Durante seis anos, Izabel Borges lutou para provar sua inocência e só conseguiu em 2012
No livro lançado pela Justiça Global, Na Linha de Frente: Criminalização dos Defensores de Direitos Humanos no Brasil (2006-2012), o caso da ex-coordenadora da Pastoral Carcerária, Izabel Aparecida Borges da Silva, tem destaque. A militante de direitos humanos viu pesar sobre ela, durante anos, acusações infundadas de pertencer a um grupo criminoso. A exposição, com a divulgação da edição descontextualizada de conversas telefônicas gravadas por meio de um grampo ilegal, acabou com 25 anos de militância de Izabel no sistema penitenciário capixaba.
O livro conta que, no ano de 2006 – primeiro mandato do governo Paulo Hartung (PMDB) -, o Estado passava por uma enxurrada de rebeliões e denúncias de tortura e maus tratos nos presídios. Em janeiro daquele ano, uma inspeção realizada no Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico e no Presídio Feminino de Cariacica constatou uso de drogas, espancamentos, falta de atendimento médico para os doentes e superlotação. No mesmo dia, dois presos foram executados na Casa de Custódia de Viana, menos de 24 horas depois do assassinato de outros dois presos na Casa de Detenção de Vila Velha, evidenciando o descontrole do sistema prisional, que estava em colapso. Ao mesmo tempo, ocorria uma onda de queima de ônibus, sem que as autoridades conseguissem contê-la.
Nesse cenário, foi iniciada uma investigação da Diretoria de Inteligência da Polícia Militar do Estado, que resultou no inquérito policial 0025/06311, instaurado no dia 24 de julho de 2006, a partir de escuta telefônica ilegal, no qual Izabel foi indiciada pela suposta prática de 18 crimes, entre eles homicídios, tráfico de drogas e formação de quadrilha ou bando. As ligações telefônicas que Izabel recebia dos detentos eram de conhecimento das autoridades públicas do Estado, como o então secretário de Estado de Justiça, Ângelo Roncalli, que por diversas vezes chegou a pedir que a defensora negociasse o fim de rebeliões por meio delas.
Em 1 de agosto de 2006, Izabel saía de uma reunião na sede da Comissão de Justiça e Paz, em que se discutia a implantação do Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos, quando foi abordada por um repórter, que a questionava sobre transcrições de grampos telefônicos de conversas que ela mantinha com presos.
O inquérito continha trechos descontextualizados das escutas ilegais. Em um dos trechos, dizia: “Izabel orienta os detentos sobre como devem comparecer às audiências judiciais e que, vai fazer ‘uma coisa e vai precisar da ajuda de vocês (dos presos)’ e que o ‘pouquinho de autoestima que os presos tinham’ já havia sido perdida. Segundo ela, os detentos deviam ‘ir sujos’ e também mostrarem ‘as marcas ‘das supostas agressões que estariam sofrendo por parte da Força Nacional”.
A transcrição real da conversa telefônica mostra que o trecho do inquérito não condiz com a conversa entre a defensora e os presos. A degravação da conversa demonstra que outro preso pega o telefone e diz a ela “que o promotor esteve lá ontem, o Dr. Sérgio, com quatro visitas do pavilhão 2, e quis que os presos mostrassem para as visitas que eles estavam todos bem, com colchões, roupas etc.”. Izabel, segundo a degravação, teria falado “mas que palhaço, hein”.
O preso teria dito então que eles desmascararam o promotor na frente das visitas e as visitas começaram a chorar. Izabel diz “bem feito…”. Ela diz que acha ruim eles escolherem somente quatro visitas para adentrarem ao presídio, mesmo sabendo que não há “segundas intenções”, e que “ ‘segundas intenções’ há somente por parte da Secretaria, que fica querendo provar para todo mundo que está tudo bem no presídio”. Daí Izabel diz que “o promotor caiu do cavalo, que só pela aparência deles, já dá pra ver que eles estão sendo tratados como bicho”.
O relatório aponta que o inquérito policial, a todo tempo, descontextualizou as conversas ilegalmente gravadas de Izabel, com o propósito de incriminá-la, a ponto de fazer a opinião pública se voltar contra ela. Com base nesse inquérito, a delegada de Polícia Fabiana Maioral (atual secretária de Prevenção e Combate à Violência de Vila Velha), que assina o relatório final do inquérito, datado de 5 de setembro de 2007, concluiu que a influência de Izabel seria nociva e deveria ser paralisada, já que “se trata de uma pessoa influente, com personalidade voltada para a criminalidade, e que infelizmente confundiu sua atuação assistencialista com favorecimento a criminalidade, servindo-se de benefícios e serviços prestados de diversas formas em troca de favores a presos”.
Izabel foi indiciada por 18 crimes, sendo que sequer foi convocada a depor. A única vez em que foi ouvida, se apresentou voluntariamente, uma vez que não foi intimada pela autoridade policial. Parceiros de Izabel na militância de direitos humanos, como Padre Xavier Paolillo ou Marta Falqueto, mencionados nas escutas telefônicas, tampouco foram ouvidos no inquérito.
No dia 2 de julho de 2009, quase 3 anos após a instauração do inquérito policial, o promotor de Justiça Adélcion Caliman, oficia o poder judiciário declarando que as provas produzidas pela autoridade policial não permitiam ao Ministério Público Estadual (MPES) descrever fato típico que se pudesse atribuir a Izabel. O promotor também afirmou que não havia nenhuma prova consistente nos autos de que ela tivesse entrado ou saído de estabelecimentos prisionais com substâncias entorpecentes.
“O posicionamento do Ministério Público reforça o que as organizações de direitos humanos vinham denunciando: o forte processo de criminalização a qual Izabel foi sendo submetida. A estratégia da autoridade policial é, sem nenhum forte indício de atividades criminosas praticadas pela defensora de direitos humanos, desmoralizá-la publicamente e imobilizá-la enquanto um inquérito policial muito mal instruído é “cozinhado em banho Maria”, e tirando o foco para os problemas prisional”, ressalta o relatório.
Somente em 2012, o procedimento contra Izabel foi arquivado, já que não continha qualquer prova contra ela.
Fonte – Seculo Diário