Missa na Catedral da Sé reuniu 500 pessoas na sexta-feira (15)
Quarenta anos depois de ser preso e torturado até a morte nos porões da ditadura de 1964, o estudante do quarto ano de Geologia da Universidade de São Paulo (USP) Alexandre Vanucchi Leme vive. Na sexta-feira (15), uma missa celebrada por Dom Angélico Sandalo Bernadino, com a presença de Frei Betto, reuniu cerca de 500 pessoas na Catedral da Sé para prestar uma homenagem a Alexandre e sua família, e manter viva a luta pela completa democratização do país – o ideal do estudante.No dia 16 de março de 1973, por volta das 11 horas da manhã, agentes da Operação Bandeirante (OBAN) / DOI-Codi – centro de informações e investigação montado pelo Exército brasileiro em 1969 para combater as organizações de esquerda – capturaram o estudante, acusado de integrar a cúpula da Ação Libertadora Nacional (ALN), de Carlos Marighella.
Movimento Estudantil
Alexandre, à época com 22 anos, destacava-se no movimento estudantil pela sua capacidade intelectual. Ele foi levado para as dependências do DOI-Codi, na Rccua Tutoia, no bairro do Paraíso, em São Paulo, onde passou por duas sessões de tortura comandadas pelo chefe daquele departamento, o então major Carlos Alberto Brilhante Ustra. A notícia da sua morte foi divulgada pelos jornais no dia 23 de março, apresentando a versão de que “um audacioso terrorista havia sido atropelado por um caminhão enquanto tentava escapar de um cerco policial no Brás.” A farsa montada pela repressão chocou provocou a reação de setores da sociedade civil. No dia 30 de março de 1973, realizou-se uma missa em homenagem a Alexandre, na Sé, celebrada pelo o cardeal arcebispo de São Paulo, Dom Paulo Evaristo Arns. Apesar da formação de diversos bloqueios dos agentes do DOI-Codi, cerca de 3 mil pessoas compareceram à Catedral.
Greve
Segundo o ex-ministro dos Direitos Humanos, Paulo Vanucchi, primo de Alexandre, a diferença desse caso para inúmeros outros anteriores foi que, mesmo com todo o terror do regime político daquela época, os estudantes de Geologia, quando souberam da notícia, decidiram paralisar as aulas e fazer uma greve.
O Resgate da Imagem
A Comissão Estadual da Verdade “Rubens Paiva”, da Assembleia Legislativa de São Paulo, comandou as atividades de homenagem a Alexandre Vanucchi, que começaram na quinta-feira, 14 de março, com o show ‘Conversando de Paz’, apresentado pelo cantor e compositor Sérgio Ricardo no Centro Cultural São Paulo. Sérgio Ricardo foi um dos presentes na missa de 1973, quando cantou a música “Calabouço”, marco da MPB que não se calou nos anos de chumbo.
Ao meio-dia da sexta (15), no Instituto de Geociências da USP, Vanucchi foi oficialmente reconhecido como anistiado político pelo Estado brasileiro, através de um julgamento simbólico realizado pela Comissão de Anistia do Ministério da Justiça e a 68ª Caravana da Anistia.
A missa na Catedral da Sé foi encerrada com a apresentação do cantor Sérgio Ricardo cantando, 40 anos depois, a música Calabouço. Confira a letra, abaixo.
Calabouço
De Sérgio Ricardo
Olho aberto ouvido atento/E a cabeça no lugar
Cala a boca moço, cala a boca moço
Do canto da boca escorre/Metade do meu cantar
Cala a boca moço, cala a boca moço
Eis o lixo do meu canto/Que é permitido escutar
Cala a boca moço. Fala!
Olha o vazio nas almas
Olha um violeiro de alma vazia
Cerradas portas do mundo
Cala a boca moço
E decepada a canção
Cala a boca moço
Metade com sete chaves
Cala a boca moço
Nas grades do meu porão
Cala a boca moço
A outra se gangrenando
Cala a boca moço
Na chaga do meu refrão
Cala a boca moço
Cala o peito, cala o beiço
Calabouço, calabouço
Olha o vazio nas almas
Olha um violeiro de alma vazia
Mulata mula mulambo/Milícia morte e mourão
Cala a boca moço, cala a boca moço
Onde amarro a meia espera/Cercada de assombração
Cala a boca moço, cala a boca moço
Seu meio corpo apoiado/Na muleta da canção
Cala a boca moço. Fala!
Olha o vazio nas almas
Olha um violeiro de alma vazia
Meia dor, meia alegria
Cala a boca moço
Nem rosa nem flor, botão
Cala a boca moço
Meio pavor, meia euforia
Cala a boca moço
Meia cama, meio caixão
Cala a boca moço
Da cana caiana eu canto
Cala a boca moço
Só o bagaço da canção
Cala a boca moço
Cala o peito, cala o beiço
Calabouço, calabouço
Olha o vazio nas almas
Olha um violeiro de alma vazia
As paredes de um inseto/Me vestem como a um cabide
Cala a boca moço, cala a boca moço
E na lama de seu corpo/Vou por onde ele decide
Cala a boca moço, cala a boca moço
Metade se esverdeando/No limbo do meu revide
Cala o boca moço. Fala!
Olha o vazio nas almas
Olha um violeiro de alma vazia
Quem canta traz um motivo
Cala a boca moço
Que se explica no cantar
Cala a boca moço
Meu canto é filho de Aquiles
Cala a boca moço
Também tem seu calcanhar
Cala a boca moço
Por isso o verso é a bílis
Cala a boca moço
Do que eu queria explicar
Cala a boca moço
Cala o peito, cala o beiço
Calabouço, calabouço
Olha o vazio nas almas
Olha um brasileiro de alma vazia.
Fonte – Caros Amigos