Comissão da Verdade pedirá punições em relatório final de 2 mil páginas

Após 2,5 anos de trabalho, comissão entregará documento à presidente.
Comissão apontará 434 mortos e desaparecidos durante a ditadura.


Depois de dois anos e meio ouvindo militares, civis e colhendo documentos referentes ao regime militar, a Comissão Nacional da Verdade (CNV) entregará na próxima quarta-feira (10) à presidente Dilma Rousseff o relatório final sobre as conclusões às quais o grupo chegou. O documento, com cerca de 2 mil páginas, recomendará punição civil, administrativa e criminal para suspeitos de serem responsáveis pela violação de direitos humanos na ditadura.

 

Segundo a assessoria do órgão, o relatório apontará 434 mortos e desaparecidospolíticos, o que amplia em 72 nomes o total de 362 registrados pela Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (veja a lista dos 362).

A Comissão da Verdade foi criada pela Lei 12.528/2011 e instituída em maio de 2012 por Dilma. O colegiado foi constituído a fim de apurar as denúncias de violações de direitos humanos entre 1946 e 1988, período que abrange o regime militar.

Durante os últimos anos, foram colhidos 1.120 depoimentos – 132 de agentes militares –, produzidos 21 laudos periciais e realizadas 80 audiências públicas em 15 estados. No período de funcionamento da comissão, foram feitas sete diligências em Minas Gerais, Pernambuco, Rio de Janeiro e São Paulo.

Entre as pessoas ouvidas pela CNV nesses dois anos e meio, estiveram o coronel reformado Carlos Alberto Brilhante Ustra, que chefiou o Destacamento de Operações de Informações – Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi) do II Exército; o general reformado José Antonio Nogueira Belham, que comandou o DOI-Codi do Rio de Janeiro; e o coronel Paulo Malhães, morto neste ano, e que admitiu ter participado de torturas e mortes durante o regime militar.

Ao G1, o coordenador da Comissão da Verdade, Pedro Dallari, afirmou que o relatório pedirá a punição aos agentes da ditadura em razão de o colegiado ter provas “robustas” da participação dessas pessoas em casos de tortura, execuções e ocultação de cadáveres. Na avaliação de Dallari, os trabalhos da comissão foram positivos e ele diz que o documento está além de questões político-ideológicas.

“Nós não somos uma comissão jurídica. Embora a maioria dos integrantes seja de pessoas da área do direito, nós não fomos mandatados para exarar posições júridicas. Nós não somos um órgão jurídico. Qual foi a nossa atribuição? Apurar o fato em si e propor recomendações. O fato que se revelou é um quadro muito grave de graves violações dos direitos humanos, torturas, execuções, desaparecimentos forçados e ocultação de cadáveres”, disse Dallari.

“Tivemos investigações que dizem respeito a eventos ocorridos há muito tempo, há mais de 40 anos. Então, isso, obviamente, criou um quadro de dificuldade. Mesmo nesse contexto, acho que a comissão conseguiu – do ponto de vista do levantamento de informações pela busca da verdade – fazer um bom trabalho e isso vai se refletir nas 2 mil páginas do relatório, que é consistente, abrangente e muito detalhado, que não tem opiniões. É um relatório fático”, afirmou.

Segundo ele, as cerca de 2 mil páginas do documento que serão entregues à presidente Dilma Rousseff “deixarão claro” que os trabalhos da comissão não tiveram viés ideológico.

Para o coordenador da CNV, o documento precisa ser “amplamente” divulgado, para que a sociedade brasileira e as famílias de vítimas do regime tenham conhecimento do que ocorreu no período da ditadura. “E é até capaz que o leitor ache nossas conclusões tímidas, pelas provas que vamos apresentar”, avalia.

Dallari afirmou ainda que o fato de ter sido criado na CNV um departamento de perícia técnica permitirá, segundo avalia, que a comissão não seja acusada de ter produzido um documento “contra militares”, mas, sim, segundo ele, que mostre o que ocorreu no país durante o regime e ainda não havia sido divulgado.

“O relatório não vai analisar o regime militar. O documento analisa as graves violações feitas pelo regime. Foi o que nós fizemos. Essa análise é importante porque nós nos concentramos em uma base pericial, na apuração de todos os fatos com exame de documentos. O relatório tem toda a consistência necessária e tira esse viés político”, afirmou.

 

Tortura em instalações militares

Em meio aos 50 anos do golpe militar que deu início à ditadura, as Forças Armadas se comprometeram a apurar denúncias de que torturas teriam sido praticadas em instalações militares durante o regime.

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Em 18 de fevereiro, a CNV enviou ao ministro Celso Amorim o pedido de instauração das sindicâncias internas.

Em relatório enviado à CNV, porém, Exército, Marinha e Aeronáutica informaram não ter encontrado provas de que houve desvio de finalidade do uso das instalações, o que significa que não foram encontradas provas de casos de tortura nas dependências militares, segundo a comissão.

De acordo com Dallari, constará do relatório final da comissão recomendação para que as Forças Armadas reconheçam que no período do regime militar instalações do Exército, Marinha e Aeronáutica foram usadas em casos de violação de direitos humanos.

Ex-presidentes

Nesses dois anos e meio de trabalho, a Comissão da Verdade trabalhou também com análises relacionadas às mortes dos ex-presidentes Juscelino Kubitschek e João Goulart, o Jango.

Com autorização da família, os restos mortais de Jango foram periciados e, segundo divulgaram a Secretaria de Direitos Humanos e a Polícia Federal, o laudo pericial não encontrou sinais de envenenamento, conforme suspeita de familiares.

Os exames dos restos mortais começaram em 2013, a pedido da Comissão Nacional da Verdade. Jango, exilado da ditadura militar, morreu na Argentina, em 1976. A causa oficial da morte foi infarto. Para a família, ele teria sido assassinado em uma ação da Operação Condor, aliança entre as ditaduras militares da América do Sul nos anos 1970 para perseguir opositores dos regimes.

Apesar de suspeitas de que JK tivesse sido vítima de um atentado, a CNV concluiu que o governo militar (1964-1985) não teve participação na morte do ex-presidente. Ele morreu após o veículo Chevrolet Opala, placa NW-9326 RJ, que conduzia Juscelino e seu motorista Geraldo Ribeiro pela Via Dutra, rodovia que liga São Paulo a Rio de Janeiro, colidiu frontalmente com uma carreta Scania Vabis, placa ZR-0398-SC, após ter sido atingido por um ônibus.

Cooperação internacional
Durante a realização da Copa do Mundo, o vice-presidente dos EUA, Joe Biden, esteve em Brasília e se encontrou com a presidente Dilma Rousseff. Após a reunião, ele convidou a imprensa para uma entrevista coletiva na Embaixada dos Estados Unidos e anunciou que o país disponibilizaria documentos obtidos por Washington referentes à ditadura brasileira. Ainda em julho, o colegiado divulgou no site os documentos entregues pelos EUA.

 

 

Fonte – G1

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