Queda de Jango pega vereadores de Ribeirão de surpresa

Na sessão do dia 31 de março de 1964, Câmara não comenta golpe militar

Na noite de 31 de março de 1964, uma terça-feira, a Câmara de Ribeirão Preto reuniu-se em sessão ordinária. Das 20h às 22h, sob a presidência de Aloízio Olaia Paschoal (PTB), os vereadores aprovaram dois projetos de lei denominando ruas. E, apesar do esforço do vereador Osório Carlos do Nascimento (PRP), líder do prefeito Welson Gasparini (PRP), a oposição rejeitou dois projetos do governo. Em um deles, Gasparini propunha o aumento da tarifa de água.

Osorinho lembrou que a situação política do país não foi discutida naquela noite. Em sua opinião, o golpe pegou muita gente de surpresa.

“Havia muito boato e as informações não tinham a agilidade de agora”.

Osorinho contou que, após a sessão, os vereadores foram jantar tranquilamente. Uns preferiram a pizzaria Bambina, ao lado do A Cidade. Outro grupo foi ao restaurante Jangada, na rua Barão do Amazonas, que servia comida nordestina.

Cassação

Mas ainda na primeira quinzena de abril, a situação ia esquentar. Foi marcada uma sessão secreta –não se sabe o dia ao certo – para cassar o mandato do médico e vereador Pedro Augusto Azevedo Marques (PSB) – o Partido Socialista Brasileiro, que aninhava políticos oriundos do clandestino PC, Partido Comunista.

“A cassação de Pedro Azevedo Marques seria um presente que os vereadores da direita dariam ao golpe militar”, disse um ex-vereador e advogado militante. Alguns vereadores faltaram à sessão, como Mário Spanó (PDC), Wagner Antônio Calil (PSP) e José Moretti (PR).

O desfecho foi rápido. Em pouco mais de uma hora, o mandato de Pedro Azevedo Marques foi cassado. Mas, em razão de um acordo de cavalheiros, costurado na hora, evitou-se o pior: a cassação apresentou várias irregularidades (pistas deixadas propositalmente) para que Pedro Azevedo Marques pudesse retomar o mandato na Justiça Eleitoral. E foi o que aconteceu. Sete meses depois, Pedro retomou sua cadeira.

Com a cassação de Pedro, a Câmara acalmou os militares locais. Ao mesmo tempo, não decepcionou os amigos da esquerda, abrindo brecha para o retorno do vereador. A Câmara desculpou-se pela falha, alegando que até então não tinha cassado nenhum de seus membros.

Pedro Augusto de Azevedo Marque não quis conversar com o A Cidade. Foi procurado oito vezes, pelo telefone, em sua casa. Não atendeu a nenhuma ligação e não retornou nenhuma delas.

A 5ª Legislatura era formada pelos vereadores Aloizio Olaia Paschoal (PTB), Celso Paschoal (PSP), Domingos Isaac (PRP), Faustino Jarruche (PRT), José Alves de Castro (UDN), José Bompani (PSP), José Delibo (PTB), José Moretti (PR), José Monteiro (PTB), Juventino Miguel (PSP), Mário Spanó (PDC), Orlando Victaliano (PSD), Paulo Abranches de Farias (PTN), Waldo Adalberto da Silveira (PDC); Antônio Vicente Golfeto (PTN), Barquet Miguel (PR), Foaade Hanna (PSP), José Velloni (PTB), Pedro Azevedo Marques (PSB) e Wagner Antônio Calil (PSP).

Dilma e Áurea na ‘torre das donzelas’

Em maio de 2010, ministra da Casa Civil do governo Lula e candidata à presidência da República, Dilma Rousseff, esteve em Ribeirão Preto para abrir a Agrishow. Depois dos compromissos, fez questão de receber no apartamento do hotel em que estava hospedada uma antiga companheira de cela no presídio Tiradentes, em São Paulo: Áurea Moretti. Pouco tempo depois, em 1º de janeiro de 2011, Áurea esteve na posse de Dilma.

Áurea Moretti era estudante de Filosofia da USP e, em 31 de março de 1964, tinha 19 anos. Sua incursão política, na época, limitava-se a diretórios acadêmicos. Ela se aprofundou na luta contra a ditadura militar três anos depois, passando a integrar o grupo FALN – Forças Armadas de Liberação Nacional.

Mesmo sem ter pego em armas ou cometido crime, tornou-se guerrilheira na ótica militar. E assim foi caçada até ser presa, em sua casa, perto do Bosque Fábio Barreto, na noite de 18 de outubro de 1969. A família via televisão na sala – irmãs, cunhados e mãe – quando investigadores chefiados pelo delegado Miguel Lamano invadiram a residência. Áurea começou a apanhar ali mesmo. Ela ficaria presa 3 anos e meio e um ano sob condicional.

No quartel da Força Pública, em Ribeirão, na cadeia pública (rua Duque de Caxias) e, principalmente na cadeia de Cravinhos, Áurea sofreu torturas que iam de choques no corpo – inclusive molhado, para aumentar a intensidade –, pau de arara e agressão até desmaiar. As sessões tinham o comando de Lamano, em busca de informações sobre companheiros na clandestinidade.

No fim de dezembro, Áurea, madre Maurina e Maria Aparecida da Silva, a Cidinha, foram transferidas para o Presidio Tiradentes, em São Paulo. Muito machucada, Áurea passou dois anos na ala feminina do Carandiru, cuidada por irmãs religiosas. Voltaria ao Tiradentes em tempo de conviver durante seis meses com Dilma Rousseff, num lugar chamado “Torre das Donzelas”. Dilma tinha pertencido à Vanguarda Armada Revolucionária (VAR-Palmares).

