Senhor presidente, senhoras e senhores Deputados,
Nesta quarta-feira (16/05), foram empossados os integrantes da Comissão da Verdade, que terá o histórico papel de apurar violações aos direitos humanos praticadas pelo Estado durante a ditadura militar. Como ex-preso político, resistente e combatente, tive a felicidade de presenciar este momento. Com todos os limites que foram colocados por setores conservadores de nossa sociedade, refratários a que a plena verdade venha à tona, a instalação da Comissão é uma conquista, e por isso deve ser celebrada. Sua concretização é resultado da persistência daqueles que tombaram nos porões da ditadura e de todos e todas que seguiram lutando para que a democracia retornasse ao país, e para que o direito à memória e à verdade fosse garantido na prática.
Mas nossa preocupação continua. Fazemos parte dos setores que entendem que, para haver justiça, para haver verdade, para virar a página da história do Brasil que enlameou este País durante o regime militar, é necessário que se faça uma investigação profunda, que se abram os arquivos e que aqueles agentes do Estado que praticaram crimes de lesa-humanidade venham a julgamento, para que essa história não se repita. Isto não significa revanchismo, significa justiça, verdade, porque todos aqueles que estiveram na resistência à ditadura foram punidos, assassinados, torturados ou desaparecidos.
Agora então é momento de sermos vigilantes e alertas, para que a Comissão da Verdade efetivamente cumpra seu papel. Em todo o país, comitês se organizam para acompanhar este trabalho. Em São Paulo, meu estado, diversas organizações de defesa dos direitos humanos, ativistas, jornalistas se reúnem desde o ano passado para pressionar o governo pelo funcionamento de uma “comissão de verdade”. Esta semana, após o anúncio dos nomes dos integrantes do novo órgão, o Comitê Paulista divulgou nota manifestando preocupação tanto com sua composição quanto com declarações de alguns dos membros da Comissão.
Apesar de a Presidenta Dilma ter afirmado ontem que escolheu seus integrantes levando em conta “uma biografia de identificação com a democracia e aversão aos abusos do Estado”, o Comitê Paulista Memória Verdade e Justiça lembrou que o ministro do Superior Tribunal de Justiça Gilson Dipp atuou contra os familiares dos guerrilheiros do Araguaia, cujos corpos encontram-se desaparecidos até hoje, quando trabalhou como perito do Estado brasileiro na Corte Interamericana de Direitos Humanos.
Segundo o artigo 2º, §1 inciso II da lei que criou a Comissão, “não poderão participar da Comissão Nacional da Verdade aqueles que (…) não tenham condições de atuar com imparcialidade no exercício das competências da Comissão”. O Comitê Paulista pediu, assim, a revogação da nomeação de Gilson Dipp.
Na mesma nota, o CPMVJ repudiou “as inoportunas e intempestivas declarações” de membros da Comissão de que é “impossível” a revisão da Lei de Anistia. Vale lembrar que a persecução criminal aos responsáveis por crimes contra a humanidade foi assumida como obrigação pelo Estado brasileiro perante a Corte Interamericana de Direitos Humanos. A criação da Comissão da Verdade, inclusive, representa o cumprimento de parte da sentença que condenou o Brasil internacionalmente. Em outros trechos de sua decisão, a Corte da OEA determina a punição dos torturadores.
E muitos deles estão aí, vivendo com a tranquilidade que a Lei de Anistia lhes proporcionou. Na última segunda-feira, diversos deles foram publicamente expostos em mais uma ação do Levante Popular da Juventude, uma belíssima articulação de nossos jovens, que tem buscado identificar e publicizar onde vivem e o que fazem os agentes da repressão da ditadura militar espalhados pelo país. A militância do PSOL faz parte do Levante Popular.
Ao todo, foram realizadas 12 mobilizações em 11 estados. Oito agentes foram denunciados por meio dos chamados “esculachos”, que tentam reverter o silêncio e a impunidade acerca dos crimes praticados pelos militares. Seu objetivo também é garantir que a Comissão tenha liberdade para fazer o seu trabalho e alcance seus objetivos.
