A origem sindical, Derly de Carvalho, 74 anos, e Elias Stein, 73, foram militantes contra o regime militar (1964-1985). Jovens quando militares tomaram o poder no País, ambos veem com entusiasmo as manifestações que acontecem nos quatro cantos do Brasil há mais de dez dias, avaliando que a juventude brasileira cansou dos moldes políticos vigentes.
Integrante do antigo PCB (Partido Comunista Brasileiro) e depois do PCdoB (Partido Comunista do Brasil), Derly lembra que os piquetes do passado eram traçados com muito mais gotas de suor, saliva e tinta de mimeógrafos, não apenas troca de mensagens pelo computador. “Essa facilidade não forma quadros”, lamenta o ex-diretor do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo. Ele avalia, porém, que a população começa a dar sinais de sair do período o qual ele classifica de “lavagem cerebral de gerações”.
“Quando você passa a fazer manifestação com combate aos políticos, ela nos mostra que hoje os partidos estão completamente desmoralizados. Principalmente as legendas considerados de esquerda. As agremiações hoje não têm diferença um para os outros. Tanto os de esquerda quanto os de direita. Foram todos corrompidos”, considera Derly.
Elias Stein evita fazer avaliações mais aprofundadas das manifestações dos últimos dez dias. “Nem governo nem sociólogos conseguiram ler o que vem das ruas”, atesta. Mas ele se diz superanimado com o que tem acompanhado pelos noticiários. “Quando vi alguém falando que o PT e as centrais sindicais deveriam dar um rumo para isso, fiquei perplexo. Eles não querem isso, não querem partido dizendo para onde têm de ir.”
LUTAS
Derly e Elias têm trajetórias de vida semelhantes até chegar ao Grande ABC. Ambos são de cidades do interior de seus Estados: Derly do município mineiro de Muriaé e Elias de Capivari, em São Paulo. A migração para a Capital, no entanto, têm objetivos distintos, pois Derly queria cursar a Faculdade de Teologia, no Rudge Ramos, enquanto Elias queria trabalhar em uma grande fábrica.
Os dois optaram, cada um em sua época, por militar no Sindicato dos Metalúrgicos. Derly, inclusive, estava na primeira diretoria da entidade fundada nos anos 1960. E, depois de 1964, entraram na mira do regime militar.
Cada um adotou um método diferente de combater a ditadura. O mineiro de Muriaé optou pela luta armada, na ala vermelha do Partidão. O interiorano de Capivari quis ir para a juventude operária católica, que fazia oposição na Igreja.
Mais velho de sua família, Derly foi preso em 1969 e viu três dos seus cinco irmãos serem vítimas do regime. “Devanir em 1971 foi executado num encontro com Sérgio Paranhos Fleury. Daniel e Joel saíram com grupo até a fronteira do Brasil e desapareçeram. Nunca mais soubemos o paradeiro deles.
A única notícia que tivemos é que os dois foram assassinados em um sítio em Foz do Iguaçu, no Paraná”, conta Derly, que deixou a prisão quase dois anos depois, passando por vários tipos de tortura praticados pelo Dops (Departamento de Departamento de Ordem Política e Social).
Viúvo de Maria José dos Santos Stein, que dá nome ao Hospital da Mulher, em Santo André, Elias foi levado pelos militares no momento em que decidiu intensificar sua vida sindical e combate aos sindicalistas aliados do governo. “Tomei choque de 220 volts, o chamado telefone (tapas nas orelhas). Saí quatro meses depois, com muito custo”, relembrou.
Após a queda da ditadura, Derly não quis ingressar na política. Ele já havia participado da fundação do PDT, apoiando Leonel Brizola, mas entendeu que o melhor seria atuar junto a movimentos de caridade. Já Elias acompanhou a maioria dos dirigentes sindicais. Auxiliou a difundir o PT em Santo André e, em 1982, lançou-se a vereador da cidade. “Graças a Deus não ganhei”, brica.
Os dois contaram suas histórias de vida no Acorda ABC, projeto do Centro de Memória do Grande ABC. O seminário A Caminho do 1º Cinquentenário do Golpe Militar de 64 foi realizado na sexta-feira, na sede do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC.
Fonte – Diário do Grande ABC