Abertura de arquivos revelam que, apesar da extinção do departamento em 1983, ex-presidente foi investigado clandestinamente até 1994
Principal líder da esquerda brasileira no final da ditadura militar (1964-1985), o ex-presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva era frequentemente citado – e vigiado – nos documentos do Departamento Estadual de Ordem Política e Social (Deops-SP), que controlava e reprimia movimentos políticos e sociais contrários ao regime. Na última segunda-feira, o Arquivo Público de São Paulo liberou a consulta pública, pela internet, de milhares de fichas digitalizadas e prontuários do departamento, produzidos entre 1923 e 1983. Lula aparece em ao menos 50 registros e, mesmo com a extinção do Deops, em 1983, foi investigado clandestinamente até 1994.
O ex-presidente teve seu nome ligado a posições consideradas radicais, como apoio a Fidel Castro, defesa da estatização dos bancos, incitação de greves e críticas a José Sarney e Tancredo Neves. Dos anos de chumbo da ditadura (1968-1974) ainda não há informações, já que apenas 10% do material foi digitalizado.
Em um documento de janeiro de 1985, o Deops ressaltava que “Lula admite acordo com Tancredo (Neves, que morreu antes de tomar posse), sob condições, onde consta que o nominado declarou que o partido (PT) pode fazer um acordo com o futuro presidente, sob as condições de que o governo promova a reforma agrária, garanta liberdade e autonomia sindicais, reduza a jornada de trabalho para 40 horas semanais e conceda reajuste trimestral de salários”.
Em outro arquivo, de 1990, os investigadores escreveram que Lula ia “fazer campanha na rua contra o candidato ao governo (de SP) Paulo Maluf, no segundo turno das eleições, independente da decisão do partido (PT) pelo voto nulo ou apoio a Luiz Antonio Fleury. ‘Eu senti na pele o que foi o governo Maluf, na greve de 1980. Todos nós somos anti-malufistas de berço'”, disse o petista à época ao jornal Folha da Tarde.
Críticas a Sarney e invasão de terras
Em 1985, Lula foi citado por uma entrevista concedida à Folha da Tarde, em que afirmava ter receio de uma “Constituinte elitista”. “Consta que o nominado revelou o temor de que a Constituinte seja como em 1934 e 1946, onde prevalecia o ponto de vista do governo. Fez também algumas críticas ao governo atual e ao presidente (José) Sarney (que assumiu após a morte de Tancredo Neves, em 1985, e concluiu o mandato em 1990) “.
Em outra investigação clandestina, o petista foi citado por incentivar invasões de terras. “Consta que o nominado incentivou a ocupação de propriedades. ‘A terra tem de ser ocupada para que trabalhadores não morram mais debaixo de pontes’, exortou o nominado” ao jornal O Estado de S. Paulo em 1989, conforme o documento publicado ontem.
O acervo da Deops
O Arquivo Público do Estado de São Paulo disponibiliza desde segunda-feira a consulta pública, pela internet, de mais de 274 mil fichas digitalizadas e 12,8 mil prontuários produzidos pela Deops-SP no período compreendido entre 1923 e 1983. No total, são cerca de 1 milhão de imagens, fichas, prontuários e dossiês. Nesses 60 anos, estão compreendidos dois períodos em que houve cerceamento das liberdades no Brasil: o Estado Novo (1937-1945) e a ditadura militar, iniciada em 1964. A pesquisa pode ser feita a partir do site do Arquivo Público.
Segundo o coordenador do órgão, Carlos Bacellar, a ampliação do acesso a qualquer cidadão é uma etapa importante para a democracia brasileira. “Já mantínhamos esse arquivo aberto para quem quisesse consultá-lo e agora fica disponível a qualquer pessoa interessada”, disse ele. O governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), ressaltou que há o compromisso do Estado com a transparência de informações, principalmente no que diz respeito ao regime militar.
Paulo Abrão, secretário nacional de Justiça, afirmou que boa parte desse arquivo foi construído para justificar a repressão. “Há muitas mentiras ali, mas é mais um passo no aperfeiçoamento da nossa jovem democracia”, ponderou. “Que os outros governadores sigam o exemplo de São Paulo. Essa é uma homenagem à luta dos familiares dos mortos na ditadura por esse acesso”, completou ele.
Paulo Sérgio Pinheiro, presidente da Comissão Nacional da Verdade, diz que o acesso irrestrito, sem qualquer tipo de obstáculo, “permite desenvolver uma análise crítica em relação a esse acervo”. O Terra entrou em contato com a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo e aguarda uma resposta sobre as investigações.
Fonte – Terra