ESTREIA-“A Memória que me Contam” investiga geração que militou contra ditadura

O título do drama brasileiro “A Memória que me Contam” implica numa memória mediada, em uma narrativa que não é em primeira mão. Num primeiro momento, a questão remete à personagem Ana -interpretada por Simone Spoladore-, guerrilheira nos anos de chumbo, que agora agoniza numa cama de hospital.

Ela nunca é vista no presente, apenas na memória de seus amigos, que na sala de espera aguardam os acontecimentos e relembram seu passado. Sua melhor amiga era Irene (Irene Ravache), cineasta que está fazendo um filme sobre os anos de 1960.

De forma sutil, a diretora Lúcia Murat -que assina o roteiro com a premiada escritora Tatiana Salem Levy (autora do romance “A Chave de Casa”)- investiga como o passado e o presente dialogam nas figuras dos amigos militantes e seus filhos no presente.

Essa é, aliás, uma questão nem sempre muito bem resolvida no filme: a geração mais moça. Os principais personagens jovens são Eduardo (Miguel Thiré), filho de Irene, e Gabriel (Patrick Sampaio), filho de Ricardo (Otávio Agusto).

Os dois rapazes formam um casal e, ao contrário dos personagens mais maduros, aparecem como figuras menos bem delineadas do que a geração de seus pais.

Outro personagem que ajuda a estabelecer um contato entre o passado e o presente é Paolo, interpretado pelo ator italiano Franco Nero -recentemente visto em “Django Livre” e intérprete do personagem Django original nos westerns italianos.

Exilado no Brasil, Paolo é acusado de terrorismo em seu país. Embora possa lembrar de imediato Cesare Battisti, o personagem é, na verdade, inspirado num grupo de italianos que se refugiaram no Brasil na década de 1980.

O tom de réquiem que domina a narrativa é a cerimônia de despedida de Ana, que se mescla com a percepção dos personagens sobre o fim de suas utopias e dos ideais pelos quais lutaram. José Carlos (ZéCarlos Machado), por exemplo, era membro da resistência à ditadura militar e hoje é ministro da Justiça, o único do grupo que efetivamente chegou ao poder.

Com esse filme, Lúcia Murat (“Uma Longa Viagem”) revisita seu primeiro longa, “Que Bom te Ver Viva” (1988), também protagonizado por Irene Ravache, e inspirado na própria história da diretora, que foi presa política e torturada.

Irene, a personagem de “A Memória que me Contam”, poderia muito bem ser vista como a mesma pessoa daquele outro filme 25 anos mais tarde, agora com mais experiência e um tanto mais desiludida.

Em “A memória que me Contam”, Lúcia faz um retrato daqueles que no passado lutaram contra a ditadura e, atualmente, pertencem a uma classe média conformada em viver sem ilusões.

 

 

Fonte – Reuters Brasil

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *