Há 40 anos, o Brasil viveu um dos momentos mais tenebrosos e silenciosos de toda a sua história. Após o governo democrático, muitas verdades passaram a ser ditas, sobretudo, por quem sofreu as consequências de se opor àquele regime. Com riqueza de detalhes da época, a jornalista Mariluce Moura abriu, ontem, o segundo dia de Audiência Pública pela Comissão Estadual da Verdade da Bahia, realizada no salão nobre da Reitoria da Universidade Federal da Bahia, no Canela. O deputado federal Emiliano José e um dos fundadores da antiga Sindipetro, Marival Nogueira Caldas, formaram a mesa de depoentes.
A jornalista Mariluce, além de ter sido presa e torturada enquanto estava grávida, é viúva de Gildo Macedo Lacerda, sequestrado e morto em dependências do Estado brasileiro e cujo corpo até hoje está desaparecido. “Fomos presos e torturados no Quartel do Barbalho. Gildo logo foi levado para Recife, onde foi torturado e executado no dia 28 de outubro de 1973. Dias depois, um capelão do Exército me entregou um jornal com a notícia da morte dele”, relatou Mariluce.
A versão oficial conta que Gildo teria sido assassinado em um suposto tiroteio no centro da cidade de Recife. “A verdade apareceu e o Governo deu a anistia a Gildo, pediu desculpas e reconheceu que ele foi morto. A luta agora é para que haja uma declaração de quem provocou a morte dele”, espera a jornalista.
O depoente seguinte, o jornalista, escritor e deputado federal Emiliano José, também não poupou o público dos detalhes vividos. Ele não só relembrou momentos de tortura na Galeria F, para onde eram levados os presos políticos, situado no Quartel do Barbalho, como também acusou o superintendente da Polícia Federal, Luiz Artur de Carvalho, de também torturar os presos. “Nossos depoimentos não são meros relatos individuais. Somos a voz dos mortos e assassinados que lá trás plantaram um sonho junto conosco”, define Emiliano, em referência à Comissão da Verdade.
Emiliano conta que a ditadura primeiro torturava e depois perguntava. Perguntas essas que, para o sindicalista Marival, não faziam o menor sentido. Mesmo sem vínculo partidário, ele foi preso e torturado por ser líder sindical. Fechando os depoimentos no evento em Salvador, o sindicalista conta que “os torturadores perguntavam qual o nosso partido político. Quanto mais a gente negava, mais tapa no rosto a gente levava. Ou seja, sempre havia reação brusca se as respostas não fossem do agrado deles”.
Marival Nogueira acusou a Igreja Católica por avalizar as ações militares, deixando de agir mais em favor do povo. Intermediando o depoimento do sindicalista, o diretor-presidente da Tribuna, Walter Pinheiro, integrante da Comissão da Verdade da Bahia, rebateu a afirmação, revelando que é de conhecimento de todos que inúmeros religiosos acolheram os perseguidos do regime militar.
Assim como Marival revelou ainda que outros sindicalistas também foram torturados durante a ditadura militar. A próxima audiência pública deverá acontecer na cidade de Vitória da Conquista, ainda sem data definida. As cidades escolhidas têm relação direta com as ações de maior repressão do regime militar.
Fonte – Tribunal da Bahia