Quem participou da resistência ao regime militar, e os mais jovens que gostariam de conhecer este período triste da nossa história, têm um encontro marcado esta noite, a partir das 19 horas, na Livraria Cultura, do Conjunto Nacional, em São Paulo, no lançamento do livro-reportagem “O Cardeal da Resistência _ as muitas vidas de dom Paulo Evaristo Arns” (Instituto Vladimir Herzog Editora), de Ricardo Carvalho, com a participação de Antônio Carlos Fester, Inês Caravaggi e Maria Angélica Rittes.
A história de vida de d. Paulo Evaristo Arns, o maior líder católico de São Paulo no século passado, é tão rica que você pode começar a ler o livro pelo capítulo que quiser, como informa a apresentação da obra. São 65 capítulos e 359 ilustrações que contam, na forma de reportagens, a trajetória de um brasileiro que, de 1966, quando chegou a São Paulo para ser bispo-auxiliar da zona leste da capital, até 1996, quando se aposentou como cardeal-arcebispo, tornou-se um dos mais fortes símbolos de resistência à ditadura militar.
Neste livro você vai encontrar, em qualquer capítulo, uma ação de dom Paulo em defesa dos oprimidos e dos Direitos Humanos, contra a censura, a favor da liberdade, incentivando a organização do povo em comunidades, apoiando os movimentos sociais, denunciando a tortura, enfrentando militares, oferecendo a Catedral da Sé para missas e cultos ecumênicos de repúdio à ditadura militar.
Ricardo Carvalho relata no livro muitas informações inéditas, como as crônicas que foram escritas durante 28 anos sobre o dia a dia da arquidiocese, guardadas desde 1988 nos arquivos da Igreja Católica e só agora reveladas.
Entre vários outros depoimentos de quem conviveu com o cardeal, Leonardo Boff conta em detalhes o tenso encontro em pleno Vaticano quando, em 1984, se defrontaram dom Paulo e o então poderoso cardeal Ratzinger, que se tornaria anos mais tarde o papa Bento 16.
Ratzinger ouviu poucas e boas e Boff foi condenado ao “silêncio obsequioso”. Já como Bento 16, representando o que tem de mais conservador na Igreja Católica, Ratzinger continuou a perseguir a Teologia da Libertação.
Alguns estudiosos, como o teólogo José Oscar Beozzo, tentam decifrar os bastidores do Vaticano para responder a uma pergunta sempre inquietante: afinal, quem manda na Cúria Romana?
Estas reflexões ajudam a explicar a perseguição implacável da Cúria Romana a dom Paulo que culminou, mesmo contra a vontade do papa João Paulo 2º, com o retalhamento da arquidiocese em dioceses autônomas. “Fui traído”, afirmou o cardeal na época.
Foi dom Paulo, lembra o livro, quem primeiro denunciou ao mundo: “O jornalista Vladimir Herzog foi assassinado!” _ e não se suicidou, como queria fazer crer o regime militar.
O livro trás depoimentos, entre outros, de Clarice Herzog, Frei Betto, Fernando Morais, Clóvis Rossi, Juca Kfouri, José Carlos Dias, Dalmo Dallari e deste velho repórter, que trabalhou com dom Paulo por quase duas décadas na Comissão de Justiça e Paz da Arquidiocese de São Paulo.
Reproduzo abaixo o prefácio escrito por Clarice Herzog.
Obrigada, dom Paulo
Quando, ao lado de meus filhos, entrei na Catedral da Sé, naquele 31 de outubro de 1975, para assistir ao culto ecumênico celebrado pelo senhor, dom Paulo, pelo rabino Henry Sobel e pelo reverendo James Whright em memória do Vlado, tive a certeza de que ali encontraria solidariedade, mas também um espaço de expressão da indignação que tomava conta da sociedade.
Solidariedade e indignação estampadas no semblante daquelas oito mil pessoas que se juntaram na praça e no interior da Catedral para ouvir e reverberar a voz firme e serena de dom Paulo em sua mensagem síntese: “Basta! Vladimir Herzog foi assassinado”, desconstruindo a farsa armada pelo regime.
Obrigada, dom Paulo, por este basta, que calou fundo no coração de milhões de brasileiros assustados com a violência de um regime militar que parecia não ter limite. Ali, naquele instante, garantem historiadores, começaram a surgir as primeiras trincas no muro de uma ditadura implacável.
Obrigada, dom Paulo, pela sua persistência e coragem na luta pelos direitos humanos, pela Justiça e pela Liberdade. Ao liderar o projeto “Brasil Nunca Mais”, o senhor mostrou ao mundo civilizado as atrocidades e torturas que castigaram homens e mulheres, de norte a sul do país.
Fique certo, dom Paulo, que para mim e meus filhos, o senhor foi um porto seguro e um sublimador da nossa tristeza e da nossa revolta. Para o Brasil, o senhor foi o Cardeal da Esperança.
Assim, é com muita emoção que digo, mais uma vez, muito obrigada dom Paulo que, a partir deste livro, idealizado para que todos os segmentos da sociedade possam ter acesso à sua história, ganha mais um merecido título: O Cardeal da Resistência.
Fonte – R7