ENTREVISTA COM JOÃO VICENTE GOULART

“O mais importante não é apenas esclarecer a morte de Jango, mas resgatar o Brasil que nós perdemos em 1964”. Essa frase resume o desejo de João Vicente Goulart, filho do Presidente João Goulart, deposto com o golpe militar que impôs uma ditadura de 21 anos ao país. Para isso, a família pede que a exumação seja realizada e as investigações sobre a suspeita de envenenamento prossigam com base em evidências já entregues ao Ministério Público. Segundo João Vicente, falta vontade política para isso acontecer. Confira a entrevista na íntegra:

Alexandre: O que traz o senhor para São Paulo?

João Vicente: O sindicato dos metalúrgicos de Guarulhos, que é o terceiro sindicato da América Latina, em importância, faz 50 anos e está homenageando três grandes figuras, que são o Presidente João Goulart, que na época deu, por exemplo, o 13º, que hoje representa mais de 40 milhões de trabalhadores brasileiros, Almino Alfonso, que era o Ministro Do Trabalho de Jango, que deu a carta de funcionamento dos sindicatos dos metalúrgicos aqui de Guarulhos e está também homenageando nosso querido Zé Ibrahim, que foi um grande sindicalista que parou o Brasil numa época muito difícil da nossa República após a ditadura, como líder sindical, que depois foi trocado pelo embaixador americano.

Nota: Alguns dias depois desta entrevista, Zé Ibrahim faleceu em sua casa, vítima de infarto.

Alexandre: A existência do site do Instituto também ajuda a manter a memória de seu pai?

João Vicente: O nosso site quer promulgar, divulgar as reformas e as circunstâncias do golpe de Estado e falando nele, a gente propugna que 2014 no nosso país não é somente o ano da Copa, nós teremos a grande festa do futebol, mas também teremos que fazer na sociedade brasileira uma profunda reflexão, pois 2014 também são 50 anos do Golpe de Estado, quando foi quebrada a democracia, foi quebrada a Constituição brasileira, violados os maiores preceitos constitucionais que esse país já sofreu e que durou um antro de ditadura durante 21 anos e que nós temos a obrigação de preservar a memória e resgatar para as novas gerações aquilo que aconteceu.

Alexandre: Qual a importância de Jango ser lembrado ainda hoje com essas homenagens?

João Vicente: A importância de Jango, e eu sempre falo isso, foi a quebra da normalidade constitucional, aqueles que em 1964 derrubaram Jango sob alegações diversas, apoiados por uma política que não era nacional, era uma política orquestrada pelo Departamento de Estado Americano, tanto é que a 4ª frota americana estava na costa brasileira, no dia 31 de março e no dia 1º de abril de 1964, porque eles esperavam naquela época uma grande reação civil que, como já havia ocorrido em 1961, na renúncia de Jânio, quando o então governador do Rio Grande do Sul, Leonel Brizola, levanta a cadeia da legalidade, que é um dos grandes movimentos cívicos dessa República, porque une a civilidade, une os brasileiros em torno de uma cadeia da legalidade, de uma Constituição, dizendo “Não, Jango tem que assumir, Jango é o vice-presidente”. Então, pergunto eu hoje: Quem são os subversivos? Subversivos foram aqueles que deram o 13º, que fizeram a CLT, que estenderam a Previdência Social aos trabalhadores rurais? Ou são aqueles que subverteram a Constituição, que fecharam o Congresso Nacional, aqueles que promulgaram o AI-5, aqueles que perseguiram, torturaram, caçaram e foram atrás das pessoas que lutaram pela restituição da democracia? São essas as posições que a gente tem hoje que restaurar e restaurar em um sentido não prático, no sentido histórico, porque nós devemos hoje restaurar a História no nível acadêmico. A nossa população brasileira está muito cansada de projetos rápidos de parte do legislativo, vamos reformar a legislação eleitoral, vamos reformar a CLT… Não! Vamos fazer um grande projeto de reforma do Estado brasileiro que precisa evoluir, mas do ponto de vista acadêmico, não do ponto de vista político. Nossa sociedade está cansada das coisas políticas e é errado, vou te dizer, é errado porque hoje a maioria da grande imprensa e quando a gente fala “a grande mídia”, a gente sabe de quem está falando. Eles não querem a liberdade de imprensa, eles querem a liberdade de empresa de comunicação, eles querem ter o monopólio da comunicação. Então, quando a gente fala da restauração do processo das reformas de base de Jango, eles só estão abrindo hoje, porque nós estamos a 360 dias dos 50 anos do golpe, caso contrário não estariam abrindo. Eles precisam dizer o que aconteceu, a Globo, a Veja, a Folha, o Estado, eles precisam, eles não podem ficar fora dos 50 anos.

