Para o presidente da Comissão da Anistia, falta de antropólogos e arqueólogos forenses atrapalha trabalho no cemitério de Perus
O presidente da Comissão da Anistia e secretário nacional de Justiça, Paulo Abrão, disse nesta segunda-feira, em São Paulo, que a deficiência estrutural do sistema de Justiça brasileiro dificulta os trabalhos de busca e de identificação das ossadas que foram encontradas em 1990 na vala clandestina do Cemitério de Perus, em São Paulo. Entre os restos mortais, acredita-se que muitos são de desaparecidos políticos da ditadura militar.“Esse caso, da vala clandestina de Perus, aponta na cara do Estado uma deficiência estrutural e organizacional do nosso sistema de Justiça. O fato de não podermos constituir uma expertise e uma carreira de Estado de antropólogos e arqueólogos forenses demonstra um vácuo, uma lacuna no Estado de Direito brasileiro”, disse Abrão, ao participar na tarde desta segunda-feira de uma audiência pública na Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp), promovida pela Comissão Estadual da Verdade de São Paulo para discutir a questão das ossadas do Cemitério de Perus.
Segundo Abrão, a dificuldade de cada Estado brasileiro em criar a carreira de antropólogos e arqueólogos forenses, “tem impedido novos avanços” em casos envolvendo os mortos e desaparecidos políticos. “Não existe no Brasil um órgão específico, com uma carreira profissional e estatal, de antropólogos e arqueólogos forenses. É o momento de pensarmos sobre isso. Isso compete aos Estados, que constitucionalmente são responsáveis pela matéria de segurança pública, e poderia também existir uma unidade administrativa federal”, disse ele.
A vala clandestina de Perus foi aberta em setembro de 1990 durante o governo da então prefeita de São Paulo Luiza Erundina (à época no PT, atualmente deputada federal pelo PSB). No local foram encontradas 1.049 ossadas sem identificação. Na época, a prefeitura determinou a apuração dos fatos e fez um convênio com a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) para a identificação das ossadas, mas o trabalho foi interrompido e as ossadas foram levadas, em 2001, para o Cemitério do Araçá, onde estão guardadas até hoje, sob responsabilidade da Universidade de São Paulo (USP).
Além de Paulo Abrão, também participaram da audiência pública os deputados estaduais Adriano Diogo (PT) -presidente da Comissão Estadual da Verdade – e Carlos Giannazi (Psol), o membro da Comissão da Verdade e da Comissão de Mortos e Desaparecidos Políticos Ivan Seixas, a integrante da Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos Suzana Lisboa (que foi casada com Eurico Tejera Lisboa, o primeiro desaparecido político do Brasil e que foi o primeiro corpo de desaparecido político a ser localizado no País), a procuradora da República Eugênia Gonzaga, a ex-vereadora Tereza Lajolo (que foi relatora de uma Comissão Parlamentar de Inquérito Municipal sobre Perus), o ex-superintendente do Serviço Funerário Municipal Rui Alencar e o secretário municipal de Direitos Humanos e Cidadania, Rogério Sottili.
Durante a audiência pública, a procuradora da República Eugênia Gonzaga citou outro problema que afeta a identificação das ossadas de Perus. Para ela, falta vontade política e verba governamental para desenvolver o trabalho. Citando os versos da música Pesadelo, de Maurício Tapajós e Paulo César Pinheiro, a procuradora disse que o governo não tem dado “nem troco” sobre a questão envolvendo os mortos e desaparecidos.
“Um pouco eu acho que é esse medo das autoridades, que não querem dar esse troco e, na verdade, não estão dando nem troco, nem trocado”, disse ela. Eugênia acrescentou que há falhas também na destinação do dinheiro. “Tem milhões (do governo) para se digitalizar documentos (da ditadura), documentos que não estão nem sendo lidos, mas não há dinheiro para fazer a identificação dos mortos aqui (no cemitério de Perus)”, reclamou ela.
A falta de recursos também foi citada por Ivan Seixas como um grande problema para a identificação das ossadas. “O governo federal tem a obrigação de oferecer recursos para fazer a identificação, seja antropométrica seja por DNA. E isso não está sendo feito”, disse. “É preciso ter uma equipe que entenda disso, com tecnologia, e ter recursos para pagar um laboratório que faça o teste de DNA, que hoje não é uma coisa muito cara como já foi no passado. Tem que colocar recursos para fazer a catalogação (das ossadas) e depois fazer a identificação, seja por DNA ou por outro meio qualquer”.
Paulo Abrão, no entanto, disse que é preciso reconhecer que o governo tem investido na busca e identificação das ossadas de desaparecidos políticos, citando o trabalho que vem sendo desenvolvido no Araguaia. “Têm sido investido nos últimos quatro anos em torno desse trabalho”.
Fonte – Agência Brasil