Comissão da Verdade começa a ouvir depoimentos de ex-presos políticos em SC

A Comissão Estadual da Verdade Paulo Stuart Wright começou a ouvir pessoas que foram presas em Santa Catarina durante a Ditadura Militar (1964-1985). Membros da comissão estiveram na tarde desta segunda-feira (24) na residência do casal Salim Miguel e Eglê Malheiros, que foram presos em Florianópolis em abril de 1964, dias após o golpe militar.

O objetivo da comissão é colher informações que auxiliem no esclarecimento dos abusos cometidos contra os direitos humanos durante o regime militar em Santa Catarina. Essas informações vão auxiliar os trabalhos da Comissão Nacional da Verdade (CNV).

O escritor Salim Miguel, hoje com 89 anos, ficou preso por 48 dias, entre os meses de abril e maio de 1964, no Quartel-Geral da Polícia Militar, em Florianópolis. “Até hoje não sei porque fui preso”, afirma. Ele não era e nunca foi filiado a partidos políticos, mas um dos seus sócios na livraria da qual era dono era filiado ao Partido Comunista. Os livros comercializados no estabelecimento foram incinerados à época.

Salim não chegou a ser torturado fisicamente no período em que ficou preso. No entanto, está marcado em sua memória um “passeio”. Conta ele que foi retirado da cela e colocado num carro, onde estavam outros dois presos e dois oficiais. Em determinado momento, o veículo parou na cabeceira da Ponte Hercílio Luz e um dos oficiais perguntou o que seria de uma pessoa que fosse jogada da ponte. “Só jogando para saber”, respondeu o outro oficial.

“Nesse momento eu achei que fosse ser atirado no mar. Isso nunca saiu e nem vai sair da minha memória”, disse.

A professora Eglê Malheiros, 84 anos, lecionava no Instituto Estadual de Educação, em Florianópolis, e era filiada ao Partido Comunista. Assim que houve o golpe militar, ela foi proibida de entrar no seu local de trabalho. Dias após seu esposo ser preso, foi a vez dela ser levada de casa pelos oficiais.

“Não me lembro exatamente do dia em que fui presa. Mas me lembro que foi num fim de tarde. Minhas crianças ficaram em casa sozinhas”, disse. Eglê também não foi torturada, nem interrogada, mas respondeu a Inquérito Policial Militar. Dias depois, foi posta em prisão domiciliar. Só voltou a poder a entrar no instituto em 1979.

“O mais marcante disso tudo é que a mudança total que ocorre nas vidas das pessoas. De repente, muda tudo. Quem te visitava, não passa mais a te visitar”, afirmou.

Segundo Derlei Catarina de Luca, membro da comissão, mais depoimentos serão tomados nos próximos dias. “Nós já temos mais um depoimento marcado para a próxima semana”, disse.

A deputada Luciane Carminatti (PT), que representa a Assembleia Legislativa na comissão, destacou a importância dos depoimentos para o esclarecimento das violações cometidas durante o regime militar. “Essa é uma história que não pode ser refeita, mas que tem que ser olhada para que ela sirva de alerta para o futuro”, disse.

A comissão é formada por representantes do Tribunal de Justiça (TJSC), da Procuradoria-Geral do Estado, OAB, Assembleia Legislativa, e do Coletivo Catarinense pela Memória, Verdade e Justiça.

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