O lançamento do documentário “História recontada: Marcos Cardoso Filho e a ditadura na Escola Técnica”, produzido pela IFSCTV, será uma das homenagens prestadas nesta próxima segunda-feira ao ex-professor do instituto. Ele deu aulas na antiga Escola Técnica Federal de Santa Catarina entre 1973 e 1975 e foi preso pelo governo militar na chamada Operação Barriga Verde, em função de seu envolvimento com o Partido Comunista Brasileiro (PCB). Demitido após sair da prisão, o ato também marca um pedido de desculpas institucional ao professor, já falecido, e a sua família.
A solenidade, que terá a participação de parentes, amigos, ex-alunos e ex-colegas do professor, será realizada no auditório da Reitoria do IFSC a partir das 19h. Também vão participar do evento representantes da Comissão Estadual da Verdade (CEV) Paulo Stuart Wright e do Coletivo Catarinense pela Memória, Verdade e Justiça.
Produzido a partir de relatório feito pelo Instituto Federal de Santa Catarina (IFSC), por solicitação da Comissão Estadual da Verdade, o documentário discute as circunstâncias da realização de uma audiência da Justiça Militar nas dependências da Escola Técnica, da qual Marcos participou como réu, diante de vários dos seus alunos e colegas.
As lembranças do episódio levaram Nestor Manoel Habkost, ex-aluno do curso de Eletrotécnica e hoje professor da UFSC, a apresentar o assunto à comissão estadual da verdade, que solicitou ao IFSC que apurasse o que ocorreu na ocasião.
Por meio da pesquisa em documentos da instituição, jornais da época e também no processo original da Operação Barriga Verde, confirmou-se que a audiência ocorreu nos dias 21 e 22 de setembro de 1976.
— Nós descobrimos que, na verdade, aquilo que o professor Nestor Habkost descreveu como um julgamento foi uma audiência da Justiça Militar, para analisar o pedido de relaxamento de prisão de Marcos e de outros indiciados na Operação Barriga Verde — afirma a jornalista do IFSC Ana Paula Lückman, que elaborou o relatório.
Nascido em Tubarão, em 1950, Marcos Cardoso Filho era engenheiro eletricista formado pela UFSC e começou a dar aulas no curso de Eletrotécnica da ETFSC em abril de 1973. Em 1975, passou a atuar como docente também na UFSC, no Departamento de Engenharia Elétrica – antes, no início dos anos 1970, já havia lecionado Física no Colégio de Aplicação da UFSC e no Instituto Estadual de Educação. Conforme relato de seus familiares, amigos e ex-alunos, Marcos tinha na atividade docente uma de suas grandes paixões.
Apesar de sua aptidão para as ciências exatas, Cardoso Filho também tinha forte inclinação à ciência política e militava, desde o final dos anos 1960, no então proscrito Partido Comunista Brasileiro (PCB). Foi sua atuação como militante que o levou a ser preso na Operação Barriga Verde, deflagrada pelo governo militar ditatorial da época para coibir a reorganização do PCB em Santa Catarina.
Julgado em fevereiro de 1978 e condenado a três anos de prisão, o professor deixou a Penitenciária de Florianópolis em abril do mesmo ano, sob liberdade condicional, mas não voltou a dar aulas na ETFSC. Foi demitido pelo então diretor Frederico Guilherme Büendgens, por justa causa, em setembro de 1978. Mas manteve o vínculo de professor da UFSC até sua morte, em 1983, em decorrência de um acidente de barco.
:: Retratação pública
A reitora do IFSC, Maria Clara Kaschny Schneider, afirma que o documentário é uma forma de ampliar o acesso ao trabalho de resgate feito pela comissão interna que, a pedido da Comissão Estadual da Verdade, realizou a pesquisa sobre Marcos Cardoso Filho.
— Uma forma de homenagear o professor que lutou contra a ditadura de forma tão contundente, e por isso passou por torturas e constrangimentos. É também uma maneira de reconhecer o sofrimento de sua família — diz.
Com a homenagem, o IFSC busca também desculpar-se publicamente pelos atos infringidos ao professor, como sua exclusão da instituição e a abertura da audiência militar aos ex-alunos de Marcos.
— O professor Marcos Cardoso Filho era um grande profissional, grande pesquisador, e nossa instituição certamente perdeu muito com sua demissão. É preciso que esse erro seja reconhecido publicamente — considera a reitora.
Na pesquisa ao processo original, que tem 12 volumes e mais de 3 mil páginas, foram localizados vários registros da realização da audiência na ETFSC. A indicação do local foi feita à Justiça Militar pela Secretaria de Segurança Pública de Santa Catarina. O resultado preliminar das investigações foi apresentado à CEV em julho de 2014. A versão final do relatório, elaborada após a pesquisa no Arquivo do Superior Tribunal Militar, será entregue à CEV durante a homenagem.
:: Documentário
A jornalista Giovana Perine, diretora do documentário “História recontada: Marcos Cardoso Filho e a ditadura na Escola Técnica”, diz que contar a história do professor Marcos Cardoso Filho foi um desafio para toda a equipe envolvida no projeto, principalmente no momento em que comissões da verdade são instauradas em todo o país para resgatar e recontar a história brasileira.
— Mostrar a ocorrência de fatos como a realização de uma audiência militar em uma escola pública é vital para entender o que foram os anos da repressão — conta.
Fonte – Jornal Floripa