou será que vamos julgar o “lado bom” e o “lado ruim” da da ditadura, ou lado “bom” e o lado “ruim” de quem lhe fazia oposição?
A idéia é mostrar que “os dois lados” cometeram erros e devem ser igualmente perdoados?
Ninguém percebeu que toda ditadura é, por definição, um regime de “um lado só”?
Por tudo que foi observado e pelo temor que a Comissão Nacional da Verdade possa não cumprir seu papel sem que façamos muita pressão, estamos propondo — à luz da iniciativa da deputada federal Luiza Erundina que criou a Comissão Parlamentar da Verdade, com a função de acompanhar e ao mesmo tempo fazer um resgate próprio, paralelo, sobre a memória e verdade — que a sociedade, a partir dos grupos de resgate da memória e contra a tortura forme uma Comissão da Verdade para acompanhar os trabalhos da CNV e exercer a pressão necessária para que a comissão não desvio seu foco dos crimes cometidos pelo Estado durante a ditadura e realize também um trabalho paralelo.