Alexandre: O senhor acredita que a Comissão da Verdade pode ajudar nessa restauração?

João Vicente: Olha, a Comissão da Verdade, eu acho que foi uma grande conquista da sociedade brasileira, principalmente desse período da Presidente Dilma, mas tem algumas falhas e alguns buracos que a gente pode falar da Comissão da Verdade em comparação a outros países que instalaram comissões da verdade. Nós, quando produzimos um documentário, que foi o “Jango em 3 Atos”, junto com a TV Senado, eu fui disfarçado de jornalista para entrevistar um agente, chamava-se Mário Neira Barreiro, um agente que dizia que Jango havia sido assassinado. Nós fizemos essa transcrição com o depoimento que ele deu e acionamos o Ministério Público. Como acionar o Ministério Público em um país onde a lei da anistia foi auto-promulgada? Como? Então, nós criamos o Instituto Presidente João Goulart e raciocinamos no seguinte sentido: Se nós como família fossemos pedir a investigação ao Juiz Federal brasileiro “Tenho aqui o depoimento de um agente…” Evidentemente nós teríamos uma resposta lacônica ao nosso pedido. Por quê? Porque nosso código penal aqui no Brasil diz que assassinato em 20 anos está prescrito. O que nós fizemos? Vamos pedir, em nome do Instituto João Goulart, o seguinte: Ele é um bem imaterial e cultural da nação brasileira. Jango foi um Presidente deposto que veio morto do exílio para cá, sem as mínimas condições, no momento da ditadura. O único presidente republicano deste país que não teve as honras oficiais de chefe de estado. Então pedimos ao Ministério Público que analisasse a possibilidade de uma ação civil pública e não pedimos em nome da família, porque tínhamos a certeza de que se pedíssemos em nome da família, nós teríamos a resposta lacônica, ou seja, “Está prescrito”. Agora, como bem cultural imaterial da nação, eles vão ter que dar uma resposta independente do que nós queremos. Você me perguntou da Comissão da Verdade, eu acho importante a Comissão da Verdade ter sido instalada, agora, eu acho importante a revisão da lei de anistia, nós não podemos ser um país com altruísmo e dignidade, multinacional, firmarmos tratados internacionais de Direitos Humanos com uma lei de anistia desse porte, uma lei que tem prescrição para crimes de lesa humanidade. No Brasil, crime de tortura em 20 anos tem prescrição. Então nós não podemos chegar aos tribunais internacionais e dizer “nós somos do Brasil”, enquanto nós tivermos essa lei da anistia, que foi retificada pelo STF, que foi uma auto-anistia, em 1979. Nós dizemos “Vamos resgatar a lei de anistia” quando o Brasil é signatário de alguns tratados internacionais de Direitos Humanos e não respeita condições básicas de que não existe prescrição para crimes de tortura, isto é uma lei fundamental, outra coisa são os crimes conexos. Sabe o que é crime conexo? Crime conexo é o seguinte, quando dois ou três subversivos raptaram o embaixador dos EUA para liberar os outros companheiros que estavam presos, o roubo do carro para raptar o embaixador é um crime conexo? Não está implícito no crime geral, quer dizer, ainda deve essa função à Justiça. É uma coisa incrível. São coisas que nós temos que rever.

