A marcha rumo ao golpe

Como foi a operação militar que partiu de Minas para implantar a ditadura no país

Dias depois do golpe, Olímpio Mourão Filho passa em revista a tropa

 

No final da madrugada de 31 de março de 1964, o general Olímpio Mourão Filho, comandante da 4ª Região Militar, em Juiz de Fora, transformou em ação as insatisfações que cresciam nos quartéis com o então presidente João Goulart. Apoiado por políticos e empresários influentes de Minas Gerais, que criticavam, principalmente, supostas ligações do presidente com regimes comunistas, Mourão Filho mandou às ruas, em direção ao estado da Guanabara, 6 mil homens com a missão de destituir Jango do poder. “Se nós não a tivéssemos feito, ela não teria sido jamais começada”, avaliou o general mineiro em seu livro de memórias 14 anos depois. Nesta reportagem da série sobre os 50 anos do golpe, o Estado de Minas mostra como foi a operação que partiu do estado para dar início ao regime militar e à ditadura que assombrou o país por 21 anos.

Três dias antes de os militares mineiros partirem em direção ao Rio, em 28 de março, os generais Mourão Filho e Odílio Denys, ex-ministro da Guerra, se reuniram com o governador de Minas, José de Magalhães Pinto, em Juiz de Fora, para discutir ações práticas que poderiam levar à derrubada do presidente João Goulart. Inicialmente, o grupo planejou que as tropas se movimentariam a partir de 4 de abril, mas Mourão Filho não esperaria até lá para agir.

Na véspera do golpe militar houve nova reunião organizada por Magalhães Pinto com o general Carlos Luiz Guedes, da 4ª Região Militar de Belo Horizonte, e José Geraldo de Oliveira, comandante da Polícia Militar de Minas. No encontro, desta vez na capital mineira, ficou decidido que seriam mobilizados os batalhões da PM, da Polícia Civil e da Guarda Civil para o movimento contrário ao governo federal. Foi anunciado um manifesto defendendo uma ação para retirar Jango do poder. No entanto, as articulações entre BH e Juiz de Fora não saíram como o planejado e, no dia 31, Mourão Filho anunciou seu próprio manifesto e ordenou o início da marcha.

“Faz mais de dois anos que os inimigos da ordem e da democracia, escudados na impunidade que lhes assegura o Sr. Chefe do Poder Executivo, vêm desrespeitando as instituições, enxovalhando as Forças Armadas. Na certeza de que ele está a executar uma das etapas do aniquilamento das liberdades cívicas, as Forças Armadas não podem se silenciar diante de tal crime. Minhas tropas, numa hora dessas, marcham para o estado da Guanabara em busca de vitória”, disse Mourão.

Poucas horas depois, a Presidência da República divulgou nota lamentando a decisão do general mineiro e do governador Magalhães Pinto e prometeu uma resposta às movimentações de tropas no estado. “Diante dessa situação, o presidente recomendou ao ministro da Guerra, general Jair Dantas Ribeiro, que fossem tomadas imediatamente providências para debelar a rebelião, tendo sido deslocados para Minas unidades do 1º Exército. Lamentamos que uma aventura golpista tenha sido lançada em Minas, terra das melhores tradições cívicas do povo brasileiro.”

A marcha Entre os cerca de 6 mil homens que deixaram Minas Gerais a partir da manhã do dia 31 de março em direção ao estado da Guanabara estava Manoel Soriano Neto. Com 22 anos e recém-saído da Academia Militar, ele seguiu junto com 350 militares do 12º Regimento de Infantaria para Juiz de Fora pouco depois do meio-dia para reforçar o Destacamento Tiradentes. A tropa de Mourão Filho já marchava em direção ao Rio de Janeiro pela BR-040, então chamada de BR-3.

