As estratégias de trabalho da Comissão da Verdade

Leia o discurso de Paulo Sérgio Pinheiro, coordenador da CNV, na reunião ampliada de ontem da Comissão da Verdade

Caras Amigas, Caros Amigos

A Comissão Nacional da Verdade e meus colegas comissionados agradecemos a presença de todos neste evento e expressamos nossa enorme satisfação em podermos hoje apresentar nossas estratégias de trabalho e fortalecer a busca pela verdade e resgate da memória.

Já alcançamos nove meses da nossa jornada e apesar de muito trabalho já ter sido feito, temos ainda um longo caminho pela frente.

Como nunca houve – e muito certamente não haverá no Brasil –outra Comissão Nacional da Verdade, é natural, dúvidas e questionamentos surjam sobre o que e como estamos fazendo.

Numa perspectiva internacional comparada, a CNV nasce dotada com amplos poderes, com uma formidável base documental e com um mandato de esclarecimento protegido do alcance dos atuais obstáculos de jure à ação jurisdicional. Como todas as 40 comissões verdade que nos precederam, a CNV não tem poderes jurisdicionais nem pode pretender num faz de conta repetir procedimentos exclusivos de instituições como o ministério público. A CNV tem o mandato taxativo de esclarecer as mais graves violações dos direitos humanos, considerando os fatos, as circunstâncias, a autoria e as responsabilidades institucionais e sociais dessas violações. Além disso, temos o poder de convocar qualquer pessoa e ter acesso a qualquer documento em qualquer nível de sigilo. E essas competências, de forma coordenada, podem estar apoiando outras comissões da verdade no país.

Para que nosso trabalho fique transparente temos ampliado nossa comunicação com a sociedade, estabelecendo diferentes meios de interlocução, a fim de dar a conhecer da forma mais ampliada e transparente possível nossa missão. Recentemente foi lançada a nova página da internet da CNV, constantemente atualizada, que tem interligação direta com as redes sociais acessíveis em especial ao público jovem que queremos atingir. Por meio dessa página, e outros canais como telefone e email, também é possível acessar a nova Ouvidoria da Comissão, estruturada para receber e responder diversos tipos de solicitações. Um mailing que permite o cadastro do público também tem sido utilizado por nossa assessoria de comunicação para envio de notícias sobre a CNV.

Mas fique bem claro que não estamos participando de nenhum campeonato de protagonismo nem queremos ter o monopólio da luta pela verdade. É fundamental mantermos uma postura de sobriedade e de estrita cautela com o que dizemos e divulgamos, inclusive por respeito às vítimas e investigações em curso. Não dá para sermos como aquele que abre a porta da geladeira, vê luz e começa logo a dar entrevista. Muita vez o açodamento em divulgar um documento, um depoimento, uma suspeita pôe por terra o trabalho cuidadoso de investigação, de coleta de indícios e identificação de depoentes. Nunca esqueçamos que afinal seremos julgados não apenas pela mobilização imediatista das atenções muitas vezes efêmeras no presente, mas pelo relatório final e pelo resgate da dívida de memória e justiça com os mortos e desaparecidos e com todas as vítimas das graves violações de direitos humanos e crimes contra a humanidade. É isso que interessa, é isso que conta.

Para ir além do tema da transparência, temos implantado mecanismos ativos de participação, por meio de audiências públicas, convênios com comissões da verdade, colaboração de especialistas, reuniões específicas com comitês de vítimas e familiares, e com grupos sociais específicos dos quais recebemos críticas e sugestões sobre nossa atuação cotidiana. Toda crítica é muitíssimo bem-vinda e através dela nos esforçamos por aperfeiçoar nosso trabalho

Recentemente criamos um grupo específico para a organização de tomada de depoimentos dos agentes públicos e particulares que tenham declarações a fazer sobre o período de repressão. As oitivas estão previstas para serem realizadas primordialmente neste primeiro semestre e não hesitaremos em utilizar a prerrogativa de convocação que nos faculta a lei nos casos em que se fizer necessária, com implicações legais para quem não vier depor.

Intensificamos a identificação e digitalização de acervos documentais que possam ser de interesse da Comissão, além daqueles que já estão sendo pesquisados pelos grupos de trabalho. Para tanto, temos contado com a colaboração de inúmeros órgãos e agências públicas, como o Ministério das Relações Exteriores, o MEC, o Ministério da Defesa e os comandos das forças armadas, de empresas estatais, como a Petrobrás, o Arquivo Nacional (agradecemos a enorme contribuição de seu diretor, Jaime Antunes aqui presente e de vários de seus colaboradores) para citar apenas alguns. Também, amparados por lei, estamos requisitando informações de forma compulsória de pessoas e entidades cuja colaboração não seja voluntária. Necessitamos aqui de um contato mais estreito e uma integração mais eficiente entre nossas entidades.

A metodologia do tratamento dos depoimentos, como dos documentos que conseguimos levantar será especificada por cada um dos grupos de trabalho nas apresentações a seguir. Nesse sentido, deve ser ressaltado que, apesar de uma metodologia geral para nosso trabalho, aquela usada para cada um dos Grupos alcançar seus objetivos também deve ser específica e delimitada, de geometria variável. Esse esforço somente é possível graças à diversidade de especialistas altamente competentes reunidos na Comissão. Além disso, estamos implementando, com apoio do Ministério da Ciência e Tecnologia, tecnologias que nos auxiliem a armazenar e cruzar os dados coletados, propiciando assim, melhor e mais aprofundada análise dos mesmos. Deve-se destacar que contamos para tanto com total apoio material do governo e da Presidência da República, através da Casa Civil e da Secretaria Geral, para a digitalização de mais de milhões documentos que ainda estão em papel de imediato interesse da CNV. Tudo referido necessariamente ao cronograma e a meta final do relatório impresso e do relatório multimídia que está sendo realizado com a colaboração da UFMG.

Ainda sobre a questão da estratégia geral de trabalho, sabendo que outros esforços foram desenvolvidos antes da instalação da Comissão Nacional da Verdade, preocupamo-nos em resgatar tudo o que já foi escrito e dito sobre o período, seja em livros, relatórios, documentos oficiais. Especial destaque deve ser dado aos resultados de anos de trabalho da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos, e da Comissão de Anistia de onde recuperamos inúmeras informações que são imprescindíveis ao nosso trabalho, principalmente no que diz respeito às vítimas – mortos, desaparecidos, torturados, perseguidos – da ditadura.

Justamente para demonstrar que a questão da verdade, memória e justiça não é monopólio da Comissão Nacional da Verdade, estamos hoje aqui para discutir com outras comissões e parceiros como articularemos neste ano de 2013 nossa atuação no intuito de atender aos anseios de todos os envolvidos com a questão. E também alcançar aqueles que ainda não se deram conta que esta temática diz respeito também às suas vidas como indivíduos e cidadãos na democracia hoje, dado o enorme legado autoritário que ainda pesa sobre a sociedade brasileira.

Quanto maior for a rede de comissões da verdade e comitês da memória, com os quais também nos reuniremos em breve, e mais próxima estiver da população, maior a certeza de alcançarmos nosso objetivo comum de construir e disseminar a verdade. Nosso maior dever, como dizia Ernesto Sábato no relatório Nunca Más, “sem estarmos movidos pelo ressentimento nem pelo espírito de vingança, somente pedindo verdade e justiça” é quebrar o “silêncio sinistro” , que ainda protege os perpetradores e os crimes dos tempos do terrorismo de Estado.

Brasília, 25 de fevereiro de 2013

Paulo Sérgio Pinheiro

Coodenador da Comissão Nacional da Verdade

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