Para historiadores, reformas precisam avançar para garantir o avanço e a consolidação da democracia no País
Manifestantes do Diretas Já tomam conta do Congresso em 1984. Cedi/Câmara dos Deputados
Três décadas depois de milhões de brasileiros irem às ruas por eleições livres e darem o recado de que o esgotamento do regime militar havia chegado ao seu auge, o Brasil ainda luta para consolidar a sua democracia. Grandes avanços como a independência dos Poderes, seis eleições diretas para o Planalto, a criação de agências reguladoras e instrumentos de controle, bem como a regulamentação da Lei de Acesso à Informação (LAI), mostram que o País amadureceu institucionalmente. Do outro lado, os altos índices de rejeição do Congresso Nacional e dos partidos políticos mostram que ainda há um longo caminho a percorrer.
Segundo o Índice de Confiança Social (ICS), medido anualmente pelo Ibope, o Congresso Nacional só ganha dos partidos políticos quando o assunto é credibilidade. Em uma nota que vai de 0 a 100, a instituição ganhou 29 em 2013, enquanto as siglas partidárias ficaram com 24. Na outra ponta da pesquisa está o Corpo de Bombeiros, instituição mais confiável, com nota 77, seguida pela Igreja (66) e pelas Forças Armadas (64). A baixa crença no Poder Legislativo se repete na pesquisa do instituto Latinobarômetro, divulgada em novembro de 2013, na qual 34% dos brasileiros acreditam que é possível ter democracia sem o Congresso ou sem partidos.
Para o historiador e professor da UFRJ, Carlos Fico, o Congresso Nacional é o maior ponto fraco do sistema político brasileiro, o que reflete o pouco preparo dos eleitores. “Ele ainda é muito frágil, e é um reflexo da sociedade brasileira, que elege essas pessoas tão mal preparadas”, analisa. “O Congresso não responde às necessidades, tanto que nós vemos o Judiciário tomando a frente nos últimos anos”, diz, em referência aos constantes conflitos entre a Casa e o Supremo Tribunal Federal (STF).
Na mesma pesquisa, o Latinobarômetro mostra que menos da metade da população brasileira, 49%, apoia a democracia como sistema de governo. Entre os demais, 19% preferem um regime autoritário, 21% não notam diferença e 11% não souberam responder. O índice, levantado desde 1995, atingiu o seu maior patamar em 2009, último ano do governo Lula, quando 55% dos brasileiros disseram preferir a democracia. Para o instituto, os números indicam que ainda há uma minoria autoritária “importante” no País, e que por mais que o novo sistema tenha avançado nos últimos trinta anos, ele não conseguiu disseminar os conceitos democráticos em toda a população.
Professora de história social da USP, Maria Aparecida de Aquino ressalta que as desigualdades sociais atrapalham o avanço democrático no Brasil. “Democracia é quando todas as pessoas têm as mesmas oportunidades de participação. E nisso nós não avançamos muito nesses 30 anos”, analisa. A professora destaca, porém, os programas sociais implantados pelo ex-presidente Lula como emancipadores de parte da população mais pobre, dando acesso à cidadania para um grande número de brasileiros na última década. “Ainda é preciso mudar a sociedade. Nós temos institucionalmente todos os problemas resolvidos, mas em termos de sociedade nós ainda temos muitos problemas. Parece que o Brasil tem tudo por fazer, reforma agrária, reforma política, e isso tudo era para ontem”, diz.
Maria Aparecida afirma que o governo conseguiu se livrar das piores heranças do regime militar, como as legislações “pesadíssimas” da época. “A base institucional foi praticamente limpa daquilo que a gente chamava de entulho autoritário, isso é uma coisa importante, mas ainda é preciso mudar a sociedade. Nós temos institucionalmente todos os problemas resolvidos, mas em termo de sociedade nós ainda temos muitos problemas. Parece que o Brasil tem tudo por fazer, reforma agrária, reforma política, e isso tudo era para ontem.”
Para Fico, o pouco avanço nas reformas, por exemplo, também está ligado ao esvaziamento do poder do Congresso. “Não tem escapatória, a gente precisa de um Poder Legislativo forte, mas existe uma desvalorização da política no Brasil. O presidencialismo brasileiro ainda guarda muitas características do período autoritário, como as Medidas Provisórias (MPs), uma manifestação do excesso de Poder do Executivo, mas que só pode ser alterado pelo Congresso”, disse.
“As pessoas podem estar insatisfeitas, mas isso também faz parte da democracia. A Constituição de 1988 trouxe muitos avanços em relação ao controle público do Estado, e isso é um processo pedagógico muito longo de amadurecimento político da sociedade brasileira. As Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs), muito desvalorizadas, a valorização do MP, a criação da LAI, isso tudo qualificou muito a democracia brasileira, a ponto de podermos dizer que seria praticamente impossível hoje uma solução autoritária no Brasil hoje”, afirmou o historiador e professor da UFRJ.
Fonte – Último Segundo