No dia 24 de fevereiro de 1984, um incêndio destruia a favela da Vila Socó, em Cubatão. O fogo foi provocado pela explosão de um duto, de onde vazaram 700 mil litros de gasolina, e consumiu todo o local, na época, com quase 6 mil moradores. O número oficial de mortos, 93, é contestado até os dias de hoje. Justamente por isso, a Comissão da Verdade do Estado de São Paulo Rubens Paiva reabre o caso e realiza uma audiência pública nesta quarta-feira, que deve contar com o depoimento de um sobrevivente da tragédia.
Na época, moravam seis mil pessoas no local. Oficialmente, foram 93 mortos, mas a estimativa é muito maiorDe acordo com investigação feita pelo Ministério Público, o número seria de 508 mortos, “podendo chegar a 700”, afirma Dojival Vieira, da Comissão da Verdade da OAB de Cubatão, que era vereador da cidade quando do ocorrido. Após o incêndio, Vieira ouviu de um morador sobrevivente o seguinte pedido: “Não permita que nossa história vire cinza”. Vieira relata que na época a população não acreditou no número oficial de mortos. “Sempre se soube que esse número seria maior”.
Suspeita-se que o governo militar, que à época tinha como presidente o general João Batista Figueiredo fez uma “Operação Abafa”, para reduzir o número de mortos e o impacto da tragédia. “Obviamente que isso foi feito para reduzir a repercussão no âmbito interno e internacional, já que era uma empresa estatal gerida pelo governo militar”.
Entre os presentes à audiência que será realizada pela Comissão da Verdade, estará um sobrevivente, que trabalhou no resgate dos corpos do incêndio: “Essa testemunha afirma que foram colocados de três a quatro corpos em cada caixão. Isso confirma o que viemos dizendo ao longo desses 30 anos. Que houve, de fato, a manipulação do número de mortos para reduzir o impacto das tragédias. Ou seja, o número foi muito maior, mas ninguém foi punido”, esclarece Vieira.
Ele lembra que nenhuma investigação foi feita para apurar as causas da tragédia, “muito menos as responsabilidades”. Além disso, ressalta que o caso não pode ser chamado como “tragédia”: “Tragédias não são previsíveis. No caso da Vila Socó, o incêndio resultou do total descaso da empresa com a manutenção dos dutos e tubulações. E em seguida o poder público se omitiu de uma operação de evacuação. Haveria tempo para isso”.
O vazamento, relata, “começou muito antes do incêndio”. Vieira ressalta a importância do tema estar sendo trazido novamente à tona pela Comissão da Verdade de São Paulo, em parceria com a Comissão da OAB de Cubatão. “Nossa proposta é que anos depois o Brasil conheça toda a dimensão dessa crueldade, do desrespeito aos direitos humanos mais elementares. Foi um crime praticado pela ditadura contra toda uma população civil”.
No local onde existia a Vila Socó, surgiu um núcleo residencial com 253 casas, escola e posto de saúde chamado Vila São José. As vítimas foram indenizadas e foram construídas cerca de 400 novas casas. Em 2011, a vila recebeu a Praça da Cidadania.
Audiência
A audiência pública será realizada na Assembleia Legislativa, entre 10 e 18 horas. Para o encontro, foram convidados José Osvaldo Passarelli, prefeito de Cubatão nomeado pela ditadura militar na época, e Shigeaki Ueki, presidente da Petrobras também naquela época.
Foram convidados também João Batista de Andrade, autor do documentário “Cubatão Urgente”, produzido logo após o incêndio, e Diego Moura, diretor do curta-documentário “Uma Tragédia Anunciada”. assim como vários jornalistas que cobriram o incêndio. A Comissão já recebeu a confirmação de Antonio Carlos Ferreira (Tonico Ferreira) que fez matérias para a Rede Globo na época.
Fonte – A Tribuna On-line