A Comissão da Verdade do Estado de São Paulo “Rubens Paiva” fará hoje, às 19h, uma homenagem a Inês Etienne Romeu, a última presa política a ser libertada no Brasil e única prisioneira a sair viva da Casa de Petrópolis, conhecida como “Casa da Morte”, depois de 96 dias de tortura. Por motivo de saúde, Inês não deve comparecer à próxima audiência pública da comissão, mas será representada no evento. Também confirmaram presença a ministra Eleonora Menicucci, da Secretaria de Política para as Mulheres da Presidência da República, e das integrantes da Comissão Nacional da Verdade Maria Rita Khel e Rosa Maria Cardoso, além de representantes da comissão estadual paulista.
O tema a ser abordado “Verdade e Gênero – A violência da ditadura contra as mulheres” pauta, praticamente, os trabalhos da comissão estadual neste mês de março. Nesta quinta-feira, em audiência pública na Assembleia Legislativa paulista, o grupo ouviu os depoimentos de mulheres vítimas de tortura no período da ditadura, entre 1964 e 1985. Aos integrantes da comissão paulista, elas relataram casos de violência ocorridos dentro das dependências da Operação Bandeirantes (Oban), em São Paulo, alguns deles na frente dos maridos e dos filhos. Além disso, as depoentes falaram sobre métodos sádicos empregados pelos agentes públicos, como deixar mulheres nuas durantes as sessões de tortura e a violência física e psicológica contra grávidas, como no caso de Criméia Alice Schimidt de Almeida, integrante da Guerrilha do Araguaia presa na capital paulista em dezembro de 1972, na casa da irmã, a militante política Maria Amélia de Almeida Teles, a Amelinha.
Também prestaram depoimento na comissão Tania Rodrigues Mendes, do Movimento de Libertação Popular (Molipo) e da Aliança Libertadora Nacional (ALN), mulher de Gabriel Prado Mendes, morto em 1997, e, antes, Ilda Martins da Silva, viúva de Virgílio Gomes da Silva, o Jonas, militante da ALN torturado e morto em setembro de 1969 nas dependências do Destacamento de Operações de Informações – Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi), em São Paulo.
Criméia relatou casos de tortura quando grávida nas dependências da Oban, em São Paulo. Contou também que Amelinha foi torturada na frente dos filhos, Janaína e Edson, a mando do coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, chefe do DOI-Codi, na ocasião. Posteriormente, em 2008, por uma ação movida pela família Teles, o oficial foi declarado “torturador”. O filho de Criméia, que nasceu na prisão, em Brasília, chegou a ser indenizado, em 2004, pelos danos que a tortura lhe causou.
– Eu havia sido presa em Ibiúna (em 1968) e, para eles (militares), todos nós éramos terroristas. A partir do momento em que descobriram que a Criméia era a de Ibiúna começaram a me torturar. O médico disse que, por estar grávida de sete meses, a tortura não poderia acontecer no pau de arara, não poderiam espancar minha barriga. Levei palmatória na sola dos pés, nas mãos, muitos choques, sempre nua – declarou.
No caso de Tania Mendes, presa em 5 de maio de 1973, poucas horas depois do marido, a tortura psicológica foi tão prejudicial quanto a física. Ela passou um mês nas dependências do DOI-Codi, outro mês no Departamento de Ordem Política e Social (Dops) e sete meses no Presídio do Hipódromo, em São Paulo. Ela aponta os delegados Aparecido Laertes Calandra e Sérgio Paranhos Fleury, além de Ustra, como os principais responsáveis pela tortura, na ocasião.
– Quando acontecia a prisão de um casal, isso dava ao torturador ainda mais instrumentos (de sadismo). Fiquei numa caixa encolhida ouvindo outras torturas, por exemplo. Só não fomos parar no sítio do Fleury (imóvel localizado na Zona Sul de São Paulo, conhecido como ‘sítio da tortura’) porque o Gabriel teve de fazer uma cirurgia.
Tania conta que um dos piores episódios de sua prisão aconteceu nas dependências da Oban quando ficou com um revólver na cabeça por 6 horas na ocasião do anúncio das mortes do casal Maria Augusta Tomaz e Márcio Beck Machado, também integrantes do Molipo. Os agentes diziam temer uma represália do grupo guerrilheiro.
– Sou sobrevivente e vitoriosa em relação ao período. Vitoriosa porque tínhamos projetos para o país, como melhorar a educação, acabar com a corrupção. Não era só derrubar o regime sanguinário (…) E ainda tem muita coisa que hoje está de pé, desde aquela época. Não dá para parar de militar.
Antes, Ilda Martins da Silva, viúva de Virgílio Gomes da Silva, o Jonas, e a jornalista Rose Nogueira, do Grupo Tortura Nunca Mais, também falaram da violência contra a mulher e a família. Lembraram que os quatro filhos de Ilda e Virgílio chegaram a ser levados para o Dops quando da prisão dos pais, em 1969. Depois, foram para o juizado de menores à espera de adoção.
– As coisas que faziam com as crianças eram absurdas. Me identifiquei com a Ilda no (presídio) Tiradentes, onde ela ficou presa sem nenhum documento. Ela não tinha direitos e tinha de ver os filhos da janela do presídio. Vocês não têm ideia do que era ser mãe ali – disse Rose.
Nesta quinta-feira, o presidente da comissão, deputado Adriano Diogo (PT), disse que as mulheres eram os principais alvos dos torturadores.
– Eles tinham uma predileção, um sadismo total pelas mulheres. As mulheres eram humilhadas, violentadas na frente dos filhos. O golpe vai fazer 49 anos e muitas histórias, principalmente as das vítimas mulheres, ainda não foram contadas.
Diogo fala em debater, em sessões futuras da comissão, o entendimento da Lei da Anistia, que, segundo ele, “só beneficiou até hoje os torturadores”.
Fonte – O Globo