150 atestados de óbito de mortos pela ditadura devem ser retificados pela Justiça de SP

Vladimir Herzog e Alexandre Vannucchi, cujos atestados de óbito já foram retificados

Em mais um esforço para passar a limpo os crimes cometidos pelo regime militar, a Justiça de São Paulo vai analisar a retificação de cerca de 150 atestados de óbito de pessoas mortas e desaparecidos pela ditadura.

A Comissão da Verdade do Estado de São Paulo, também conhecida como Comissão Rubens Paiva, informou que chegou a um acordo com a Defensoria Pública, o Ministério Público e a Justiça de São Paulo para modificar os registros em que constam outras explicações para as mortes, como falecimento após tiroteio com agentes do regime ou suicídio. Essas eram justificativas comumente usadas pela ditadura para dissimular assassinatos cometidos na repressão a opositores.

A Justiça de São Paulo já determinou a modificação de três atestados, que servem como precedentes para os outros casos. Os do jornalista Vladimir Herzog e do estudante Alexandre Vannucchi Leme foram corrigidos após solicitação da Comissão Nacional da Verdade (CNV). O registro da morte de João Batista Franco Drummond, militante comunista, foi alterado após solicitação da família.

A Defensoria Pública confirmou o acordo com a Comissão Rubens Paiva. Segundo Renan Quinalha, assessor jurídico da comissão, o objetivo é que os 164 casos de mortos e desaparecidos políticos do Estado de São Paulo sejam modificados.

Num primeiro momento, porém, o acordo abrange só as mortes que foram registradas na capital – são casos de assassinados em São Paulo ou de paulistas que foram mortos em outros Estados. “São cerca de 150, estamos finalizando o levantamento. Os primeiros pedidos de retificação já devem ser feitos nesta semana”, disse Quinalha.

A expectativa é de que os pedidos tramitem rapidamente, pois todos os casos já foram reconhecidos oficialmente pelo governo federal como de assassinados pela ditadura militar. Os desaparecidos – cujos corpos nunca foram recuperados – foram reconhecidos como mortos pela lei federal 9.140, de 1995.

Segundo o presidente da Comissão Rubens Paiva, Adriano Diogo, nos novos atestados vai constar a informação mais precisa disponível sobre os desaparecidos, como onde e quando ficaram presos.

A mudança dos atestados de óbitos é apenas uma das iniciativas que vêm sendo realizadas pelas comissões da Verdade. Hoje, há quase cem instituições do tipo no país, que surgiram após a instauração da CNV, em maio de 2012. São comissões estaduais, municipais e ligadas a organizações como a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil).

Atestados já retificados

O atestado de Herzog foi modificado em dezembro de 2012 e o de Vanucchi um ano depois. A versão original dos militares era de que os dois haviam se suicidado, Herzog enforcado na prisão e Vanucchi atropelado por um caminhão.

No caso de Herzog, a causa mortis foi modificada de “asfixia mecânica” para morte em decorrência “de lesões e maus-tratos sofridos em dependência do II Exército – SP (Doi-Codi)”. O jornalista foi assassinado em 1975, aos 38 anos.

Vannucchi, que era estudante de geologia da Universidade de São Paulo (USP) e militante da Ação Libertadora Nacional (ALN), foi preso e morto em março de 1973, aos 22 anos. O regime militar divulgou na época que ele teria se jogado contra um caminhão, tendo constato no atestado de óbito morte por “lesão traumática crânio-encefálica”.

Agora, foi estabelecido que a morte ocorreu pior “lesões decorrentes de tortura e maus-tratos”.

O registro da morte de João Batista Franco Drummond já foi modificado por solicitação de sua família. Neste caso, o Ministério Público chegou a recorrer da decisão da primeira instância, que acabou sendo confirmada pelo Tribunal de Justiça de São Paulo em fevereiro deste ano.

O regime militar apresentou duas versões contraditória para sua morte – um laudo do IML (Instituto Médico Legal) da época diz que ele foi atropelado na Avenida Nove de Julho, em São Paulo. Já um relatório do Ministério da Aeronáutica afirma que Drummond morreu em um tiroteio entre militantes e agentes da repressão, no bairro da Lapa, quando a casa em que se encontrava com outros companheiros foi invadida.

A Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos (CEMDP) e a Comissão Nacional da Anistia já haviam reconhecido que Drummond foi morto nas dependências do DOI-Codi em decorrência das torturas.

 

 

Fonte – BBC Brasil

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