Em São Paulo, o protesto foi contra o homem que torturou a Presidenta Dilma Rousseff, o tenente-coronel reformado Maurício Lopes Lima, que vive no município do Guarujá, no litoral do estado. Em Belo Horizonte, o alvo foi a casa de João Bosco Nacif da Silva, médico-legista da Policia Civil da ditadura militar, denunciado pela participação num crime de assassinato e tortura na capital, em 1969. João Bosco foi responsável por autos de corpo delito na época, como no caso de João Lucas Alves, ao atestar um laudo médico dizendo que o jovem havia se suicidado. No Rio de Janeiro, a manifestação foi em frente à casa do torturador José Antônio Nogueira Belham, no Flamengo. Belhan, envolvido nas torturas como colaborador e informante, foi o chefe do DOI-CODI do Rio. Dentre as inúmeras torturas e assassinatos cometidos em sua repartição está a do engenheiro civil e militante pelo Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) Rubens Paiva.
Em Salvador, cerca de 150 jovens protestaram diante da Associação de Karatê da Bahia, fundada pela família do torturador Dalmar Caribé, cabo do Exército na ditadura e responsável pelos assassinatos dos lutadores populares Carlos Lamarca e Zequinha Barreto. Em Sergipe, o esculachado foi o médico apoiador da ditadura Dr. José Carlos Pinheiro, diretor do Hospital e Maternidade Santa Isabel. Ele é acusado de acompanhar presos políticos submetidos à tortura no 28° Batalhão de Caçadores, “diagnosticando” a saúde dos homens e mulheres torturados para determinar se eles aguentariam ou não mais atos de violência.
Em Pernambuco, o torturador escolhido foi o desembargador aposentado Aquino de Farias Reis, delegado de plantão no DOPS de Pernambuco quando o preso político Odijas Carvalho, estudante de agronomia da Universidade Federal Rural de Pernambuco, foi barbaramente torturado e morto aos 26 anos de idade. A ação aconteceu em frente ao Condomínio Ilha do Retiro, onde fica sua residência. Em Belém, a ação de escracho foi em frente ao prédio do Ministério da Fazenda, onde trabalham dois torturadores da ditadura militar: Magno José Borges e Armando Souza Dias. Os dois, ligados ao DOI-CODI, estiveram no episódio da Guerrilha do Araguaia.
Fica claro, portanto, senhoras e senhores Deputados, que a sociedade brasileira permanece alerta. E que, sobretudo a nossa juventude, exige conhecer toda a verdade sobre nosso passado recente. Deste Parlamento e também nas ruas, o PSOL seguirá cobrando mais do que a verdade, mas também justiça às vítimas das brutais violações de direitos humanos praticadas pelo Estado brasileiro poucas décadas atrás.
Não aceitaremos calados que aqueles que intimidaram, torturaram, estupraram, fizeram “desaparecer” e mataram sob a autoridade do Estado sigam impunes, e que continue prevalecendo no país a falaciosa idéia de que a Lei de Anistia garantiu a “reconciliação nacional”. As famílias e as vítimas e sobreviventes da ditadura tem direito de saber o que foi feito de seus entes e onde estão os seus algozes; a memória não pode permanecer restrita aos documentos que seguem escondidos.
Apesar de ser independente, a autoridade da Comissão da Verdade tem que ser garantida pelo governo federal, por este Legislativo, pelo Judiciário e também pela sociedade como um todo. Estejam certos de que o PSOL não se omitirá de mais esta luta.
Desejamos aos membros da Comissão da Verdade um trabalho profícuo, porque precisamos virar essa página da história brasileira; que, em nome da democracia, da liberdade e da construção de uma sociedade igualitária, essa Comissão funcione de verdade.
Muito obrigado.
Ivan Valente
Deputado Federal PSOL/SP