A ONG internacional de direitos humanos Conectas classificou nesta terça-feira como anacrônico o uso da Lei de Segurança Nacional, criada na época da ditadura militar no Brasil, contra dois manifestantes detidos ontem durante protestos pela educação em São Paulo. “Essa lei é anacrônica e incompatível com a sociedade democrática que temos hoje, pós-Constituição Federal de 1988. Ela jamais poderia ser utilizada para enquadrar manifestantes”, declarou Rafael Custódio, coordenador do Programa de Justiça da Conectas.
Na noite de ontem, Humberto Caporalli, 24 anos, e Luana Bernardo Lopes, 19, foram detidos e enquadrados na Lei de Segurança Nacional, após participarem do protesto em São Paulo em apoio à greve de professores no Rio de Janeiro. De acordo com policiais, os dois incentivaram o ataque a uma viatura da Polícia Civil.
Na opinião do ativista, “o Estado de Direito brasileiro não corre riscos quando um cidadão quebra vitrines ou entra em conflito com a polícia”. Para ele, se houver “o mínimo de razoabilidade dos órgãos públicos e observância do texto constitucional”, o enquadramento da polícia irá cair “tranquilamente”. “Já temos leis adequadas para lidar com esses tipos de questões (Código Penal e Código de Processo Penal) e o entendimento do delegado de polícia é absolutamente sem razão”, afirmou Custódio.
Em coletiva de imprensa na tarde desta segunda-feira, o secretário de Segurança Pública de São Paulo, Fernando Grella, afirmou haver “elementos que indicam” que eles sejam lideranças dos movimentos de depredação de patrimônio. “A polícia está reunindo esses elementos e um deles já participou de várias manifestações e de atos mais violentos, inclusive fora do Estado”, declarou Grella aos jornalistas.
No entanto, o advogado que defende os jovens, Geraldo Santamaria Neto, disse que o secretário e a Polícia Civil estão equivocados na análise das provas. “Até o momento, se manifestar não é crime, mas um direito constitucional”, ressaltou. Santamaria Neto disse entender que “não vivemos uma ditadura e que temos liberdade de expressão”.
Com relação às acusações feitas pela polícia a Humberto, por ele ter participado de manifestações no Rio, Santamaria explicou que isso “não significa que ele tenha participado do Black Bloc ou de algum crime. Se ele tem uma ideologia, ele tem todo o direito de se manifestar”. De acordo com o defensor, que faz parte do Advogados Ativistas, grupo que tem defendido manifestantes desde o início dos protestos, é a primeira vez que eles se deparam com uma tipificação criminal como essa.
“Não há nada (na Lei de Segurança Nacional) que possa ligá-la com manifestações. O artigo 15 dessa lei versa sobre praticar sabotagem contra instalações militares ou meios de comunicação. Na pior tipificagem, o delito cometido seria dano, e não sabotagem”, explicou. O jurista declarou que acredita que a aplicação da lei tenha o intuito de intimidar e coibir as manifestações.
Na coletiva de hoje, a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo anunciou que voltará a usar balas de borracha para reprimir ações consideradas violentas em manifestações no Estado. “Se nós tivermos cenas como tivemos ontem em relação a grupos de vândalos, a Polícia Militar poderá empregar a força progressiva, sim. Inclusive a bala de borracha”, afirmou Grella a jornalistas.
Para Custódio a decisão do governo do Estado é “lamentável”. “As manifestações de junho em São Paulo demonstraram a todos que as forças de segurança não estão preparadas para lidar com esse tipo de armamento. Todos viram o terror que foram as operações de dispersão das manifestações”, lembrou.
Segundo o ativista, ao invés de criar novos mecanismos de contenção do uso da força da polícia, o governo sinaliza que “tudo será como antes: quem estiver protestando corre o risco de perder um olho. Simples assim”.
Fonte – Terra