“Havia a iminência de um combate real naquele dia. Partimos esperando um confronto com outras tropas do Exército, já que o Ministério da Guerra tinha determinado que o 1º Exército, a divisão do Rio de Janeiro, impedisse a passagem de nossa tropa”, lembra Soriano, que se especializou em história militar.

A tropa que partiu da capital se apresentou ao general Mourão Filho no início da noite e seguiu o caminho para o Rio de Janeiro. Aos poucos, as cidades próximas à fronteira entre Minas e Rio foram sendo ocupadas pelos soldados mineiros, mas em nenhum dos casos houve resistência ou confronto com moradores. Ao ultrapassar o município fluminense de Areal, as tropas do 1º Exército e os mineiros se encontraram.

“Foi um momento de apreensão terrível. Mas a ordem de nos impedir não foi cumprida. Caso contrário, acredito que seríamos aniquilados. Estávamos com o moral em alta, porém, muito das nossas forças estavam aquém em relação ao armamento do I Exército”, avalia Soriano. Ao contrário de um embate entre os dois grupos, os mineiros receberam o apoio do 1º Exército e a marcha até a capital fluminense foi reforçada.

Durante o dia 1º os militares ocuparam várias cidades na Baixada Fluminense e o alto-comando do Exército acelerou as articulações para tomar o poder. Sem reação do governo ou dos grupos que o apoiavam, João Goulart deixou o Rio de Janeiro em direção a Brasília, e em seguida para Porto Alegre, onde Leonel Brizola, ex-governador do Rio Grande do Sul, tentava organizar uma resistência.

Em 2 de abril, as tropas mineiras marcharam pela Avenida Brasil, Região Central do Rio. “Poucas pessoas sabiam exatamente o que estava acontecendo. Não houve qualquer conflito com moradores ou com grupos de resistência. Fomos recepcionados pelo governador Carlos Lacerda, que liberou o Maracanã para usarmos como base e nos ofereceu suprimentos. Ficamos até o dia 6, como uma tropa de ocupação, para consolidar a revolução”, explica Soriano.

O movimento foi saudado por importantes setores da sociedade brasileira desde o início e recebeu a adesão dos governadores do Rio, Carlos Lacerda, e de São Paulo, Adhemar de Barros. Como forma de impedir uma suposta ameaça de “esquerdização” do país, o golpe militar foi aplaudido por empresários, pela imprensa e pela Igreja Católica.

Ainda no dia 1º, Ranieri Mazzilli, presidente da Câmara dos Deputados, assumiu em caráter provisório o governo. No entanto, o poder de fato passou a ser exercido por uma junta de governo formada por três ministros militares – o general Arthur da Costa e Silva, o almirante Augusto Radamaker Grunewald e o brigadeiro Francisco de Assis Correia de Melo. No Nordeste, a movimentação do 4º Exército impediu qualquer ação de grupos camponeses e, com a deposição dos governadores Miguel Arraes, de Pernambuco, e Seixas Dória, de Sergipe, o golpe se consolidou rapidamente.

Mea-Culpa Décadas depois do golpe, alguns dos líderes mineiros que participaram da articulação inicial no estado avaliaram que a decisão de derrubar o governo de João Goulart como solução para o país não saiu como o planejado. Em 1989, o ex-comandante da PM Coronel José Geraldo de Oliveira criticou os desdobramentos do regime militar e afirmou que a proposta de mudar o país foi apenas uma justificativa para que um grupo se firmasse no poder.

 

“Foi um engano, um lamentável equívoco. Se eu soubesse que o movimento de 64 iria dar no que deu, não teria tomado parte dele. Durante dois anos preparei a Polícia Militar de Minas para uma revolução que vencesse a corrupção e a subversão. Hoje, 25 anos depois, sei que o que aconteceu foi um golpe. A corrupção tomou conta de Minas e do Brasil. Fomos meros serviçais dos magnatas. A cada dia eles se tornaram mais ricos e o povo ficou cada vez mais pobre”, analisou José Geraldo na época.

 

Fonte – Estado de Minas

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