Em 1973, Áurea foi libertada sob condicional de um ano. Em 75 formou-se em enfermagem. Impossibilitada de trabalhar por aqui – ninguém queria dar emprego a uma ex-guerrilheira –, foi viver no Acre.

As consequências das sessões de torturas são sentidas até hoje. Às vezes, um vozerio frenético (de militares) acorda Áurea, ora assustada, ora nervosa. Sente dores na coluna e, principalmente, na alma. Áurea evita acusar seus torturadores. Menos um: Sérgio Paranhos Fleury.

“Quanto ao Fleury, posso falar sobre ele, que fez questão de viajar de São Paulo até Cravinhos só para ameaçar madre Maurina. Cruel, ele disse que, como ex-padre, sabia lidar com freiras. Isso me magoou muito.”

O calvário de Madre Maurina Borges

Madre Maurina Borges da Silveira foi presa no dia 25 de outubro de 1969. Tinha 43 anos e dirigia o Orfanato Lar Santana, na rua Conselheiro Dantas 984, em Ribeirão Preto. Cuidava de 220 crianças. Ela foi acusada de ceder uma sala, no porão do prédio, para reuniões de estudantes pertencentes ao grupo guerrilheiro FALN – Forças Armadas de Libertação Nacional.

Presa com vários militantes da FALN pela Operação Banderiante (Oban), foi torturada durante cinco meses. O episódio resultou na excomuhão dos delegados Renato Ribeiro Soares e Miguel Lamano, em 12 de novembro de 1969. Lamano foi apontado num ranking da revista “Veja” como o 12º maior torturador da época da ditadura militar.

Jacob Gorender, historiador marxista brasileiro, relata em seu livro “Combate nas Trevas” que irmã Maurina teria sido estuprada na prisão, fato desmentido por ela. Madre Maurina admite que foi vítima de violência moral e obrigada a assinar confissão admitindo que era amante de um militante.

Em 1970, foi trocada pelo cônsul japonês Nobuo Okuchil, sequestrado pelo grupo Vanguarda Popular Revolucionário (VPR), em 11 de março. Três dias depois, entrou no avião que a levaria ao México, onde ficaria 14 anos. Regressou ao Brasil em 1973.

“Veja se você não vai esquecer do seu Deus! Agora vai apanhar juntamente com o rapaz seu protegido”. A frase, dita pelo delegado Miguel Lamano, foi relatada por madre Maurina, da Ordem Terceira de São Francisco, em carta escrita na Penitenciária de Tremembé, encaminhada ao ministro da Justiça, Alfredo Buzaid.

Em Ribeirão, o ex-delegado Seccional Renato Ribeiro Soares admitiu, em 2008, que madre Maurina foi alvo de tortura violenta. Mas negou tê-la torturado. Foi readmitido às lides católicas em 9 de agosto de 1975.

Livro novo sobre a heroína

Madre Maurina Silveira Borges, falecida em 2011, tinha nove irmãos. Entre eles, dois padres e duas freiras, todos vivos.

O frei Manoel Borges da Silveira, 83 anos, dominicano radicado em Uberaba (MG), resolveu escrever um livro sobre a irmã baseado nas visitas que fez a ela, especialmente no México, onde viveu exilada durante 14 anos.

Aos depoimentos da irmã, frei Manoel juntou artigos publicados na imprensa, ao longo das décadas, como os escritos por Antonio Callado e César Augusto Vanucci.

O livro, ainda sem título e número de páginas indefinido, será bancado pela Associação Brasileira de Anistiados Políticos, entidade presidida pelo jornalista Saulo Gomes. Saulo foi também o primeiro jornalista a entrevistar o líder espírita Chico Xavier na televisão brasileira, em programa feito para a extinta TV Tupi. Agora, ele apoia frei Manoel para publicar este livro.

“Eu gravei boa parte do depoimento do frei Manoel, na igreja onde vive, a São Domingos, a mais antiga de Uberaba. Ele relatou os encontros que teve com irmã. O livro será impresso em breve”.

Ethevaldo diz por que foi preso

“Fui o primeiro preso político do Brasil. Antes da meia-noite de 31 de março eu já estava na cadeia de Jaboticabal. Por três motivos, me explicaria mais tarde o coronel Charmillot (Décio Luiz Fleury Charmillot) comandante da 5ª CSM de Ribeirão Preto. Primeiro, por integrar a diretoria do Sindicato dos Bancários, de Ribeirão; por ser professor; e por ter alfabetizado 200 brasileiros pelo método Paulo Freire. Três crimes imperdoáveis para o governo que estava surgindo”.

A frase é do jornalista Ethevaldo Siqueria, ex- “O Estado de São Paulo”, hoje comentarista da CBN, especializado em Tecnologia e Informação.
Para Ethevaldo, a ditadura militar proporcionou os melhores anos de sua vida. Que não o entendam mal: ele teve que desenvolver todas as ferramentas para se manter na ativa, como jornalista.
“Foram cinco anos de censura dentro da redação. O jornal se redimiu do apoio aos militares no golpe de 64. No espaço de matérias vetadas pelos censores, colocávamos poemas de Camões, receitas culinárias e artigos sobre jardinagem”.

Debate
Saulo Gomes, Áurea Moretti, a jornalista Matilde Leone e o ex-vereador Gilberto Abreu participam neste domingo (30), às 19h, na Faculdade Barão de Mauá, de um debate sobre o golpe militar de 1964 e suas consequências.

 

 

Fonte – Jornal A Cidade

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