Em comissões de universidades e assembleias, trabalhos esbarram na falta de definição das tarefas e escassez de recursos; risco é só repetir o que já se sabe
Os principais problemas das comissões são a falta de foco nas atividades e a fraca articulação com outras comissões, na avaliação da ex-presa política e professora Rosalina Santa Cruz, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Integrante da Comissão da Verdade daquela instituição, que vem sendo apontada como um exemplo nessa área, ela é enfática quanto à definição de objetivos: “Se não tiver uma definição clara do que vai fazer, fica sem acrescentar nada. Vai apenas repetir o que já se sabe”.Veja também:
Comissões da Verdade vivem impasse
Comissão já ouviu 236 depoimentos em sessões fechadas
Ainda segundo o relato de Rosalina, a PUC-SP decidiu focalizar os casos de cinco alunos da escola que foram mortos durante a ditadura. Estabeleceu convênios com as Comissões Nacional e do Estado, para aproveitar os que eles já produziram sobre esses casos e, ao mesmo tempo, repassar a elas o que vai conseguindo obter.
A comissão, custeada com recursos da própria instituição, é formada por oito professores, todos com o título de doutor, e conta com o suporte de dez pesquisadores, estudantes com bolsas de iniciação científica das áreas de direito, relações internacionais e serviço social. Ao final do trabalho, após a redação do relatório final, o grupo pretende encaminhar à Justiça pedidos para que os responsáveis pelas mortes sejam penalmente responsabilizados. As possíveis medidas nessa área e as brechas na Lei da Anistia estão sendo estudadas pelo desembargador Antonio Carlos Malheiros, integrante da comissão.
Pedagógico. Outro objetivo da PUC-SP está na área pedagógica. Ao promover debates e divulgar informações sobre os mortos, a comissão promove o acesso dos estudantes de hoje à compreensão do que ocorreu no País na ditadura.
Em Porto Alegre, o defensor público Carlos Frederico Guazelli, coordenador da Comissão Estadual da Verdade, diz que não concorda com as críticas feitas às comissões porque não estariam obtendo revelações sobre a ditadura. “Não somos uma polícia de verdade”, afirma. “Nosso trabalho é preparatório, de memória e verdade, de organizar e mostrar.”
O resultado do trabalho, acredita Guazelli, poderá mais à frente subsidiar o passo seguinte, que seria o processo judicial, caso o Supremo Tribunal Federal altere o entendimento atual de que a Lei da Anistia beneficiou também os acusados de torturar e assassinar militantes políticos na ditadura.
Guazelli lembra que uma das principais descobertas recentes passou pela comissão que ele coordena. Trata-se do assassinato do coronel da reserva Julio Miguel Molina Dias, em novembro do ano passado. Ao investigar o caso, a Polícia Civil encontrou o arquivo pessoal do militar, ex-chefe do DOI-Codi do Rio. Os documentos, entregues à Comissão Estadual e repassados à Nacional, indicaram que o ex-deputado federal paulista Rubens Paiva foi levado ao DOI-Codi do Rio antes de desaparecer, em 1971. O episódio não era admitido até então pelas Forças Armadas.
Guazelli chegou ao cargo por indicação do governador Tarso Genro. Dedica-se integralmente à comissão, que conta com mais quatro integrantes. Nenhum recebe remuneração específica pelo trabalho e as despesas, incluindo compra de passagens e estadias de testemunhas ou vítimas da repressão, são pagas pelo gabinete do governador.
Gastos. A Comissão Nacional, ao responder a um questionário enviado pelo Estado, afirmou que seu orçamento para 2013 é de R$ 10 milhões. Outras três comissões, financiadas com recursos públicos e às quais foram apresentadas perguntas semelhantes, não informaram os valores.
A Comissão da Câmara Municipal de São Paulo relatou que não tem orçamento próprio e que trabalha com a estrutura que a instituição põe à disposição de todas as comissões. Respostas semelhantes foram dadas pelas comissões das Assembleias de São Paulo e da Bahia.
O vereador Gilberto Natalini (PV), ex-preso político e atual presidente da Comissão Municipal de São Paulo, diz que o gasto é ínfimo diante do tamanho da tarefa do grupo. Ele lembra que o Brasil decidiu muito tardiamente investigar as violações ocorridas na ditadura e que a maior parte dos arquivos está destruída. “Recentemente, quando decidimos restituir os mandatos de vereadores que sofreram perseguições políticas e tiveram os mandatos cassados, descobrimos que a Casa não tinha referências em seus arquivos sobre nenhum deles.”
Natalini também lembra que as investigações locais são barradas pela falta de poder para convocar as pessoas para depor. “Temos nomes de funcionários que poderiam falar sobre a vala clandestina de Perus. Mas eles não querem. Qual funcionário vai querer falar espontaneamente? O que resta é o trabalho investigativo, que demora meses, anos.”
Fonte – Estadão