‘Todos que comungamos do direito internacional dos direitos humanos não podemos considerar autoanistias como válidas’, esclarece coordenador da CNV
O direito à justiça é inseparável do direito à verdade”, disse Paulo Sérgio Pinheiro (Foto: CNV)
Os membros da Comissão Nacional da Verdade (CNV) utilizaram boa parte da entrevista coletiva que ofereceram hoje (29) em São Paulo para acabar com qualquer dúvida sobre sua contrariedade à maneira como o Judiciário brasileiro interpreta a Lei de Anistia. “Todos que comungamos do direito internacional dos direitos humanos e do Sistema Interamericano de Direitos Humanos não podemos considerar autoanistias como válidas”, expressou Paulo Sérgio Pinheiro, coordenador do grupo encarregado de investigar os crimes da ditadura.
A Lei 6.683 foi aprovada pelo Congresso Nacional e sancionada pelo presidente João Figueiredo em 1979, ainda durante a ditadura, para anistiar a “todos quantos cometeram crimes políticos e conexos com estes”. A legislação beneficia tanto as pessoas que resistiram à ditadura – e que eventualmente perderam seus direitos civis e políticos – como os agentes do Estado brasileiro que concretizaram a repressão, promovendo torturas, sequestros, assassinatos e desaparecimentos.
Em 2010, o Supremo Tribunal Federal (STF) ratificou por diferença de apenas dois votos a interpretação dos militares, ou seja, a de que a Lei de Anistia se estendia a todos os brasileiros – e não apenas aos que foram perseguidos pelo regime, como defendem as entidades de direitos humanos. É contra essa visão que os membros da CNV agora esclarecem sua contrariedade, sem deixar quaisquer dúvidas. O grupo embasa sua posição em “dezenas de sentenças internacionais” e também na experiência de comissões da verdade de outros países latino-americanos.
Direito à justiça
“O direito à justiça é inseparável do direito à verdade”, continua Pinheiro. “Para todas as comissões que não têm papel judicial, como a nossa, as investigações servem no horizonte sempre para a responsabilização dos perpetradores das graves violações de direitos humanos.” Segundo o coordenador da CNV, a possibilidade de que os torturadores venham a ser processados pelos crimes que cometeram durante a ditadura está fazendo com que a comissão trabalhe com todo zelo. “O relatório deve ser consistente, denso e cuidadoso para que possa servir para a eventual responsabilização dos criminosos.”
É por isso que o grupo mantém “diálogo muito produtivo” com o Ministério Público Federal para “aperfeiçoar sempre nossos métodos”, explica Pinheiro. Mas a advogada Rosa Cardoso, membro da comissão, adianta que é bastante provável que nenhum torturador seja punido se a sociedade civil brasileira não se mobilizar para esta finalidade. “Nós estamos fazendo nosso trabalho, e faremos nossas recomendações”, diz. “Não pode estar fora a recomendação de que se faça justiça. Mas isso só vai acontecer se houver movimento que faça com que essa ideia de revisão da anistia seja mais forte, difundida e apoiada.”
Com esse intuito, os comitês de memória, verdade e justiça de todo o país devem organizar uma marcha nacional até Brasília em setembro para mobilizar o povo brasileiro em prol da necessidade de revisar a Lei 6.683. “É necessário, neste momento da história do Brasil, fazer com que o povo vá às ruas e, de maneira clara, cristalina e combativa, trate do problema da reinterpretação da Lei de Anistia”, explica Paulo Fonteles Filho, do comitê paraense. “Achamos que é o momento do povo brasileiro participar dessa discussão, em particular a juventude.”
A CNV já interrogou cerca de 80 agentes do Estado brasileiro acusados de cometer graves violações aos direitos humanos durante a ditadura. “Até agora, todas as oitivas foram realizadas a portas fechadas”, pontuou Paulo Sérgio Pinheiro, “mas isso não quer dizer que as próximas também serão.” A comissão trabalha com uma lista de 1.500 pessoas sobre as quais recai suspeitas de haver torturado, assassinado, sequestrado e desaparecido com corpos de opositores do regime entre 1964 e 1985. Os nomes constam do livro Brasil: Nunca Mais. “Esse esforço é essencial para a reconstituição das cadeias de comando do terrorismo de Estado”, avalia o coordenador.
Fonte – Rede Brasil Atual