Dar conta da vida e do legado do homem que marcou o Brasil do século 20 governando o país por 18 anos em dois mandatos foi sempre um desafio aos biógrafos de Getúlio Vargas.
Mas o centro nervoso da trajetória do político gaúcho pode estar nos 19 dias que antecederam seu suicídio, em 24 de agosto de 1954.
Este é o período pinçado pelo roteiro de Os Últimos Dias de Getúlio, longa-metragem que o diretor João Jardim filma no Rio de Janeiro. A tensão dramática transcorre entre os dois tiros que convulsionaram o Brasil naquele mês de agosto. O primeiro tentou acertar o jornalista Carlos Lacerda, opositor implacável do presidente, mas errou o alvo e matou um oficial da Força Aérea Brasileira. O segundo, Getúlio mirou no seu próprio coração, acuado pela crise política deflagrada pelo episódio e pela ameaça de ser tirado do poder.
– Não é um filme investigativo, apesar dos aspectos controversos da morte do Getúlio – diz Carla Camurati, cineasta responsável pela produção executiva do longa dirigido por seu marido. – Ele é uma figura complexa. Tem o Getúlio amado pelo povo, que construiu as bases do país que somos hoje, e tem o ditador. É uma figura muito rica dramaturgicamente.
O lançamento está previsto para 2014, quando se completam 60 anos da morte de Getúlio.
– É um filme importante nesse momento em que a sociedade civil é capaz de se mobilizar e levar 300 mil pessoas para as ruas, porque todos devem conhecer e compreender a história do país para poder participar dela – afirma Carla.
Com orçamento de R$ 7 milhões, Os Últimos Dias de Getúlio é praticamente todo ambientado no Palácio do Catete, no Rio, antiga sede do governo brasileiro que abriga hoje o Museu da República:
– Queríamos realizar a sequência de um sonho do Getúlio em São Borja, na fazenda da família Vargas. Mas isso ainda depende de acertos com investidores – explica Carla.
O projeto do filme, destaca a produtora, teve início há sete anos, com João Jardim já pensando emTony Ramos para o papel:
– Quando fomos conversar com a família Vargas, a Edith, uma de suas netas disse: “Tony Ramos tem o perfil do vovô”, sem saber que ele seria o Getúlio. O Tony tem a dimensão e a empatia do Getúlio. É um papel de muita envergadura, com o personagem diante de um momento agudo de sua vida.
Quem assina roteiro do filme é George Moura (de, entre outros trabalhos, Linha de Passe, de Walter Salles).
– O tom é de thriller político. O fato de o filme se passar entre quatro paredes cria desafios para o roteirista, mas reforça a tensão – explica Moura. – Temos ali o homem acuado tentando se defender contra inimigos que não estão lhe confrontando diretamente, querendo provar sua inocência no atentado contra o Lacerda. A solidão do poder é um tema sempre atual, desde a antiga Grécia.
A pesquisa de Moura incluiu a leitura de livros escritos por historiadores e pessoas próximas de Getúlio, além dos diários do presidente.
– A história fala do poder político, do lado público do Getúlio e também de seus momentos íntimos, com detalhes que aparecem em notas de rodapé. Existe a figura conhecida que começava seus discursos com “Trabalhadores do Brasil…”, mas pouco se sabe de seus momentos de privacidade, quando tomava seu uísque e seu chimarrão. Esse é o espaço lúdico sobre o qual roteirista pode criar.
Presença tímida no cinema
Getúlio Vargas era fã de cinema e, no poder, teve iniciativas para incrementar a produção nacional. Fez uso do cinema como ferramenta educacional e, sobretudo, como veículo de propaganda. Mas Getúlio tem presença discreta como personagem de ficção nos filmes brasileiros.
Antes de ser protagonista na produção estrelada por Tony Ramos, ele foi parodiado por Oscarito, apareceu de relance em produções como O País dos Tenentes (1987), vivido por Leon Cakoff, e For All – O Trampolim da Vitória (1997), na pele de Carlos Ferreira – que retomou o personagem na minissérie de TV JK (2000). Apareceu com um pouco mais de destaque em Lost Zweig (2002), com Renato Borghi, e Olga (2006), interpretado por Osmar Prado. E não se sabe se um dia Getúlio será visto com a cara de Paulo Betti em Chatô – O Rei do Brasil, filme que se tornou uma novela sem fim.
Fonte: Vitrine Digital