Agora, o próximo passo da família do ex-militante estudantil e integrante da Ação Libertadora Nacional (ALN) será conseguir a alteração de sua certidão de óbito. No documento oficial, produzido pela ditadura, o falecimento foi provocado por “lesão traumática crânio-encefálico” após um atropelamento na rua Bresser, na zona leste da cidade.
A irmã de Alexandre, Maria Cristina Vannucchi Leme, acredita que não haverá muita dificuldade para a correção do atestado de óbito. “Será muito simples. Como ele foi reconhecido pelo Estado como desaparecido político, pela lei 9.140, agora ele tem o título de anistiado político. Se o Estado reconheceu que ele foi assassinado por motivação política e não atropelado, nem tentou se matar com uma lâmina, a Justiça não tem como negar”, comenta.
Maria Cristina também aposta na alteração do atestado de óbito de Alexandre com o precedente aberto pela família de Vladimir Herzog. No mesmo dia, os familiares do jornalista morto em 1975 receberam uma versão corrigida do documento. A Justiça determinou a revisão do atestado para declarar a causa da morte como “lesões e maus-tratos sofridos durante o interrogatório em dependência do 2º Exército (DOI-Codi)”. O texto substitui a versão de “asfixia mecânica por enforcamento”.
Segundo Ivo Herzog, filho do jornalista, a nova versão é o desfecho de uma luta de três décadas. “Esse atestado de óbito é muito importante porque a família, durante 37 anos, cinco meses e 20 dias, foi humilhada por um documento mentiroso, que nós tivemos de aceitar, e que sustentava a farsa do suicídio. Então, é mais uma mentira que se enterra, desaparece e é sepultada em nossa história”, diz. “Agora, nós temos um documento que mostra quais as circunstâncias que o meu pai foi assassinado. É uma questão de memória, de história”, completa.
Ivo também espera que o governo brasileiro mude a sua postura e que o Supremo Tribunal Federal (STF) reveja o parecer sobre a lei de anistia. “Espero que aplique a lei de anistia como ela deve ser, de forma unilateral. A lei de anistia é para os presos e perseguidos políticos e não para os assassinos agentes do Estado, que usaram de toda a violência. Foram crimes bárbaros, violentos, comuns, que deveriam ser julgados”, conta.
O presidente da Comissão de Anistia e secretário Nacional de Justiça, Paulo Abrão, espera que a justiça seja feita no caso de Alexandre Vannucchi Leme e os culpados pela sua morte sejam identificados. “Para isso é preciso superar um conjunto de culturas jurídicas pouco reconhecedoras dos direitos humanos, que não internalizou o respeito às convenções dos tratados internacionais de direitos humanos”, diz. De acordo com Abrão, essa será uma tarefa e um desafio para o Judiciário. “Mas é o Estado inteiro que tem a responsabilidade de processar os seus erros e apontar para o futuro a não repetição deles”, comenta o secretário.
A cerimônia para decretar a anistia política de Alexandre Vannucchi Leme contou também com a presença da ministra de Direitos Humanos, Maria do Rosário. Segundo ela, “essas respostas são a busca mais profunda para que a democracia siga sendo aperfeiçoada e exista plenamente na vida nacional, para aqueles que ofertaram as suas vidas e para aqueles que ainda vivenciam as marcas da ditadura”, comenta. “No ministério da Justiça, nós devemos estar plenos da responsabilidade de reconhecermos aquilo que o Estado produziu, as mortes que foram produzidas, a tortura, a perseguição, o assassinato vil e cruel”, completa.
Julgamento
A apreciação do requerimento de anistia de Alexandre Vannucchi Leme foi presidida por Paulo Abrão. Ele esteve acompanhado pelo relator José Carlos Moreira Silva Filho e pelos conselheiros Sueli Belato – vice-presidente da Comissão de Anistia -, Rita Sampaio, Juvelino José Strozake e Cristiano Paixão, em uma sessão oficial do Ministério da Justiça nas dependências da USP.
O resultado foi anunciado pelo próprio presidente da Comissão de Anistia e secretário Nacional de Justiça, Paulo Abrão. “Eu vou me dirigir à família de Alexandre Vannucchi Leme, na pessoa de suas irmãs Maria Cristina, Miriam e Maria Regina, na pessoa de seus primos Maria Lúcia, Maria Helena, José Ivo, Mariana, Paulo de Tarso, e à sua namorada Lisete, para informar, publicamente, que neste dia 15 de março de 2013, a Comissão de Anistia do Ministério da Justiça, por unanimidade, declara Alexandre Vannucchi Leme anistiado político brasileiro. E, por esse ato, pelos poderes legais e constitucionais que me estão investidos, pedir desculpas públicas e oficiais pelos erros que o Estado cometeu contra ele, contra toda a família, seus amigos e à causa da justiça social no Brasil. As nossas mais justas homenagens e muito obrigado pela presença de todos aqui”.
Na sequência, flores foram entregues às irmãs e à ex-namorada de Alexandre. Todas se abraçaram e choraram juntas. Havia chegado ao fim uma luta pela verdade que durou 40 anos.
Fonte – Cruzeiro do Sul