A verdade sobre a Comissão da Verdade

Na terça-feira, 2 de julho, fui comunicado de meu afastamento da Comissão Nacional da Verdade (CNV). Ali atuava como consultor do GT da Operação Condor, atendendo convite do ministro do STJ Gilson Dipp e da advogada Rosa Cardoso.

Contra o voto divergente de Cardoso, fui punido pela decisão de quatro comissários – Paulo Sérgio Pinheiro, José Carlos Dias, Maria Rita Kehl e José Paulo Cavalcanti – por suposto delito de opinião em artigo publicado 40 dias antes. Entre outras questões, nele criticava entrevista concedida pelo comissário Dias, na qual antecipava seu veto a qualquer parecer que anule impunidade que cobre os torturadores do país.

O mais relevante agora é o alvo visível do quarteto punitivo da CNV: a advogada Rosa Cardoso, hoje herdeira solitária da confiança das entidades de direitos humanos, cada vez mais desconfiadas dos trabalhos da comissão. A solidão aumentou com o afastamento do comissário Cláudio Fonteles, que renuncio u exaurido pelo confronto com Pinheiro. Na essência, é um confronto entre visões díspares que podem levar a CNV à implosão: de um lado, Fonteles, aberto e conectado com a rua, e, de outro, Pinheiro, desconfiado e fechado ao escrutínio externo.

Líder do quarteto, Pinheiro tem um estilo exasperado, irritadiço, que explode em gritos que transbordam as paredes da sede da CNV em Brasília. Crítico da coordenação rotativa adotada pela comissão, ele sonha ser o “presidente” permanente da CNV, até a entrega do relatório no fim de 2014. Sua pretensão de ser o tutor dos outros comissários afastou Fonteles e isolou Cardoso.

As entidades de vítimas da ditadura definem Pinheiro como distante e arrogante. Ivan Seixas, ativista em São Paulo, sobreviveu às torturas do DOI-Codi, mas sucumbiu a uma bronca de Pinheiro, irritado com a revelação da agenda de visitas de empresários e diplomatas americanos ao DOPS na ditadura. “Isso atrapalhou entendimentos meus c o m o consulado dos Estados Unidos”, reclamou ele, ao ponto de desculpar-se ao telefone depois com o embaixador Thomas Shannon Jr., em Brasília. Graças aos salamaleques de Pinheiro com o Departamento de Estado, a CNV completou um ano de vida e ainda espera, resignada, pela desclassificação de documentos americanos secretos sobre a ditadura, o que já aconteceu com o Chile lá no governo Clinton.

O secretismo de Pinheiro irrita as entidades de direitos humanos. Em fevereiro passado, o Instituto de Estudos da Religião (Iser), uma respeitada ONG do Rio de Janeiro, reiterou pedido de informações sobre o trabalho e a agenda de audiências da CNV. Doze dias após o ofício do Iser, Pinheiro confessou sua aversão à transparência, enviando um e-mail explícito aos comissários e assessores: “Minha tendência é não responder nada… Ou poderíamos dar respostas lacÃ?nicas. Acho um desperdício obrigar os colegas a responder a essas questões quando têm mais o que f aze r… Não creio que a CNV esteja sujeita a esse monitoramento… Creio que podemos nos beneficiar do sigilo em relação a nossos trabalhos internos.”

No dia 5 de abril, a equipe de Pinheiro avaliou, no caso de “informações sensíveis”, a “classificação de documentos sigilosos”, uma incongruência para qualquer Comissão da Verdade às voltas justamente com a desclassificação de segredos da ditadura. O estudo da CNV alertava para a principal desvantagem da classificação: “Críticas da sociedade e da mídia.”

O que abre uma questão crucial: sem a sociedade e a mídia, qual a vantagem de uma Comissão da Verdade?

 

O futuro da CNV depende do resultado desse confronto desigual entre o quarteto liderado por Paulo Sérgio Pinheiro e a solitária resistência de Rosa Cardoso, único elo com o grito que hoje ecoa pelo país: “Vem, vem pra rua, vem!”

 

Por Luiz Claudio Cunha

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