Confrontado por vítimas, coronel do DOI-SP nega tortura

Chefe de equipes de interrogatório do Doi e outros dois agentes da repressão prestaram depoimento à CNV, ontem, em SP

Homero Machado ri ao ser questionado por Derlei Catarina de Luca, integrante da Comissão Estadual da Verdade de Santa Catarina que foi torturada pela equipe do militar em 1969. Foto: Thiago Vilela / ASCOM – CNV

Na juventude, Anivaldo Padilha, Arthur Scavone, Carlos Russo, Derlei Catarina De Luca e Maurice Politi militaram em diferentes organizações de oposição ao regime militar. Ontem à tarde, entretanto, suas trajetórias os colocaram na mesma sala, diante do coronel Homero Cézar Machado, o temido “capitão Homero” do Doi-Codi de São Paulo, ex-chefe de equipe de interrogatório do maior centro de tortura e morte da ditadura.

Machado foi convocado a depor pela Comissão Nacional da Verdade, numa sessão testemunhada por aqueles que afirmam, sem equívoco, terem sido suas vítimas no Doi. Os ex-presos políticos relataram ter sido presos e/ou torturados por ele ou por integrantes das equipes comandadas por ele. Machado, contudo, negou as acusações.

Na portaria do prédio da avenida Paulista em São Paulo, onde ocorreu o depoimento, Derlei o avistou e ambos se reconheceram imediatamente. Fato admitido por Machado durante o depoimento. Apesar de confrontado com as informações prestadas pelas vítimas, Homero negou a tortura e repetiu os argumentos de seu ex-comandante, Carlos Alberto Brilhante Ustra, em depoimento prestado à CNV em maio de 2013. “Nós éramos agentes, delegados da instituição. Eu cumpria ordens. Quem deve dar explicações é a instituição. Ele (o comando das Forças Armadas) é quem tem de pedir desculpas à nação”, afirmou.

Derlei afirmou ter sido torturada pela equipe de Homero em 29 de novembro de 1969. “Eles me colocaram no pau de arara, e deram vários choques elétricos e ele permitiu que eles quebrassem meus dentes da frente com uma coronhada”, afirmou.

Em depoimento prestado de manhã na Assembleia Legislativa de São Paulo, numa sessão conjunta da CNV e da Comissão Estadual da Verdade, Derlei, que integra a Comissão Estadual da Verdade de Santa Catarina, explicou que, apesar de fazer parte da Ação Popular, na época um grupo de oposição que não havia aderido à luta armada, os agentes da repressão a teriam confundido com Maria Aparecida da Costa, da ALN, organização que desde sua criação atuava no combate armado ao regime.

Por conta dessa confusão da repressão, ela acredita ter sido barbaramente torturada e, paradoxalmente, crê que isso também permitiu que ela sobrevivesse. “Eu não precisava mentir, eu realmente não fazia parte da ALN, nem sabia de praticamente nada do que eles me perguntavam. Foi a minha sorte, porque eu conseguia responder tranquilamente e proteger os meus companheiros”, disse. O depoimento de Homero foi colhido pelos membros da CNV José Carlos Dias, Maria Rita Kehl e Rosa Cardoso.

OUTROS DEPOIMENTOS – Além de Homero e Derlei, a CNV colheu mais quatro depoimentos em São Paulo. Em virtude de suas condições de saúde, Arminak Cherkezian, que trabalhou na Agência Regional de Segurança e Informações (ARSI) , ligada à Divisão de Segurança de Informações do escritório do Ministério da Educação em SP, pediu para ser ouvido em sua casa.

Seu irmão, Krikor Tcherkezian, era lotado na AESI (Agência Especial de Segurança e Informações), da USP. As AESI, no caso da USP, ou ASI, como denominadas na maioria das universidades, eram “postos avançados” do SNI que funcionavam nas Universidades públicas com pouco conhecimento da comunidade acadêmica. As ASI tinham como objetivo investigar atividades tidas como subversivas por parte de professores, alunos e funcionários. Arminak negou conhecimento e participação em casos de abusos cometidos pelo Estado contra estudantes e docentes da USP por parte de sua repartição, a ARSI.

O depoente afirmou que seu trabalho na ARSI tinha como objetivo a aproximação do Estado com o movimento estudantil, negando conhecimento de desaparecimentos, mortes ou qualquer outro tipo de abuso cometido pela ditadura. Arminak também negou que as investigações da ARSI tivessem ocasionado em demissão ou não contratação de docentes considerados subversivos pelo Estado, argumentando que as universidades tinham total autonomia sobre suas decisões internas e que a ARSI não tinha esse poder. Seu depoimento foi colhido pelos membros da CNV Pedro Dallari e Paulo Sérgio Pinheiro, pela historiadora Janice Theodoro da Silva, da Comissão da Verdade da USP e pela pesquisadora Angélica Muller, da CNV.

Já o delegado do DOPS, Alcides Singillo, que atuou diretamente na repressão política, negou a existência de tortura, apesar de conhecer e ter trabalhado com os delegados Sergio Paranhos Fleury e Aparecido Laertes Calandra, que atuavam diretamente na repressão.

Questionado sobre sua atuação, ele afirmou que o DOPS apenas abria inquéritos legalizando as prisões do DOI quando os presos eram liberados de lá para responder processo na Justiça Militar. Segundo afirmou, ele nunca torturou e negou ter conhecimento sobre tortura.

Singillo, afirmou que não gostava de atuar na apuração do que chamou de “crimes políticos”. Oriundo do DEIC, ele afirmou que sua preferência pessoal era trabalhar lá, pois “gostava de enfrentar bandido”. Questionado por José Carlos Dias se tratava os presos políticos como bandidos, disse que “eles não eram bandidos, eram terroristas”.

Além de Homero, Arminak, Singillo e Derlei, a CNV colheu o depoimento de uma vítima que pediu que o seu testemunho fosse reservado e teve um encontro com o advogado Luiz Francisco Carvalho Filho, que presidiu a Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos (CEMDP).

Na conversa com o advogado, os membros da CNV trocaram informações sobre as provas colhidas pela CEMDP no caso Zuzu Angel, considerado um atentado pela comissão especial. Carvalho Filho afirmou compartilhar da visão da CNV de que havia uma política de repressão do Estado para eliminar oponentes.

 

 

Fonte – Comissão Nacional da Verdade/Assessoria de Comunicação

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