Documento da ditadura comprova perserguição a enfermeira de Ribeirão

Áurea Moretti relata que sofreu choques elétricos enquanto esteve presa. Vítima diz ter convivido com Dilma em masmorra no Presídio Tiradentes.

A abertura dos arquivos do extinto Departamento Estadual de Ordem Política e Social de São Paulo (Deops) na internet no início deste mês dá esperanças para as famílias que perderam seus entes na ditadura militar. A afirmação é da enfermeira Áurea Moretti Pires, de 68 anos, uma das vítimas do regime na região de Ribeirão Preto (SP) entre as décadas de 1960 e 1970. Fichada em documentos recém-disponibilizados pelo Arquivo Público do Estado de São Paulo, ela chegou a ficar no Presídio Tiradentes, em São Paulo (SP), no mesmo período em que lá esteve a presidente Dilma Rousseff (PT).

Segundo Áurea, os documentos para consulta pública podem dar evidências sobre o real destino de pessoas perseguidas e que nunca mais foram encontradas. “Queremos saber onde estão os corpos, quem foi que matou e dar o retorno para as famílias, porque há famílias esperando a notícia há mais de 40 anos. É o casal que não troca a chave da porta, porque sempre pensa que a menina deles vai voltar. Com a abertura dos arquivos, muita coisa está vindo à luz do dia e é isso que a gente quer”, disse.

A enfermeira acredita que as evidências – expostas em um milhão de documentos – poderão ajudar também a relacionar e responsabilizar os militares envolvidos nas torturas de civis. “Que seja dita a verdade, que sejam nomeados os torturadores que mataram nossos companheiros e companheiras.”

No acervo disponibilizado pelo Arquivo Público, Áurea é citada ao menos duas vezes. Na primeira ficha, de 1969, ano em que foi presa por se opor ao regime militar, consta que ela foi interrogada sobre Vanderley Caixe, outro representante esquerdista da região. Em outro documento, de junho de 1972, os militares informam que a militante havia acabado de encerrar uma greve de fome e tinha sido transferida. “A greve foi porque eles começaram a sumir com nossas lideranças no Presídio Tiradentes”, afirmou Áurea.

Acervo traz ficha sobre a enfermeira de Ribeirão (Foto: Reprodução/ Arquivo Público do Estado de São Paulo)

Torturas

Áurea se lembra que, após a elaboração de relatórios como os que foram divulgados, ela e outros presos políticos eram obrigados a assinar e em seguida eram espancados – em muitos casos até desmaiar. No entanto, a violência era muito pior, relata a enfermeira, que chegou a ficar três anos e meio presa e por um ano esteve em liberdade condicional.

Durante o período de detenção, em presídios como o de Tiradentes e de Presidente Venceslau (SP), além de unidades da polícia em Ribeirão Preto, ela alega que constantemente sofria choques elétricos, do órgão genital aos ouvidos. “Eles jogavam água no corpo para aumentar o efeito e era a noite inteira tomando choque em todas as partes. Até hoje não entendo como a gente sobreviveu. Muitos morreram”, relatou.

Áurea Moretti foi perseguida pelo regime militar entre 1960 e 1970 (Foto: Reprodução/EPTV)

Por ao menos seis meses, Áurea diz ter convivido com a presidente Dilma Rousseff no Presídio Tiradentes. “Ficamos presas na Torre das Donzelas [masmorra feminina]. Depois veio a greve de fome e foi quando nos separamos. Eu fui de castigo para a penitenciária de Tremembé e de lá sai com liberdade condicional de um ano.”

Mesmo o período posterior à detenção, a enfermeira disse que foi alvo constante da vigilância e chegou a ser ameaçada por frequentar um centro espírita em Ribeirão. “Eles me vigiavam, me seguiam e não me davam sossego. De repente a polícia cercava minha casa para ver se eu não estava em algum grupo.”

 

Outros casos

Áurea é uma das pessoas perseguidas pelo regime militar e fichadas pelo Deops na região de Ribeirão. O jornalista e ex-deputado estadual Luciano Lepera (1923-2010) é destacado pelo departamento por seu ativismo comunista. O advogado Vanderley Caixe (1944-2012) é citado por sua atuação como dirigente da Frente Armada de Libertação Nacional, grupo opositor à ditadura, quando era estudante de direito em 1969. O jogador Sócrates (1954-2011) também foi fichado pelo Deops em razão de sua volta para Ribeirão Preto em 1988 após encerrar sua carreira nos campos.

Documento aponta Sócrates como possível candidato do PT em Ribeirão Preto (Foto: Reprodução/ Arquivo Público do Estado de São Paulo)

 

Histórico

O Deops foi criado em 1924 e funcionou até 1983. O órgão tinha como objetivo prevenir e reprimir delitos considerados de ordem política e social contra a segurança do Estado. Para isso, monitorava as atividades de pessoas e grupos considerados potencialmente perigosos à ordem vigente.

O Deops foi criado na década de 1920 em função de mobilizações políticas no Brasil, como greves trabalhistas, a formação do Partido Comunista do Brasil (PCB) e o movimento tenentista. O órgão, entretanto, ganhou maior visibilidade durante a ditadura militar.

 

Fonte – G1

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