Seminário em Santo André promove encontro entre chilenos e brasileiros vítimas da ditadura

Chilenos e brasileiros que foram vítimas de torturas e perseguições políticas durante a ditadura militar em ambos os países relataram hoje (23) suas histórias a um grupo de jornalistas na sede da prefeitura de Santo André, no Grande ABC. Amanhã (24), o mesmo grupo volta a falar sobre a ditadura no Chile e no Brasil durante o Seminário Internacional Brasil/Chile – Em Busca de Nossos Mártires, que ocorre no Teatro da Universidade Anhanguera, a partir das 15h, em Santo André.

O objetivo do evento é unir as histórias de luta contra a ditadura nos dois países, relembrar os 40 anos da ditadura no Chile e lutar para que os crimes cometidos no período nunca mais se repitam. “A ideia do evento é unir as pessoas da América Latina que sofreram repressão nas ditaduras militares”, disse Aparecido Faria, coordenador técnico do Centro de Memória do Grande ABC, que foi fundado em novembro do ano passado para promover uma reflexão sobre o período. O Centro de Memória tem repetido ações como as das comissões da Verdade, ouvindo depoimentos de pessoas que viveram e foram vítimas desse período. O centro já ouviu o depoimento de 25 pessoas e, até agosto do ano que vem, mais 80 pessoas do Grande ABC deverão ser ouvidas.

Durante a entrevista coletiva hoje na prefeitura de Santo André, quatro chilenos e um padre brasileiro contaram suas histórias. Jose Figueroa, por exemplo, que é dirigente sindical da Central Única dos Trabalhadores do Chile, contou que mais de 300 dirigentes sindicais foram assassinados ou desapareceram no Chile durante a repressão militar no país. “Até o dia de hoje, sete dirigentes nacionais continuam desaparecidos, passados 40 anos”, disse.

A educadora e dirigente da Juventude Comunista do Chile, Camila Donato Pizarro, de 26 anos, disse ter vivido no exílio com seus pais. Para ela, passados 40 anos do golpe militar no Chile, violações continuam ocorrendo em seu país. “O Chile segue violando os direitos humanos”, disse.

Camila reclamou da falta de punição adequada para os torturadores e assassinos do período e citou que os cerca de 59 militares torturadores que foram punidos em seu país cumprem suas penas em prisões de luxo. “No Chile, claramente não há justiça. No Chile, hoje em dia, há prisões de luxo. Os que estão encarcerados, que são muito poucos – o que é uma vergonha [para o país] – estão em prisões de luxo e não em prisões comuns”, disse ela.

Quando indagada pela Agência Brasil sobre a interpretação da Lei da Anistia no Brasil, que impede que torturadores e assassinos do período sejam julgados e condenados no país, Camila disse que o mesmo se passa no Chile. “Os poucos que foram presos, foram presos graças à pressão de organizações de direitos humanos”, disse.

Para Camila, a falta de punição aos responsáveis por essas violações traz uma séria implicação aos países latino-americanos. “Não se pode avançar em nenhum país, seja o Brasil, o Chile, o Uruguai ou a Argentina, se os torturadores, assassinos e violadores que cometeram crimes de lesa-humanidade, estejam livres”, disse. Para que eles sejam punidos e a democracia de fato aconteça,  Camila defendeu a necessidade da participação popular. “Não se pode construir nenhuma democracia nos países latino-americanos se os assassinos continuarem soltos”.

Quem também defendeu a luta popular pelos direitos humanos como forma de se conseguir a punição aos violadores da ditadura foi Osvaldo Torres Gutierrez, decano da Faculdade de Ciências Sociais da Universidade do Chile, que foi torturado pela ditadura chilena. Segundo ele, apesar da existência de uma Lei da Anistia que protege os criminosos do período [vigente em seu país desde 1978], alguns torturadores têm sido condenados no Chile por pressão popular. “O que eu diria é que os brasileiros não percam as esperanças de que estes critérios vão mudando com o tempo à medida que os movimentos de direitos humanos, os advogados que buscam justiça e os partidos políticos  que tenham dignidade e decência exijam o cumprimento da Justiça”, disse. “Um país só terá democracia verdadeira quando houver justiça para todos”.

Gutierrez contou que duas comissões foram criadas no Chile para apurar as violações ocorridas durante a repressão no país. A primeira foi a Comissão de Verdade e Reconciliação (criada em 1991, da qual derivou o Relatório Rettig e que foi centrada nos desaparecidos políticos) e a segunda a Comissão Nacional sobre Prisão Política e Tortura (Relatório Valech), criada em 2003, com o objetivo de buscar a quantidade de presos políticos e torturados no Chile. Os números, segundo ele, apontaram que cerca de 35 mil pessoas foram torturadas no Chile durante o governo de Augusto Pinochet e que 3 mil pessoas foram executadas durante o regime. “As duas comissões não teriam sido possíveis se os movimentos de direitos humanos não tivessem mantido a luta”, disse.

De acordo com Gutierrez, a grande discussão que se faz hoje em seu país diz respeito ao tipo de condenação aplicada aos violadores. “Em 60% dos casos [entre os casos de violadores que foram condenados por crimes de lesa-humanidade], não houve penas privativas de liberdade”, falou.

Preso e torturado pelos militares chilenos durante a ditadura, Moises Labraña defendeu a necessidade de se julgar os responsáveis pelos crimes ocorridos em seu país principalmente como forma de impedir que “coisas como essas se repitam”.

O último a falar foi o padre Rubens Chasseraux, que foi preso por cinco vezes durante a ditadura militar no Brasil. “Foram prisões dolorosas, tristes, mentirosas e injustas. Uma das coisas mentirosas, por exemplo, é que disseram que fiz um assalto a mão armada. Eu nunca peguei uma arma em minhas mãos”, disse.

 

Em dezembro, o Centro de Memória vai lançar um livro com os depoimentos que foram coletados durante o encontro com os chilenos. “O centro vai lançar um livro, agora em dezembro. Vamos publicar todos os depoimentos e tudo o que foi falado neste evento”, disse Faria. Em março do ano que vem também deverá ser publicado um livro com depoimentos de mulheres que foram vítimas da ditadura militar no país.

 

Fonte – Diário de Pernambuco

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