Brasil ofereceu apoio a golpe antes da eleição de Allende

Em 1966, quatro anos antes da eleição de Salvador Allende à Presidência do Chile, a ditadura brasileira se colocou à disposição para colaborar com um golpe de Estado contra um eventual governo da esquerda chilena. Na época, o Chile era presidido pelo democrata cristão Eduardo Frei Montalva, mas ainda assim o marechal Humberto Castello Branco e seus ministros demonstravam preocupação com os rumos do país.

Chanceler Juracy Magalhães também foi o primeiro presidente da Petrobras| Foto: Banco de Imagens Petrobras

 

A estratégia do Brasil para lidar com o crescimento da candidatura de Allende, que tinha o apoio de ao menos 30% do eleitorado local, segundo o então chanceler Juracy Magalhães, está registrada em ata do Conselho de Segurança Nacional. O grupo, que produziu mais de 3 mil páginas de documentos secretos, divulgados apenas em 2009, era um dos órgãos de assessoramento direto ao presidente da República durante a ditadura, ao lado do SNI (Serviço Nacional de Informações) e o Estado-Maior das Forças Armadas.

Na reunião de 24 de outubro de 1966, Magalhães expôs aos demais ministros os resultados de suas viagens por Europa, Estados Unidos e América Latina. Em Santiago, o chanceler discutiu com seu par chileno, Gabriel Valdés, o que aconteceria se o Partido Comunista vencesse as eleições presidenciais de 1970.

“Devo dizer, ‘off records’, que tive oportunidade de analisar com o Ministro Valdés a possibilidade de uma vitória do partido comunista nas futuras eleições, ainda longínquas, se o Governo Frei não conseguir realizar as aspirações do povo chileno. Então — isso eu dizia — seria o caso de ter a possibilidade do hemisfério agir em benefício do Chile”, afirmou Magalhães.

A resposta de Valdés, comemorada pelo representante de Castello Branco, mostrava que o Brasil não era o único que tinha planos de derrubar um governo que ainda nem existia. “Ele, então, me disse — com surpresa para mim — que está convencido de que, se o partido comunista se tornasse majoritário, as forças vivas da Nação agiriam no Chile, como agiram no Brasil e na Argentina. Isso é uma declaração da mais alta importância e inteiramente surpreendente para nós, porque a nossa impressão era de que o Chile estava se conduzindo de maneira a acatar um resultado eventual das urnas, a favor do comunismo.”

A viagem do chanceler brasileiro — famoso por sua frase “o que é bom para os EUA é bom para o Brasil” — ocorreu como um “esforço para o restabelecimento da posição de liderança natural do Brasil no âmbito continental”, nas palavras do próprio Magalhães. Ao iniciar sua exposição sobre a América Latina (no mesmo mês ele também visitou Bolívia, Argentina e Uruguai), ele lembrou que “a projeção do Brasil no continente americano e, através dele, no mundo, é um dos objetivos primordiais da política exterior brasileira, tal como definida pelo Senhor Presidente da República”.

 

O Itamaraty vivia um período de desconfiança com os países sul-americanos depois da “Conferência de Bogotá”, na qual Chile, Colômbia, Venezuela, Peru e Equador discutiram a criação de um novo bloco econômico que não se concretizou. Magalhães chegou a se queixar para o Departamento de Estado norte-americano de que não havia sido avisado de tal encontro. Na reunião do Conselho de Segurança Nacional, o então ministro do Planejamento e ex-embaixador em Washington, Roberto Campos, explicou que tal iniciativa entre nações de tamanho médio “criaria problemas políticos muito sérios para o Brasil, na marcha para a integração”. “Folgo saber que o Ministro do Exterior conseguiu, por assim dizer, estabelecer uma cunha nesta frente dos países médios.”

Campos, um dos conselheiros mais próximos de Castello Branco, ainda fez uma comparação entre os momentos econômicos de Chile e Brasil. Ambos tentavam reduzir a inflação e atrair investimentos estrangeiros, mas, até aquele momento, Santiago obtinha mais sucesso nesses objetivos. A principal diferença, segundo o ministro, era que o governo chileno “seguiu uma orientação mais humanitária”, enquanto o brasileiro mantinha postura “mais austera e desenvolvimentista”.

Da esquerda para direita: Ernesto Geisel, Castello Branco, Juracy Magalhães e Luís Viana Filho| Foto: Imagem cedida pelo Arquivo CPDOC/FGV

 

Apesar do foco nas questões sociais, o presidente Eduardo Frei não conseguiu impedir a chegada da esquerda ao poder. Allende, que já havia sido candidato à presidência outras três vezes, foi eleito em 4 de setembro de 1970, liderando uma frente ampla das esquerdas – com os partidos Socialista e Comunista à frente – na Unidade Popular.

Três anos depois, o Exército chileno implementou o plano citado por Valdés e colocou no poder o general Augusto Pinochet, que governou até 1990 uma das mais sangrentas ditaduras do continente. A influência exata do Brasil no movimento golpista ainda é discutida, mas há referência de que Brasília financiou políticos opositores durante todo mandato de Allende. Aliado de primeira hora de Pinochet, o regime militar brasileiro se manteve ao lado do parceiro na Operação Condor, ação conjunta de repressão na América do Sul que também contou com o apoio de Argentina, Bolívia, Paraguai e Uruguai nas décadas de 1970 e 1980.

 

 

Fonte – Opera Mundi

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