Alexandre: Como foi conviver todos esses anos com as dúvidas a respeito da morte de seu pai?

João Vicente: As dúvidas começaram desde a época da morte, ou seja, quando um brasileiro morre no exterior, independente se é presidente da República ou não, seja de qualquer categoria, é feita uma autópsia antes de trazer o corpo para o Brasil. Na época, não foi feita autopsia nem na Argentina, nem no Brasil. Então qual é a nossa dúvida? Várias… Certidão de óbito, declarações de agentes, indubitavelmente nós temos hoje declarações do próprio serviço secreto brasileiro de que os agentes estavam lá, temos a declaração do agente que participou disso, temos declarações de pessoas que conviveram no Projeto Andrea em Santiago do Chile, na produção de 10 venenos da Operação Condor. O problema é o seguinte, nós temos que ter no Brasil, não é a solidariedade, é a vontade política das nossas autoridades. Eu gostaria que isso acontecesse, porque tem muita gente que diz que é a família que tem interesses subalternos, eu não quero isso não, eu só quero perguntar à Justiça brasileira, o porquê de o Chile já ter escutado o Michael Townley, o porquê de o juiz Baltasar Garzon já ter ouvido Fredrerick Latrash… Faz cinco anos que nós pedimos essa investigação e não se mexem. Será profundamente triste para a nossa soberania, porque Jango morreu na Argentina, que as nossas autoridades recebam de lá um pedido para nós exumarmos nosso ex-presidente, porque nós não tivemos a coragem nem a força política de pedir isso a um juiz. Será profundamente lamentável.

Alexandre: E como está esse processo na Argentina?

João Vicente: Está correndo, só que na Argentina a lei da anistia foi revista. A Argentina tem dois ex-presidentes que foram processados e condenados a cento e tantos anos e estão presos. Videla… O Uruguai teve o Brodaberry, que morreu, mas foi condenado. O Chile… E nós estamos aqui, vivendo como diz a Folha de S. Paulo, uma ‘ditabranda’ não precisa investigar nada, como se as ditaduras se valessem pelo amontoado de cadáveres que ela acumula… Aqui matou pouco, uns 700, na Argentina 30.000, então não precisa…

Alexandre: Em que momento a família começou a pensar que Jango poderia ter sido assassinado?

João Vicente: Nós, desde o começo, quando houve as primeiras investigações, em 2000, por exemplo, o Brizola pediu, inclusive porque o Brizola também foi alvo de uma tentativa de envenenamento, só que ele estava com uma pessoa na fazenda lá no Uruguai e conseguiu ir para o hospital e vomitar, mas em 2000 se abriu a primeira investigação. Foi uma comissão de investigação externa da câmara federal que o Miro Teixeira conduziu. Tem depoimento do Arraes, dizendo que estava na Argélia e que Jango estava na lista da Operação Condor. Encerra-se isto. Depois surge esse agente, que abre uma nova comissão no Rio Grande do Sul que diz que tem que ser investigado e nós pedimos toda a investigação que o Ministério Público tem que levar adiante.

Alexandre: Então, em sua opinião, isso não foi levado à frente por uma incompetência do Ministério Público ou por interesses escusos?

João Vicente: Não existe incompetência do Ministério Público. Ministério Público não é incompetente, ele é intolerante, se não existe vontade política, ele não vai para frente, mas quando existe vontade política, ele é um dos maiores investigadores de qualquer coisa. Inclusive hoje nós temos uma PEC em tramitação tirando do Ministério Público a capacidade de investigação, mas não é não, ele tem muita capacidade de investigação, ele só não é operante quando não existe a vontade política.

Alexandre: O senhor disse que entrevistou o agente Neira Barreiro, que teria participado da operação que assassinou seu pai. Com que sentimento encarou essa passagem?

