Bancada de ex-policiais militares e civis trava na Câmara Municipal a criação de grupo para investigar abusos contra presos políticos na capital durante a ditadura
Projeto de lei para formar a Comissão da Verdade municipal está há um ano parado na Câmara
Ao contrário do que ocorre nos planos federal e estadual, Belo Horizonte não consegue criar uma Comissão da Verdade para, principalmente, apurar as violações cometidas durante a ditadura militar (1964 a 1985). Este ano é emblemático para aqueles que desejam esclarecer os crimes cometidos pelos militares, pois em 31 de março o golpe completará 50 anos. O projeto de lei que prevê a criação da Comissão Municipal da Memória e Verdade Edgar de Godói da Mata Machado completa um ano de tramitação na Câmara Municipal e está parado na Comissão de Legislação e Justiça (CLJ).
“Não é necessário. É irrelevante, pois isso (a ditadura) já passou. Todos estão anistiados. As pessoas que assaltaram estão aí hoje, inclusive, com mandatos”, entende a vereadora Elaine Matozinhos (PTB), que é delegada de carreira. O pensamento encontra eco entre seus colegas policiais, que juntos formam uma tropa de choque na Casa contra o projeto.
Apelidado por alguns vereadores de bancada da bala, o grupo conseguiu travar a mudança do nome do Elevado Castelo Branco (homenagem ao primeiro presidente do governo militar) para Helena Greco, a primeira vereadora do PT eleita em Belo Horizonte e ativista dos direitos humanos, como mostrou o Estado de Minas na semana passada. “A cidade não precisa passar por essa briga ideológica”, afirma o vereador Edson Moreira (PTN), outro integrante da bancada.
Moreira é integrante da CLJ na Câmara, assim como outro policial, o coronel Piccinini (PSB). É na comissão que o Projeto 513/2013, que prevê a criação da Comissão da Verdade, está parada. A justificativa oficial é que um parecer assinado pelo secretário municipal de Governo, Josué Costa Valadão, afirma que a comissão “cria despesa sem prévia e necessária previsão orçamentária”.
Porém, nos bastidores o motivo é a pressão feita pelos contrários aos esclarecimentos dos abusos dos militares durante a ditadura. Na análise de Elaine Matozinhos, a Comissão Nacional da Verdade (CNV), a mais relevante até o momento, criada pelo governo federal em maio de 2012, é “uma comissão de meia verdade”. O termo, segundo ela, é porque a comissão não apura as mortes atribuídas aos combatentes da ditadura, que mataram policiais durante ações armadas. Ela garante que, se a comissão for criada, não vai permitir que seja de “meia verdade”.
Autor do projeto de lei para a criação da comissão, Gilson Reis (PCdoB) destaca que é necessário discutir o que ocorreu na cidade. O vereador entende que as resistências que existem no interior da Casa precisam ser quebradas. “Só vivemos a democracia e temos a possibilidade de ter estabilidade democrática porque tivemos pessoas que enfrentaram o Estado ditatorial e construíram a democracia no país”, afirma Reis. Caso o projeto seja aprovado pela CLJ, vai para discussão e votação no plenário da Casa.
Além da CNV, o governo estadual criou sua Comissão da Verdade em setembro do ano passado, com sete representantes. O objetivo é acompanhar e subsidiar a Comissão Nacional da Verdade nos exames e esclarecimentos sobre as violações de direitos fundamentais praticadas no período de 18 de setembro de 1946 até a data da promulgação da Constituição, em 5 de outubro de 1988.
COMPOSIÇÃO O projeto de lei do vereador Gilson Reis determina a criação de comissão formada por nove integrantes, sendo três vereadores, três representares do Executivo e três da sociedade civil, com mandato de dois anos, podendo ser reconduzidos apenas uma vez. Entre as atribuições da comissão estaria esclarecer as graves violações dos direitos humanos na capital, os casos de torturas, mortes, estupros, sequestros, desaparecimentos forçados e ocultações de cadáveres e identificar e tornar públicos os locais onde ocorreram as violações.
A capital mineira foi palco importante no combate à ditadura. Vários grupos, muitos deles armados, tentaram o retorno da democracia e promoveram assaltos, chamados atos de expropriações. O prefeito Marcio Lacerda (PSB), por exemplo, participou da Corrente Revolucionária, braço da Ação Libertadora Nacional, grupo comandado no país por Carlos Marighella. Além do prefeito, a presidente Dilma Rousseff (PT) iniciou as atividades revolucionárias na cidade, passando pela Organização Marxista Revolucionária – Política Operária, conhecida como Polop, e pelo Comando de Libertação Nacional (Colina).
A comissão, se criada, receberá testemunhas, dados e documentos. Poderá requisitar documentos sigilosos dos órgãos públicos, fazer perícias e diligências, promover audiências públicas e requisitar proteção para qualquer pessoa que se encontre ameaçada. “Não estamos dizendo que temos uma verdade, mas a criação da comissão é uma ótima oportunidade para discutir o que aconteceu”, explica um dos incentivadores da comissão, o vice-presidente da Associação dos Amigos do Memorial da Anistia Política do Brasil (AAMA), o ex-vereador Betinho Duarte, que integra a Comissão da Verdade do governo mineiro.
Homenagem a ex-deputado
Edgar de Godói da Mata Machado (1913-1995), que pode dar nome à Comissão da Verdade de Belo Horizonte, foi deputado estadual e federal, quando foi cassado pelo Ato Institucional 5 (AI-5). Foi um dos líderes do movimento pela anistia em Minas Gerais. Também foi senador, sendo eleito como suplente de Itamar Franco, além de ter sido jornalista e professor de direito. O filho de Edgar, José Carlos Mata Machado, foi preso e assassinado pelo regime militar em 1968.
Fonte – EM