Universidade Metodista de Piracicaba foi ‘fichada’ pela ditadura nos anos 80

Documentos comprovam que Unimep foi investigada durante período. Estado monitorou eventos acadêmicos, greves e demissão de reitor.

Estado investigou greves e paralisações em 1985 na Unimep (Foto: Arquivo/Acervo IEP.CCMW/IEP)

A Universidade Metodista de Piracicaba (SP) foi uma das instituições investigadas pelo extinto Departamento Estadual de Ordem Política e Social em São Paulo (Deops), que teve documentos digitalizados e liberados para consulta pública no último dia 1° de abril. Eventos acadêmicos, greves de professores e alunos e a demissão de um reitor constam nos arquivos. A Unimep foi fichada na década de 1980, durante e depois do final da ditadura (1964 – 1985) no Brasil.

Cerca de um milhão de páginas de documentos foram digitalizados pela Associação dos Amigos do Arquivo Público de São Paulo em parceria com o projeto Marcas da Memória, da Comissão de Anistia do Ministério da Justiça.

O Deops, criado na década de 1920 e extinto no final dos anos 80, tinha como objetivo prevenir e reprimir crimes considerados de ordem política e social contra a segurança do Estado. Para isso, monitorava as atividades de pessoas e grupos considerados potencialmente perigosos à ordem vigente. O órgão ganhou maior visibilidade durante a ditadura militar.

A Unimep foi investigada pelo Deops entre 1983 e 1986. Segundo informações analisadas peloG1 na última sexta-feira (12), foram registrados 33 eventos em cinco fichas. O primeiro foi um seminário de educação popular realizado na instituição em 15 de junho de 1983.

A última ficha é de três anos depois e registra uma entrevista do reitor que assumiu a instituição na época, Almir de Souza Maia para a imprensa. O noticiário do período abordava novas metas da gestão da Unimep.

 

Demissão de Boaventura

Um dos casos monitorados pelo Deops aconteceu entre 12 de janeiro e 22 de fevereiro de 1985. Na ocasião, o então reitor da instituição, Elias Boaventura, e o vice, Almir de Souza Maia, foram retirados dos cargos pelo Conselho Diretor da universidade. Ocorreram protestos de alunos e funcionários que pediam a volta dos dirigentes.

O momento mais grave da crise foi no dia 18 de janeiro, quando o então bispo metodista Messias Adriano, executor da intervenção na instituição, afirmou à imprensa que a crise administrativa poderia levar ao fechamento da universidade. No dia 22 de fevereiro Boaventura, de volta ao cargo, pediu conciliação. Ele faleceu no dia 7 de janeiro de 2012, após sofrer um acidente vascular cerebral (AVC).

Sylvana Zein, de 55 anos, foi casada com Elias Boaventura entre 1988 e 2012. Analista financeira, trabalhou na administração da Unimep entre 1976 e 2011. Ela disse ao G1 que a universidade, na época da ditadura, era monitorada pelos militares. “Existiam pessoas do governo infiltradas entre estudantes e professores, assim como em outras universidades.”

Estado apurou fatos após demissão de reitor da Unimep (Foto: Arquivo/Acervo IEP.CCMW/IEP)

 

Sylvana disse que o marido chegou a receber ameaças do CCC (Comando de Caça aos Comunistas). “Houve um tempo em que os filhos dele tiveram de andar com seguranças”, afirmou a esposa de Boaventura.

 

Greves

Ações grevistas eram frequentemente monitoradas pela ditadura e atos dessa natureza também chamaram a atenção do regime para a Unimep. Todos os professores entraram em greve no dia 21 de setembro de 1984 e 6.000 alunos da instituição ficaram sem aulas. A greve terminou no dia 27 de setembro. Menos de um ano depois, em 25 de junho de 1985, 50 alunos invadiram a sede da reitoria para pedir a revogação do reajuste das mensalidades. A invasão acabou dois dias depois.

 

Importância histórica

A socióloga e professora da Unimep, Conceição Fornasari, disse que a divulgação de documentos da época da ditadura é um “momento histórico”.

“Pesquisadores tinham uma dificuldade muito grande para desenvolver trabalhos sobre o assunto pois não tinham acesso a muitos documentos. Do ponto de vista político e de direitos humanos, é um momento histórico porque nos ajuda a prevenir que erros do passado não sejam cometidos novamente”, afirmou.

Conceição, que dava aulas na Unimep durante a saída e a recondução do reitor Elias Boaventura ao cargo, disse que momentos como aquele ajudaram a reconduzir o Brasil à uma democracia. “Foram três momentos. O de organização, quando professores, alunos e funcionários ocuparam a universidade para protestar, o de resistência, quando permanecemos dentro dos prédios e o da vitória, quando Boaventura foi reconduzido ao cargo.”

 

Fonte – G1

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