João Vicente: Surgiu na TV Senado, porque na época, a Constituição de 46 determinava que o vice-presidente da República fosse o Presidente do Congresso Nacional nas reuniões em conjunto, então Jango foi Presidente do Senado, apesar de nunca ter sido Senador. Assim, tinha uma verba lá que nós fomos procurar e decidimos fazer um documentário. Surgiu o “Jango em 3 Atos” e nós já tínhamos conhecimento de que esse agente estava preso na PASC (Penitenciária de Alta Segurança de Charqueadas), eu disse “Como vou entrevistar esse cara?”, mas eu não poderia ir como filho de Jango. Quem fez o documentário foi o Deraldo Goulart, e pedi para ele me colocar como jornalista, assim nós entraríamos lá na prisão de segurança máxima. Entramos lá e tal… Começa a entrevista “Eu não sei por que vocês querem estar aqui, deve ser pela morte do Presidente João Goulart” E começamos a gravar, ele disse que estava saindo e no dia anterior haviam matado um prisioneiro… E eu quieto… Aí ele começa a falar com o Deraldo “Eu sempre soube, eu participei da morte, eu era do grupo Juventud Uruguaya de Pie (JUP), eu conheço toda a história…” E veio contando, aí ele disse “O João Vicente não quer mais nada…” E eu ali junto com eles, como jornalista. Estavam ali três ou quatros pessoas da TV Senado… ”Ele não quer mais nada, porque está criando gado no Maranhão…” Quando ele terminou de falar isso, eu digo, falando em espanhol com ele “Mario, posso falar contigo?” Ele “Você fala espanhol?” Eu disse “Sim, sou João Vicente Goulart”, ele leva um susto e diz “Vicente???”. Eu disse que estava ali depois de muito tempo, porque havia um jornalista uruguaio que já havia entrevistado ele, que sabia dessa história toda. Aí quando ele viu que era eu, ele pediu mil desculpas e abriu o verbo, aí denunciou o agente, quem foi não sei quem mais, quem foi o general que estava na operação… Eu pego tudo isso e é aí que entro no Ministério Público, porque o filme só pegou alguns trechos, só que eu peguei toda a entrevista. O Tarso Genro, na época, era o Ministro da Justiça, ele não acreditou e disse “Vou mandar a Polícia Federal, ele está falando muito para a imprensa, vou mandar a PF para entrevistá-lo”. O Tarso mandou a PF e ele falou mais ainda. Então era isso que eles tinham que investigar. O que nós temos? Nós temos uma denúncia feita no Ministério Público, que tem que ser investigada. Daqui a pouco receberemos uma carta rogatória da Argentina para que nós realizemos a exumação. Nós entramos com isso em 2007, vai fazer seis anos e o MP ainda não formatou a denúncia para mandar para um juiz?

Alexandre: Isso passa até por uma questão de soberania…

João Vicente: Mas claro que é de soberania, nós estamos acostumados a violá-la e não é de nossa parte, é da parte da justiça brasileira. Nós entramos com uma ação contra o Governo dos EUA sobre o golpe de estado porque o Lincoln Gordon esteve aqui em 2002, entre outubro e dezembro, para lançar sua biografia e disse que na época, tinha dado 5 milhões de dólares, o que dá 200 milhões hoje, para comprar parlamentares brasileiros, agora ninguém fala nisso.

Alexandre: Há novidades sobre esse processo?

João Vicente: Nós entramos com uma ação contra o Governo dos EUA, tivemos dois votos a favor, um voto contra e duas abstenções. Porque aqui tem um grande problema de jurisdição, quando você entra na justiça brasileira para condenar um estado estrangeiro, existe um problema de jurisdição, se pode ou não entrar no teu estado, na tua condição, condenando um estado estrangeiro. O Rezek já deu vários pareceres em função disso. O problema é que nós tivemos dois votos favoráveis, só que o STJ deu uma prerrogativa ao réu, que no caso é o governo dos EUA, que viesse aos nossos tribunais dizer se aceita ou não a nossa jurisdição, mas ele não pediu isso, nem sequer foi citado. É uma vergonha.

Alexandre: Seu pai morreu doze anos após o golpe, por que os militares ainda teriam motivos para querer assassiná-lo?

