A VERDADE É UMA SÓ

A verdade é uma só. Mas, limitadas como são as pessoas, fazem-se dela interpretações diversas, apresentam-se versões diferentes. Isso porque, mudado o ângulo de onde se vê, vê-se de forma diversa. Especialmente se vê de forma diversa quando os que interpretam estão instalados em posições diferentes. No caso do “massacre de Ipatinga”, o que aconteceu, segundo os sobreviventes?

Vamos aos fatos.

No último dia 7, segunda-feira, no Fórum de Ipatinga, foi realizada uma audiência pública conjunta da Comissão Nacional da Verdade (CNV) e da Comissão da Verdade em Minas Gerais (Covemg). Foi a primeira reunião conjunta das duas comissões e ela transcorreu em clima de total entrosamento. Na verdade, a própria Lei nº 20.765, de 17 de julho de 2013, sancionada pelo governador Antônio Anastasia instituindo a Covemg, estabeleceu em seu artigo primeiro que sua finalidade era acompanhar e subsidiar os trabalhos da CNV. Além disso, a dra. Rosa Cardoso,coordenadora do Grupo de Trabalho Ditadura e Repressão aos Trabalhadores e ao Movimento Sindical, da CNV, responsável pela convocação da audiência, fez questão da presença e da contribuição dos membros da Covemg. Assim, uma boa vontade inicial contribuiu para o feliz andamento da audiência.

No intervalo dos trabalhos, foram elaboradas a quatro mãos 34 perguntas para serem feitas aos representantes da Usiminas e da Polícia Militar de Minas Gerais (PMMG) que compareceram para prestar seus esclarecimentos. No caso da Usiminas, foi a primeira vez que ela participou de evento de tal natureza. Uma das testemunhas, o Sr. Cley Vilian, proprietário de dois caminhões OPEL utilizados na operação do dia 7 de outubro de 1963, ao ser indagado sobre quem o contratou, foi bastante incisivo: Usiminas. Afirmou, ainda, que tinha um contrato assinado com a referida empresa. Também foi claro ao afirmar que transportava soldados da cavalaria da PMMG e que, no dia do massacre, um dos seus caminhões carregava a metralhadora que foi utilizada para assassinar trabalhadores e familiares. Além de afirmar que possui a cópia do contrato com a Usiminas, ele ainda disse que, posteriormente, foi contratado como motorista pela mesma empresa.

Nesse momento do depoimento, no entender dos advogados presentes à audiência, esclareceu-se a configuração da cadeia de comando, ou seja, soube-se quem deu a ordem e quem atirou no episódio que passou à história como o “massacre de Ipatinga”. Esse esclarecimento poderá facilitar a responsabilização criminal de todos os que nele estavam envolvidos.

O representante da Usiminas, dr. Afonso Celso Flecha de Lima Álvares, mesmo sabendo qual era o motivo da audiência, praticamente não respondeu a nenhuma das perguntas a ele dirigidas. Até o nome do primeiro presidente da empresa ele não sabia ou não quis responder. Mas, obviamente, as perguntas serão todas enviadas por escrito à Usiminas, que terá um prazo para as respostas.

Diante do que se viu na audiência pública realizada, fica evidente que será necessário convocar-se uma outra, da qual participem os possíveis responsáveis pelo massacre, incluindo todos os torturadores citados. A CNV pode usar seu poder coercitivo para tanto, ou seja, pode convocar quem julgar necessário e, em caso de recusa, pode solicitar providências à Polícia Federal.

Dá trabalho descobrir a verdade, mas ela é uma só e existe para além das versões. Em 1963, a cidade de Ipatinga não constava do mapa político de Minas Gerais, seu nome nem sequer era conhecido. Mas naquela região, em algum lugar daquela região, ocorreu um episódio infeliz a que se agregou posteriormente o seu nome. E esse episódio, indevidamente coberto pelas cortinas do tempo e do esquecimento, resta insepulto nas páginas da história e reclama esclarecimentos.

 

 

BETINHO DUARTE

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