A força do ato de oficio do Estado via agentes em off ou na surdina é por excesso demasiadamente pesado ao violentar as reações da resistência civil na defesa dos princípios da coletividade, da democracia representativa e da dignidade humana plena, portanto se justiça é dar o que de direito é a quem a ela provoca, faz-se mister a aplicação penal da lei àqueles que por motivação ideológica e/ou no exercício da função empenhou-se em calar ou aniquilar opositores do famigerado regime militar. Todas as monstruosidades dos Atos Institucionais em nome da Segurança Nacional, as torturas excruciantes, as ações beligerantes e descabidas da necessidade de força deveriam atrair a inversamente rigorosa ação da justa lei na plenitude do Estado Democrático do Direito àqueles que por 21 anos cassou na planície a cidadania brasileira. Em 1964 o destino da Nação foi usurpado. O inevitável progresso social de espírito comunitário, de todo um povo cuja ambição pretendia obter a plenitude cidadã encontrou nos encastelados do EMFA num grupo de céleres mentores com altas patentes militares um inimigo voraz e implacável. Quando assistimos com desdém (inveja) os sucessos da Argentina preferimos realçar grandezas naturais do país, mas fato é que os hermanos estão a nossa frente em muitos quesitos. O general Jorge Mario Videla amargou os últimos anos de vida numa cadeia. Saiu morto porque era velho. Por aqui a norma nº 6.683/79, a popular lei da anistia política ampla e irrestrita de Figueiredo articulados pelo generalato cinco estrelas condicionou a réplica dos vitoriosos (sociedade civil) aos critérios do poder dos derrotados (governos militares); contudo absque bona fide, nulla valet praescriptio (nenhuma prescrição vale sem a boa fé). Lamentável a primazia libertária que não supera belicosos opressores. A libertação do espírito opressivo quando fruto objetivo da consciência do oprimido exige deste o sacrifício de iluminar n`alma do inimigo a revelação de seu status de algoz clamando este ao reconhecimento de sua qualidade redimindo ambos ao encontro da luz, pois estranhamente é nos tempos de paz que a guerra de ontem sedimenta o caminho da fraternidade, porém isso não ocorreu e assim perdemos outra oportunidade de expurgação cívica.
Neste país é visível e risível o micro poder que impera nas microrrelações que se desdobram ad infinitum no “jeitinho” brasileiro presente nas atividades laborais. Estas justificam o mau modus operandi da coletividade. É uma moléstia estrutural, diagnosticado por Sérgio Buarque de Holanda (pai de Chico Buarque), em 1936 e dissecada na obra Homem Cordial. Segundo seu prognóstico apelamos aos preceitos da indiferença no sentido do não revide do sujeito brasileiro, uma vez que a palavra cordial remete ao latim cordis, significando coração. O homem cordial é, assim, alguém que age com o coração ao invés da razão. Esta deformidade se nota dentro das instituições republicanas cujo desempenho esperado é garantir à impessoalidade, a moralidade, a eficiência, a publicidade e legalidade dos atos normativos e alhures, de modo que estamos até que se demonstre contrário condenados ao eterno retorno da tolerância resignante a custos altíssimos pagos pelo contribuinte sem direito ao conhecimento do aprendizado reflexivo da verdade pura e indelével. O imperativo do artigo 1º da dita lei da anistia concede o perdão a todos quantos, no período de 1961 a 79 cometeram crimes políticos ou conexos mesmo sem requisitar o indulto incondicional de seus atos. É impressionante a aptidão do caráter do brasileiro em deixar p`ra lá aquilo que nunca deveria ser esquecido. É a síndrome de Estocolmo em escala coletiva assimilada pelas gerações posteriores ao golpe de 64 a explicação de parte da simpatia mediadora do presente com a memória?
Dipp, Fonteles, Pinheiro e demais componentes da CNV sendo probos notáveis e acima de quaisquer suspeitas com ilibadas reputações incorrem contra o tempo, uma vez que o balanço qualitativo publicado recentemente ao exumar “verdades” e versões antigas, somente confirmam as tragédias do período, seguindo nesta rota imagino que os titulares da comissão já redigiram seus protocolares veredictos anunciando meros reparos nas versões oficiais para em seguida sepultar no mausoléu da História aquilo que poderia ter sido (a maldição do futuro do pretérito que destrói a pura ética prática) a mais importante revisão de nosso passado indiciando todos os malévolos responsáveis com finalidade de levá-los a cimitarra da Justiça brasileira. No entanto conforme previsões de experts no tema, ao cabo da CNV um laudatório documento cauteloso na proteção das identidades e currículos dos malfeitores do período será seu produto final. É o Brasil a pátria do perdão ou é o limbo da cordial indefinição? Em Goiás canalhas e figurões adesistas do regime fizeram fortunas e hoje seguem gozando de prestigio e benefícios dos organismos públicos veladamente com anuência do establishment, enquanto às margens desse revisismo protocolar gerações de perseguidos sucumbem-se no calvário dos desassistidos. Não obstante marejar os olhos na solidariedade àqueles que padeceram nos males da ditadura nos torna mais humanos!
Fonte – Diário da Manhã