João Vicente: Jango, em 1964, foi cassado em seus direitos políticos por 10 anos, ou seja, em 1974 ele não devia nada e ainda continuava exilado, quando ele quis voltar ao Brasil, nós temos documentos do Silvio Frota dizendo “Se Jango voltar ao Brasil, será imediatamente preso, incomunicável…” Então, quem é que tinha medo? Eram os militares. Primeiro, ele foi cassado por 10 anos, não vamos entrar no mérito se é justo ou não, foi cassado por 10 anos e cumpriu. Não tinha mais nada, não tinha mais os direitos cassados em 1976 quando ele estava dizendo que ia voltar. Agora, no momento em que o mundo inteiro falava em Direitos Humanos, inclusive o Governo dos EUA de Jimmy Carter. Jango teria que voltar, mas… E vou dizer mais, nem toda a sociedade brasileira era Janguista, mas ele representava a queda da democracia, independente de ser Janguista ou não, ou seja, se ele voltasse em uma abertura política, quem representava a queda da democracia? Era ele! Esse era o grande medo que tinham as elites institucionais militares que tinham que abrir, mas não tinham como deixar Jango voltar, como outras figuras. Veja só, a gente tem uma tese, quando se instala a globalização, o próprio mercado americano para abrir, tinha na América Latina a instalação de todos os países ditatoriais. Você não pode falar em livre economia de mercado com ditadores, tem que abrir. Os próprios militares foram filhos espúrios disso aí, foram usados pelos americanos e no momento que não serviram mais, caíram fora. Só que para abrir a economia eles não podiam aceitar os nacionalistas. tanto de direita quanto de esquerda. Lacerda era um nacionalista de direita, Jango era nacionalista de esquerda. Eles não deixariam fazer a abertura da economia mundial, a globalização e nós estaríamos presenciando o que estamos presenciando hoje. Um governo, entre aspas, de esquerda, do PT, mas com remessas de lucros internacionais, leilões do petróleo, que o Brasil vai abrir para o mercado internacional, então isso não era possível com Jango, com Lacerda, com JK… Então vamos eliminar esses caras aqui e vamos trazer o Brizola, o Arraes… Mas não vamos deixá-los pegar o Governo, deixem chegar ao governo de estado.

Alexandre: O Juscelino faleceu um pouco antes de seu pai, em um acidente de carro. Naquela época já havia alguma suspeita de que ele também poderia ter sido assassinado?

João Vicente: Não, naquela época não. A suspeita veio depois, quer dizer, Juscelino morre em agosto, Jango em dezembro, Lacerda em maio de 77… Por quê? Um atrás do outro? Aqueles mesmos que tinham programado a Frente Ampla para lutar contra o regime militar… Então nós temos aí uma série de investigações a serem conduzidas. Acho que é um dever da sociedade brasileira analisar, ninguém está dizendo aqui que eles foram assassinados, temos que analisar, nós queremos saber por que Jango não pôde voltar, por que Jango era monitorado, por que tinha um agente “B” dentro do quarto de Jango, que nós temos documentos que dizem “Subtraí ontem de forma clandestina carta do Ulysses Guimarães, carta do Peron…” Esse agente que estava lá, que subtraiu do criado-mudo as cartas que o Jango tinha, pode ter trocado o remédio. Agora, quem nos deve informação é o Estado brasileiro. Quem é o agente “B”? Esse agente “B” estava reportando para o Serviço Secreto brasileiro, para o SNI, para o DOI-CODI… Então cabe ao Estado brasileiro nos informar quem era o agente “B” ou nós que estamos divagando? Nós temos documentos dizendo que o agente “B” subtraiu de forma clandestina… Aí nós que estamos divagando.

Alexandre: O senhor acredita que isso tudo pode servir de reflexão para as próximas gerações, já que é um passado que foi praticamente apagado?

