Fonteles não saiu por causa de um assessor, diz membro da Comissão da Verdade

Claudio Fonteles não é uma “besta autoritária” para ter saído da Comissão Nacional da Verdade devido à discussão em torno da nomeação de um assessor; nem existe no colegiado uma “turma do silêncio” que impede colegas de divulgar seu trabalho.

Claudio Fonteles, que anunciou que sairia da Comissão Nacional da Verdade nesta segunda-feira (17)

Quem diz isso é Maria Rita Kehl, uma dos atuais cinco integrantes da comissão, sobre a renúncia ao cargo de Fonteles. Anunciada por ele próprio na segunda-feira (17), a saída explicitou as diferenças dentro do grupo.

“Ele não é uma besta autoritária para sair porque não gostou que contestaram um assessor”, disse Kehl à Folha, sobre a versão de que o motivo para Fonteles sair foi a resistência à troca de Pedro Pontual por André Saboia na secretaria-executiva do grupo. Segundo ela, explicação é fruto da “má-fé”.

Anteontem, membros do grupo deram essa versão para explicar a renúncia à Folha. Segundo eles, a resistência à troca de secretário-executivo partiu do grupo composto por Kehl, Paulo Sérgio Pinheiro, José Carlos Dias e José Paulo Cavalcanti, o mesmo que há meses discordava de Fonteles e da atual coordenadora, Rosa Cardoso, que nomeou Saboia.

“Acho que depois que a Rosa assumiu [a coordenação] teve muita divergência, porque ela foi para a imprensa antes de ter assumido. A gente reclamou. E depois teve a demissão do secretário-executivo, que de fato ela deveria ter passado pelo colegiado [e não sido escolhido apenas por Rosa]. Mas quando ela disse: ‘Só me sinto bem trabalhando com o André [Saboia]’, tá bom, que seja o André, ninguém ficou puxando o tapete.”

Ela afirmou que Fonteles “estava faltando muito [às reuniões da comissão], mas isso já faz muito tempo, não foi agora por causa da nomeação”. “Só vinha nas reuniões da manhã. Ele não fez nenhuma viagem, não foi a nenhuma audiência pública fora de Brasília. Então alguma coisa na vida pessoal dele estava segurando ele. Não sei o quê. Se ele disse que são razões pessoais, eu não quero especular.”

Procurado, Fonteles não quis comentar as declarações e disse apenas uma frase: “As pessoas falam o que querem. Viva a democracia”.

 

TURMA DO SILÊNCIO

Kehl refutou também a versão de que o grupo dela é contrário ou impede a transparência da comissão, em oposição a Fonteles e Rosa. “A gente não quer é que as pessoas saiam falando besteira. O que a gente fica é um pouco aflito com a ânsia de aparecer.”

Segundo ela, o fato de alguns membros serem discretos não significa que eles não estejam trabalhando. “Posso dizer que minha pesquisa [sobre camponeses e índios] está avançando muito. A pesquisa do Paulo Sérgio é fantástica, sobre mortos no interior do Itamaraty. Agora, as pessoas não têm tempo, e nem vontade, de a cada ovo sair cacarejando. Cada uma deve ter uma razão. Mas o que eu acho falso é que tem uma turma do silêncio, como se essa turma fosse capaz de impor silêncio aos outros quando nós somos um colegiado horizontal.”

Ela também refuta as críticas de que a divisão interna do grupo pode prejudicar seus trabalhos –já alvo de ceticismo, em especial sobre a possibilidade de narrar em detalhes cada uma das mortes, torturas e desaparecimentos ocorridos na ditadura militar (1964-1985), como obriga a lei que criou a comissão.

“Espero que não comprometa [os trabalhos] pelo seguinte: como ninguém manda em ninguém, felizmente, com todas as divergências, cada um tem independência para tocar seu trabalho. Eu digo por mim. Estou tocando bravamente. Tem trabalho andando bonito. A gente trabalha que nem loucos. Dizer que estamos perdidos é uma maldade.”

 

DEPOIMENTOS

A saída de Fonteles não deve atrapalhar um das medidas que ele defendia: a realização de depoimentos públicos com envolvidos nas violações aos direitos humanos na ditadura. O primeiro, do coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, levou a um bate-boca e troca de acusações entre o militar e pessoas da plateia. Depoimentos desse tipo são uma das principais apostas de Cardoso, que nos próximos dias deve anunciar os nomes dos novos convocados para falar.

Segundo a Folha apurou, o grupo já indicou para a presidente Dilma Rousseff um novo nome de fora da comissão para ocupar uma das duas vagas abertas pela saída de Fonteles e de Gilson Dipp –o segundo, por problemas de saúde. A assessora da comissão Luci Buff, indicada antes para a vaga, não aceitou a função por motivos pessoais.

 

Fonte – Folha de S.Paulo

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