João Vicente: O mais importante que a gente quer resgatar, não é apenas esclarecer a morte de Jango, a gente quer resgatar o Brasil que nós perdemos em 1964. O programa das reformas de base de 1964 resgataria o Brasil da indolência para o que hoje é a Coréia, que não era nada, tinha índices maiores de analfabetismo, hoje nós continuamos remetendo lucros das empresas do nosso país, hoje nós continuamos a ter um problema de neocolonialismo e quando eu falo de neocolonialismo, eu não falo nas naves pré-colombinas, que vieram tomar o nosso pau-brasil… A reforma bancária que Jango propôs… O que custou a Jango implantar a Embratel? Foi entregue de banda…Se o Carlos Slim quiser apagar nossas comunicações por três dias, ele apaga. O Brasil fica sem comunicações… Esse neocolonialismo, Santander, Telefonica e etc… Nós temos que ter uma postura, hoje, de resgatar o Brasil. Resgatar como? Quando Jango propôs a reforma agrária em 1964, ele era comunista. Porque a posse da terra era um valor intrínseco. Você não podia desapropriar uma área em 1964 se não tivesse o dinheiro à vista. A própria ditadura depois com o INCRA fez aquilo que Jango queria fazer para pagar em título da dívida agrária, que hoje é o TDA. Quando Jango propõe a reforma agrária, que já era necessária em 1964, 25% da população brasileira morava na cidade, 75% morava no campo, hoje inverteu. Esse problema de violência das grandes cidades é da migração. Olha o quanto seria mais difícil fazer essa reforma agrária hoje. E eu falei com o João Pedro Stédile em várias entrevistas e a melhor reforma agrária proposta era a de Jango. Porque não adianta fazer reforma agrária lá no Amazonas, colocar um contingente humano lá, sem escoamento… Vira índio. Reforma agrária a gente faz aqui na Dutra, em vez de dar 50 hectares, dá meio hectare com pivô central… Porque você tem escoamento de produção, você vende aqui do lado. Além dessa tem outras reformas, a educacional, a reforma bancária, a distribuição do crédito… Hoje, se você formar uma cooperativa e entrar no Itaú e eu quero um crédito de R$5.000 para cada costureira minha passa por várias burocracias, agora, se você der um título da dívida pública, eles te dão o crédito na hora, não perguntam nem de onde é. Então, quem que está bancando? É o BNDES. “Vamos modernizar os portos, entregar para o Eike” e quem financia é o BNDES? Por que não financia a costureira do morro? O Eike eles estão tendo que socorrer, mas a costureira não socorrem.

Alexandre: Sobre a morte do seu pai, como faz para separar o sentimento de justiça do sentimento de vingança?

João Vicente: Não existe isso, sentimento de vingança não. Jamais. Olha só, a morte independente ou não de ser o Jango, é uma coisa que se produz, independente se a gente vai conseguir provar ou não, é mais uma. Ele é mais um dos tantos que morreram, tombaram pelo caminho da liberdade. Não existe vingança, nem ele gostaria de existir vingança. Não sei se você conhece um conto de um gaúcho… ”A pátria é uma mãe de olhos verdes e uma menina de olhos verdes que se joga do 13º andar e quando chega no solo todo mundo acha que está morta, mas não, ela está viva, subindo de novo para o 13º andar”

Alexandre: No exílio, como seu pai se sentia não podendo voltar para o Brasil?

João Vicente: Jango dizia que o exílio era uma invenção do demônio, o exílio era uma morte estando vivo, que é pior do que morrer. E como a gente ficou no Uruguai, que era um país pertinho do Brasil, tinham brasileiros que o olhavam de longe e diziam “Olha lá, o Jango!”, mas não se animavam para chegar perto e dar um aperto de mão porque poderiam ser presos na fronteira. Os irmãos brasileiros dele… Aí ele dizia “Todos falam dos whiskies que eu tomo, mas não contam os tombos que eu levo” Os brasileiros falavam “Vamos lá, é Jango, vamos dar um beijo nele” Só que outros diziam “Pera aí, se não vamos ser presos na fronteira”. Esse é o exílio.

Alexandre: Segundo o General Leônidas Pires Gonçalves, os exilados deveriam ser chamados de fugitivos, já que nunca houve nada que proibisse a entrada deles no país. O que o senhor tem a dizer sobre isso?

João Vicente: Eu não tenho nada a dizer sobre isso. O que eu posso dizer? Diga a ele que pergunte para o cavalo dele!

Alexandre: Como separar Jango, o personagem da História, de Jango, o pai de família?

João Vicente: Eu não separo muito isso, porque como você tem um Presidente da República te fazendo um bife todos os dias, você não separa muito. Eu acho até que Jango não separava essa coisa pública da República, com a coisa pública da família, ele era o que era. Tanto é que eu me emocionei várias vezes aqui com os sindicatos. Jango foi uma pessoa que nasceu dentro de um galpão, nós projetamos uma frase dele que dizia “Não troco nenhum trabalhador brasileiro por qualquer um desses arrumadinhos da elite brasileira” Talvez Jango não tenha sido o melhor Presidente da História do Brasil, mas sem dúvidas foi o melhor Ministro do Trabalho que esse país já teve.

Alexandre: Com a exumação do corpo de seu pai, outras coisas também podem se tornar mais claras, além de sanar as dúvidas da família?

João Vicente: Eu acho que não, eu acho que a nossa proposta de exumação deve ser acompanhada com muita tecnologia, nós conversamos com a Ministra Maria do Rosário nesse sentido de, em comum acordo. O que nós não podemos fazer é teatro, então evidentemente que, antes da exumação, o que nós precisamos saber é que as variáveis são muitas e as variáveis não sou eu que falo, são variáveis de patologia humana, então nós já tivemos contato com a tecnologia da Polícia Federal, nós não podemos exumar o corpo do Presidente João Goulart sem saber o que fazer. O que pode ter havido? Dez possibilidades, foi gás sarin, foi cianureto, etc… Para cada uma dessas opções, nós precisamos ter os reagentes, então antes de nada, temos que preparar tudo isso. Nós já demos a autorização, a família já deu, mas desde que nós tenhamos o conhecimento de que tipo de procedimento tecnológico, bioquímico, vai ser usado. Nós não queremos fazer uma coisa que seja de plateia, nós já temos várias aqui como PC Farias… Nós exigimos ter um grupo de patologistas da família, vai ter um da Polícia Federal e vai ter um da Argentina, que quer acompanhar porque ele morreu lá… Aqui em São Paulo teve o campo de Perus, agora tem essa equipe Argentina que está estudando e é diferente porque os corpos foram enterrados no solo, lá não, nós temos caixão, está mais preservado. As variáveis são imensas. Nós vamos proceder isso, sem dúvida alguma, desde que tenhamos a convicção de que possamos ter respostas… Nós sabemos que se for sarin, não adianta… Nós da família pensamos “Vamos fazer e vamos ver o que dá”. Veja só, o poeta Neruda já foi exumado, está sendo examinado… O Arafat… Nós queremos uma coisa assim como o Arafat, a mesma opção química que foi feita, nós vamos levar para um grupo que a família vai determinar. O Arafat, por exemplo, foi exumado, foram tiradas quatro amostras de cada parte de seus restos mortais e cada uma foi levada para um lugar diferente: uma para a França, uma para a Suíça, uma para a Palestina e outra para a Rússia, as mesmas partes para serem periciadas de forma independente. Vamos ver o que diz cada parte dessas. Nós não temos o direito nem a esperança de que vamos ter alguma coisa. Hoje as técnicas são muito avançadas e nós vamos fazer, pelo menos para que a família possa ter uma tranquilidade e descansar em paz.

 

 

 

Por ALEXANDRE FERRARESE GUARIGLIA – aluno do 4º Ano de Jornalismo da PUC-SP e escreve semanalmente a coluna “Área Técnica” nas páginas do Super-Raio X do Paulistão e do Brasileirão no Diário LANCE! de São Paulo.

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